terça-feira, 29 de maio de 2012

Depois dos aeroportos, que tal o saneamento básico?





Paulo Godoy
Valor Econômico 

As autoridades governamentais decidiram introduzir o capital privado em uma das últimas fronteiras do setor de infraestrutura brasileiro: o aeroportuário. Em fevereiro, empresas privadas, nacionais e estrangeiras, surpreenderam o governo federal e arremataram a concessão para investir e operar em três dos principais aeroportos brasileiros: Campinas, Guarulhos e Brasília. As responsabilidades dos vencedores não serão poucas. Ao longo do período de concessão, terão de pagar, juntos, R$ 24,5 bilhões em outorgas, investir mais R$ 16 bilhões e criar uma nova cultural empresarial ao lado de uma empresa estatal que manterá participação de 49% das futuras concessionárias.

Se tais desafios não afugentaram investidores, os resultados esperados com a chegada do capital privado nos aeroportos poderiam animar gestores públicos que têm responsabilidades no setor de saneamento básico, uma espécie de "primo pobre" do setor de infraestrutura brasileiro e cujos problemas ultrapassam, de longe, aqueles vividos por quem precisa decolar e aterrissar.

O acesso aos serviços de saneamento básico é ruim ainda em pleno século XXI. Dos 190 milhões de brasileiros, 77 milhões não têm acesso adequado à coleta de esgoto e 31 milhões ainda estão sem abastecimento de água potável por rede básica.

A infraestrutura de saneamento básico é ruim porque os recursos aplicados no sistema são insuficientes. Em 2010, última estatística disponível, os investimentos nesta área em todo o Brasil atingiram, em preços atualizados, R$ 7,5 bilhões, contra R$ 3,9 bilhões em 2003. Apesar do crescimento vigoroso, o montante investido em água e esgoto em cada ano representou, no máximo, metade do valor mínimo anual para atingir a universalização do atendimento no longo prazo.

A infraestrutura deficiente e os investimentos aquém do adequado resultam em mazelas sociais. Os brasileiros mais pobres, sem renda para migrarem para regiões com mais infraestrutura, engrossam a fila de espera pelos serviços. Dados de 2009 mostram que pessoas residentes em casas cuja renda familiar somava até três salários mínimos representavam 66% do total de brasileiros sem coleta de esgoto adequada e 69% daqueles que ainda não dispunham de água potável encanada.

Mas desafio pode ser sinônimo de oportunidade. Nos últimos anos, na medida em que os investimentos cresceram, mesmo que ainda de forma insuficiente, houve redução na quantidade de brasileiros internados por causa de doenças causadas pela falta de condições adequadas de saneamento básico, apesar do aumento populacional. Entre 2002 e 2011, as internações caíram de 2.391 para 1.967 pessoas por dia. Entre as crianças com até 9 anos, a redução foi de 1.124 para 695 internações por dia.


Fica claro, portanto, que a curva de ampliação do investimento contribui para impulsionar a melhoria na qualidade de vida e desafogar o sistema de saúde pública. Adultos e crianças deixam de perder dias de trabalho e de aula. Já os gestores públicos economizam recursos em tratamento e aproveitam melhor os leitos hospitalares existentes.

O caminho para avançar e atingir a universalização em 15 anos requer R$ 20 bilhões em investimentos por ano - e este volume de recursos precisa realmente ser transformado em tubulações, estações de tratamento de água e de esgoto todos os anos. Para atingir tal objetivo, há três ações: aumentar os investimentos públicos, intensificar a inserção privada e melhorar os indicadores de produtividade das empresas de saneamento básico no Brasil. Sozinhos, nem o poder público nem o setor privado conseguirão superar tal desafio.

A ampliação da participação privada no saneamento básico, reflexo do que já ocorre em países desenvolvidos, depende principalmente de vontade política e de eficiência administrativa. Regras há, desde janeiro de 2007. Financiamento em bom montante há, disponível, na maior parte, em linhas de crédito nos bancos públicos e de fomento. Interesse do setor privado também existe. O mercado de capitais, inclusive, tem interesse em aportar recursos em empresas com boa saúde financeira e governança corporativa transparente e eficiente.

Da mesma forma, instituições e empresas públicas precisam intensificar um movimento já iniciado anos atrás: melhorar os indicadores de gestão e de produtividade para conseguirem mais recursos e, dessa forma, atenderem mais localidades com melhores serviços. Muitas empresas estaduais contabilizaram enormes ganhos operacionais e financeiros na medida em que passaram a fortalecer a gestão administrativa. Assim, tornam-se cada vez mais valiosas e robustas para investir, expandir o acesso e aprimorar a qualidade dos serviços.

O capital privado está presente em vários setores de infraestrutura, com diferentes níveis de intensidade e participação. Ao mesmo tempo em que libera os recursos públicos para serem aplicados em áreas essenciais como saúde, segurança e educação, os investidores têm contribuído para melhorar a qualidade e expandir o acesso e a capacidade de oferta em mercados como rodovias, ferrovias e portos, telecomunicações, geração, transmissão e distribuição de energia elétrica, petróleo e gás natural.

Para o cidadão brasileiro, sobretudo o que está sem o acesso ao serviço, não faz nenhuma diferença se a conta de água e coleta de esgoto é emitida por uma empresa pública ou privada. Ele deseja que a prestação do serviço seja ininterrupta, com ótimo atendimento e preço justo e módico. Com a realização bem-sucedida de leilões no setor aeroportuário, o Brasil dá mais um passo para eliminar a falsa dicotomia entre investimento público e privado nos setores de infraestrutura. No saneamento básico, um dos mais carentes e necessitados de investimentos, o potencial é enorme.

Paulo Godoy é presidente da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib).
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