quinta-feira, 24 de maio de 2012

Capitalismo de compadrio



Paulo R. Haddad
O Estado de S. Paulo 

François Perroux, o mais importante economista francês do pós-2.ª Guerra, responsável inclusive pelas primeiras propostas para reorganizar uma Europa sem fronteiras econômicas, foi um dos pensadores que melhor compreenderam a lógica e a dinâmica do capitalismo contemporâneo. Afirmava, com muita preocupação, que garantir o lucro é destruir o capitalismo. E, numa economia nacional globalizada, garantir o lucro significa protecionismo econômico.

O protecionismo econômico como um evento não sistêmico não está ausente da agenda do pensamento liberal clássico. No 2.º capítulo do próprio livro quarto de A riqueza das Nações, por exemplo, Adam Smith estabelece uma detalhada reflexão sobre "as restrições à importação de mercadorias estrangeiras que podem ser produzidas no país". E muitas dessas exceções estão presentes no atual cenário mundial, resultantes das reações de diversos países em defesa do seu nível de emprego e renda pós-crise de 2008. Mas essas restrições são apresentadas como exceções, e toda exceção é fonte de controvérsias.

Na atual conjuntura brasileira, há dois argumentos controversos que têm estimulado cada vez mais o protecionismo à indústria nacional. O primeiro é o do processo de reprimarização da economia. Apresenta-se como uma mazela ou um atraso econômico o avanço das exportações de commodities primárias no nosso comércio exterior desde 2002. Há um problema de origem nesse argumento que vem da classificação setorial das exportações em nível de agregação muito elevado (setores de alta, média e baixa tecnologia, por exemplo), desconhecendo-se que a intensidade tecnológica deve ser medida, sempre que possível, no nível de produtos, e não de setores ou ramos industriais.

A tendência é classificar quase todos os produtos intensivos de recursos naturais entre os setores de baixa tecnologia. É indispensável um mínimo de diferenciação interna quanto às características desses produtos (tipos de organização empresarial, transportabilidade, fluxos de destino, dinâmica concorrencial global, etc.) para chegar a classificar a produção de proteína animal e vegetal na agricultura capitalista moderna dos cerrados brasileiros como "uma re-especialização regressiva".

O segundo equívoco de alguns analistas se refere à associação direta que eles estabelecem entre a perda de posição relativa de nossa indústria no cenário exterior e a questão cambial. Esses analistas se dividem quanto a diferentes fatores para explicar a valorização do real, inclusive em suas opiniões sobre a taxa de câmbio necessária para evitar "a desindustrialização" do País, que tem variado de R$ 1,80 a R$ 2,50 por dólar. Ou não seria maior?

As conclusões gerais de Michael Porter sobre a competitividade sistêmica de um país ou região são que: 1) a competitividade não pode ser vista como um fenômeno macroeconômico, impulsionado por variáveis como taxas de câmbio, de juros e déficits governamentais; 2) a competitividade não é função de mão de obra barata ou de recursos naturais abundantes; 3) as empresas de uma região ou de um país não terão êxito se não basearem suas estratégias no progresso e na inovação, numa disposição de competir, no conhecimento realista de seu ambiente nacional/regional/local e de como melhorá-lo; 4) as empresas bem-sucedidas se concentram, com frequência, em determinadas cidades, aglomerados urbanos ou Estados dentro de um país; e 5) o processo de globalização das economias nacionais não exclui a importância das localidades que proporcionam um ambiente fértil para as empresas de indústrias específicas.

Assim, de caso em caso, as autoridades econômicas acabam por selecionar ad hoc esses segmentos que devem ser protegidos e se tornarem "vencedores" no processo de competição global. No final da história, pode-se ir constituindo um capitalismo de compadrio. Acaba-se conspirando contra o consumidor brasileiro, mesmo que os empresários não tenham de se encontrar para tomar chá ou whisky no fim da tarde, como na época de Adam Smith.
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