EDITORIAL O GLOBO
O Globo
Assim que a Lei de Acesso à Informação foi promulgada, em maio, e o Brasil entrou para um grupo de países que praticam, como deve ser, uma política de transparência diante da sociedade, logo apareceram, por inevitáveis, as primeiras resistências à abertura de arquivos de interesse público.
Por motivos conhecidos, sindicatos de servidores estão entre os primeiros a resistir à Lei de Acesso. Chegam a usar o argumento canhestro de que a divulgação dos salários do funcionalismo colocaria em risco a segurança do servidor. Balela, pois, há algum tempo, o estado de São Paulo divulga sua folha de pagamentos, sem qualquer registro de mudança nas estatísticas de criminalidade contra algum segmento específico da população. Mesmo assim, o Sindicato dos Servidores Públicos do DF conseguiu, num plantão judicial de sexta-feira, sustar, por meio de liminar, a divulgação dos salários de seus associados.
É evidente o interesse em manter nas gavetas salários excessivamente elevados pagos a categorias de servidores, sem qualquer justificativa aceitável para tal - nem produtividade, nem mérito pessoal. A imprensa se vale da nova lei e tem revelado o cenário completo de distorções existentes na administração de pessoal do setor público, onde existem castas de privilegiados, com salários de fazer inveja no Primeiro Mundo.
Reportagens publicadas pelo GLOBO no domingo e segunda, com base em estatísticas do Censo de 2010, revelam, por exemplo, que o servidor federal ganha mais que o empregado formal na iniciativa privada em 88% das funções.
As diferenças de remuneração variam. Advogados e juristas recebem, em média, mais que o dobro (121%) dos colegas do setor privado, para trabalhar as mesmas 40 horas semanais - R$ 10.097 contra R$ 4.578. Professores universitários, por sua vez, ganham 21% a mais. Na iniciativa privada, aponta o professor e pesquisador Waldir José de Quadros, da Unicamp, leva-se 20 anos para se conseguir um salário de R$ 20 mil, e sem qualquer garantia de estabilidade. Mas se a pessoa passar num concurso para a Polícia Federal, Banco Central ou Judiciário, a depender da função, começa a carreira já com este salário. E ainda com a vantagem da estabilidade. É um Brasil à parte.
Dentro das próprias carreiras no Estado há distorções. Um advogado da União, por exemplo, recebe salário inicial de R$ 14.970 ou 368% a mais que os R$ 3.200 do médico em inicio de carreira na área pública. A discrepância também é enorme com relação ao professor auxiliar universitário (580%). Isso apesar de todo o discurso de governantes e políticos a favor da Educação e Saúde públicas.
A distância entre salários no mundo estatal e privado cresceu na Era Lula, cujos governos, principalmente o segundo, souberam retribuir a antiga aliança política de corporações sindicais do setor com o PT/CUT. Generosos reajustes conseguidos antes da campanha eleitoral de 2010, com reflexos até em orçamentos do próximo governo, também ajudaram a pavimentar a vitória de Dilma Rousseff.
A presidente, pelo que tem dito, gostaria de uma máquina pública mais eficiente - ou menos deficiente. Mas teria de cobrar resultado de categorias culturalmente despreocupadas com a meritocracia e o profissionalismo. Tanto que se prevê uma onda de greves de servidores federais.
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