Fernando Dantas -O Estado de S.Paulo
Cada Estado ou município tem dezenas de carreiras, com regras próprias
Quase que permanentemente com a corda fiscal no pescoço, os governos da União e dos Estados e municípios no Brasil têm muito pouco tempo e capacidade de pensar sobre como melhorar o funcionamento do Estado e a qualidade dos serviços públicos.
O País está às voltas com um desequilíbrio fiscal estrutural que compromete o processo de desenvolvimento econômico, e é natural que a prioridade máxima seja cortar gastos.
Ainda assim, o próprio crescimento não prescinde de um setor público forte e eficiente, capaz de fazer e coordenar investimentos em infraestrutura e prover serviços essenciais como educação, saúde e segurança.
A economista Ana Carla Abrão, colunista do Estado, ex-secretária da Fazenda, e hoje à frente da operação brasileira da consultoria internacional Oliver Wyman, montou um roteiro para simultaneamente melhorar a qualidade do Estado e obter significativas economias fiscais. Ela vem trabalhando no tema com Arminio Fraga e Carlos Ari Sundfeld, professor da FGV Direito SP. Ana Carla tem um roteiro.
Essa é uma agenda fundamental para combater a elevada desigualdade do Brasil, País onde a parcela majoritária da população, de origem mais pobre, depende totalmente dos serviços públicos (saúde, educação, programas sociais, segurança, etc.)
Ana Carla desenvolveu um conjunto de aproximadamente 20 ações, envolvendo principalmente regras administrativas, mas também algumas mudanças de leis, por meio do qual os governos nos diversos níveis da federação brasileira podem dar um salto de qualidade ao mesmo tempo em que obtêm uma economia média de 30% nas despesas de pessoal (ativo) ao longo de quatro anos.
Segundo a economista, o grande entrave à melhora do Estado não é a estabilidade dos servidores prevista na Constituição (que tem alguma flexibilidade). O nó maior, para ela, reside no “arcabouço infraconstitucional que transformou a estabilidade em blindagem e garante uma série de privilégios que vão contra o interesse público”.
Ela aponta dois pontos fundamentais a serem atacados numa reforma do Estado: a promoção e progressão por tempo de carreira, que tiram servidores das atividades-fim para inchar a máquina pública (policiais que saem das ruas para os gabinetes, por exemplo); e a avaliação de desempenho, que, além da necessidade de ser feita para valer (o que muitas vezes não ocorre nos casos em que já existe), deve estar ligada a “instrumentos de consequência”, resultando em promoções ou até em demissões.
As mudanças propostas por Ana Carla, no nível de cada governo, visam a dar racionalidade e alguma padronização às carreiras, enfrentando os dois problemas mencionados acima, e criando uma ligação mais forte entre o conceito de qualidade do Estado e a satisfação dos consumidores de serviços públicos.
A economista ressalta que a reforma do Estado não é contra o funcionalismo: “Acima de tudo o objetivo é valorizar o servidor desmotivado e insatisfeito”, diz Ana Carla.
O tema da reforma do Estado, entretanto, ainda não parece ter entrado com força no radar dos candidatos à Presidência da República. A polarização típica da discussão política brasileira tende a se dar entre o polo que defende de forma corporativa os privilégios do funcionalismo, como se fossem direitos sociais fundamentais, e uma visão liberal de Estado que pensa apenas em reduzir custos e, de certa forma (mesmo que indiretamente), demoniza o servidor.
Na realidade, o verdadeiro Estado forte é enxuto e ágil, em contraposição à fraqueza institucional de um setor público inchado, ineficiente e financeiramente frágil. E sem esse Estado verdadeiramente forte, não há capitalismo que funcione direito.
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