Cabrais e Cavendishes Há Cabrais e Cabrais.
Roberto Pompeu de Toledo
Veja
Entre o primeiro Cabral (o Pedro Álvares, descobridor do Brasil) e o segundo (o Sérgio, governador do Rio de Janeiro) medeiam cinco séculos, mas algo os une: ambos se tornaram célebres pelas viagens. A bem da verdade, a viagem do primeiro Cabral tomou-o célebre já faz tempo, enquanto as do segundo só recentemente se impuseram com a evidência merecida. Isso não impede que o segundo, assim como o primeiro, entre para a história por força delas.
O primeiro Cabral deslumbrou-se com o mundo com que deparou. Araras, índios nus enfeitados com penas e índias que vão mostrar as vergonhas “têm tanta inocência como em mostrar os rostos”, conforme registro do escrivão Pero Vaz de Caminha, fizeram o espanto e a alegria da comitiva. O segundo igualmente se deslumbrou. Miçangas como finos restaurantes e sapatos para senhoras, segundo imagens captadas nos locais visitados, proporcionaram à sua comitiva alegria que não ficou a dever à distante antecessora. A comitiva do primeiro Cabral observou, curiosa, como os índios "andavam muitos deles dançando e folgando, uns diante dos outros”. A comitiva do segundo Cabral tratou ela própria de exibir seu exotismo, os homens dançando e folgando com guardanapos na cabeça.
Sérgio Cabral passou 128 dias no exterior desde que assumiu o governo do estado, em 2007, segundo contabilizou o jornal O Estado de S. Paulo, com base em informações do Palácio Guanabara. O total o estabelece como um viajante de respeito. Ainda mais que nele não se incluem as viagens particulares; só as ditas "oficiais". Pedro Álvares Cabral gastou 44 dias em sua penosa viagem de Lisboa até o local hoje conhecido como Brasil - um terço do que gastou em suas perambulações o homônimo de cinco séculos depois. O destino preferencial de Sérgio Cabral foi Paris, onde esteve cinco vezes; quatro vezes esteve em Londres, e outras quatro em Nova York. A Pedro Álvares, na viagem à Índia que encetou em seqüência à breve passagem pelo Brasil, couberam destinos como Melinde e Calicute. Não parece, mas na época eram lugares igualmente glamourosos. Pena que até chegar a eles mais da metade dos navios foi destroçada nas tempestades e a tripulação foi dizimada.
Há Cavendishes e Cavendishes.
Entre o primeiro Cavendish (Thomas, navegador inglês) e o segundo (Fernando, até outro dia dono da construtora Delta) há igualmente cinco séculos de distância, mas também pontos em comum: a busca da riqueza, para começar; os vaivéns da sorte, em seguida. O primeiro Cavendish poderia ter entrado na história pela glória de, entre os anos de 1585 e 1588, ter repetido a proeza de Fernão de Magalhães ao circunavegar o globo. Na história do Brasil, entrou na qualidade de pirata. O segundo Cavendish poderia ter se destacado como empresário que em poucos anos conduz a pequena empreiteira herdada do pai ao posto de uma das maiores do país. Acabou enredado na teia das operações do bicheiro Carlos Cachoeira.
Fernando Cavendish começou pequeno, virou grande e ameaça acabar em nada. Thomas Cavendish conheceu também os altos e baixos. Na viagem de circunavegação, amealhou fortuna saqueando navios e portos das colônias espanholas da América, numa época em que a Espanha estava em guerra com a Inglaterra. Tal foi seu sucesso que recebeu da rainha Elizabeth I o título de “sir”. Esbanjou a fortuna, no entanto, e na tentativa de refazê-la fez-se de novo ao mar, desta vez tendo por alvo os portos brasileiros. No dia de Natal de 1591, chega a Santos. Para sua sorte, praticamente toda a população da cidade se encontrava na igreja, celebrando a data. Foi fácil mantê-la ali dentro, presa, enquanto a vila era saqueada.
Fernando Cavendish, amigo íntimo de Sérgio Cabral, seu vizinho nas casas de veraneio de Mangaratiba e companheiro de estripulias em Paris, é um dos integrantes da agora famosa roda do guardanapo. Seu distante homônimo também gostava de festividades. Apesar de não passar de um “franco ladrão dos mares”, nas palavras de um historiador, “sabia dar às suas façanhas e depredações uma cor de elegância cavalheiresca, tomando-se popular, e sendo aplaudido, em vez de renegado, pela própria aristocracia europeia” (Rocha Pombo). Terminou mal, no entanto. Ao voltar a Santos, para um segundo assalto, foi repelido, assim como o seria em seguida no Espírito Santo, perdendo na aventura a frota e o grosso de seus homens. Morreu no mar, sem conseguir voltar à Inglaterra, “provavelmente ralado pelo remorso”, segundo outro historiador (Varnhagen).
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