quinta-feira, 14 de junho de 2018

Os jovens e o futuro da nação

Fernando Abrucio - Eu &Fim de Semana / Valor Econômico

Ao longo do século XX foi dito, em prosa e verso, que o Brasil seria o país do futuro. Passaram-se os anos e embora tenha havido melhorias, sobretudo a partir da Constituição de 1988, estamos agora mais pessimistas quanto à realização dessa profecia. O que virá pela frente dependerá muito dos jovens de hoje. E a situação atual deles aponta para vários temores quanto ao sucesso desse projeto. Mas também há algumas esperanças e potencialidades que precisam ser alimentadas e fortalecidas desde já.

O pessimismo atual não pode apagar o fato de que o Brasil melhorou bastante após a redemocratização, em especial no campo dos indicadores sociais. Claro que essa melhoria, em certa medida, relaciona-se com o atraso anterior. Embora tenhamos tido no século XX vários ciclos de crescimento econômico, grandes transformações estruturais (como urbanização e industrialização) e certa mobilidade social, o nosso relógio das mudanças sempre andou devagar para os mais pobres, que constituem a maioria da população. Em 1980, 40% das crianças de 7 a 14 anos estavam fora da escola. Nesse mesmo ano, a mortalidade infantil era de escandalosos 69,1 mortes por cada mil crianças nascidas!

Esse quadro passou por algumas mudanças com a implementação da ideia de cidadania preconizada pela Constituição de 1988, por meio de políticas criadas por governos tucanos e petistas. Para ficar nos dois exemplos apontados anteriormente, praticamente universalizamos o acesso no ensino fundamental e atualmente temos uma mortalidade infantil mais próxima de 13 mortes para cada mil crianças nascidas. Houve avanços em muitas outras áreas, como na acessibilidade de água e energia elétrica ou no aumento do número de pessoas que chegam à universidade, com acréscimo substantivo no percentual de negros a partir da política de cotas. A juventude também tem uma liberdade agora que nunca teve no passado. Afinal, a ditadura militar torturou e matou fundamentalmente jovens, calou quem estava começando a vida adulta por meio da censura - e tudo isso não deveria ser esquecido, pois foi uma forma de matar o futuro.

Sem ignorar os avanços, deve-se admitir que, observando a realidade atual, a promessa de melhora era muito maior. Isso pode ser constatado, em primeiro lugar, pela esperança depositada na redemocratização. Pegue-se uma das grandes manifestações culturais da década de 1980, o rock brasileiro. Eram produzidas músicas com muita crítica social, mas que continham a crença na mudança. Desse estado de espírito surgiu a juventude que, por exemplo, tomou as ruas em defesa do impeachment de Collor. Ocorreram desilusões nos últimos anos, e esse sonho transformador dos mais jovens é menor hoje.

A esperança era grande também por conta da "Constituição cidadã", tal como fora definida por Ulysses Guimarães. Houve melhorias advindas dela, como dito antes, mas há um longo caminho a percorrer para se alcançar os direitos individuais e coletivos propugnados pela ordem constitucional. Os mais pobres, esse mundaréu de gente, ainda não tem a mesma justiça, educação e saúde que tem o andar de cima. E quem está no meio da escala social ressente-se de estar cada vez mais longe do padrão de vida almejado e, principalmente, do sonho de que os filhos viverão melhor do que os pais.

Ser o país do futuro significava, no fundo, que um dia o Brasil seria um país desenvolvido. Se não existe a menor dúvida de que o Brasil melhorou nos últimos 30 anos em relação ao seu passado, não se pode negar que muitos dos nossos espelhos de prosperidade e outros emergentes, como a Coreia do Sul ou o Chile, distanciaram-se de nós. Em outras palavras, avançamos em relação ao lento trem que guiava nossa história, porém, o transporte para o futuro daqueles com os quais nos comparamos tem sido muito mais rápido.

A mudança dessa situação passará muitos pelos jovens de hoje. O problema é que há vários sinais de que as condições atuais dificultam vislumbrar um futuro melhor. Começando pela educação, sempre vista como semente principal da transformação de uma nação, o que se vê é uma estagnação no número de jovens que completam o ensino médio e chegam à universidade, e num patamar ainda bem distante da realidade dos países ricos e mesmo de parte de nossos vizinhos. Cerca de 40% dos jovens até 19 anos não completam sua formação de nível secundário. O pior é que a maior parte dos que não entram na estatística da evasão escolar está bem longe dos níveis de aprendizado adequado.

Mais alarmante ainda é o cenário da violência juvenil. De acordo com Atlas da Violência 2018, 33.590 jovens foram assassinados em 2016, um número 7,4% maior do que no ano anterior. E quem é essa juventude perdida? Basicamente, homens pobres e negros, vivendo nas capitais e áreas metropolitanas. Com isso, aprofunda-se a desigualdade no país, reproduzindo padrões derivados da escravidão à brasileira, e se mata a esperança de os grandes centros serem os motores da modernização do país.

Os políticos atuais, ademais, estão criando um grande problema para o futuro dos mais jovens: ao adiarem a reforma da Previdência, estão inviabilizando a vida dos que ainda não (ou mal) entraram no mercado de trabalho. Nós envelhecemos antes de ficarmos ricos, já disseram economistas, ao que agrego outra frase: gastamos no presente com os idosos de hoje (muitos não tão idosos assim) para não ter dinheiro para os idosos do futuro.

Pode-se dizer que a juventude não tem como ser responsável pelas condições materiais e institucionais que os adultos lhes legaram. Mas o problema começa a ficar mais preocupante quando certos comportamentos e valores sociais são abraçados por pessoas em idade juvenil. Nos últimos dois anos, proliferaram casos de racismo em universidades de ponta no país, incluindo a minha. Jovens brancos de classe média pedindo que os negros voltem para as senzalas ou jogando "bananas para macacos" é um passo para o fracasso civilizacional.

No fundo, as mudanças causadas pelas cotas e outras formas de mobilidade social aceleradas desde a década passada geraram um desconforto na elite brasileira. O mais triste é que sejam os jovens, sempre vistos como aqueles que têm a cabeça mais aberta, que manifestem esse conflito de uma forma tão bárbara. Desse modo, tão moderninhos no uso de suas tecnologias de comunicação, eles se comportam como os versos cantados por Cazuza no fim dos anos 80: "eu vejo o futuro repetir o passado, eu vejo um museu de grandes novidades".

É possível que esse comportamento esteja vinculado a uma minoria. Todavia, quando se olha para a última pesquisa feita pelo DataPoder 360 sobre a eleição presidencial, vê-se que o tamanho do problema não é tão pequeno assim. Cerca de um quinto dos jovens de 16 a 24 anos (mais precisamente, 19%), diz que vai votar em Bolsonaro, que lidera nessa faixa etária. Quem já viu os vídeos do candidato do PSL na internet observa claramente uma enorme participação juvenil nesses eventos.

Do ponto de vista democrático, jovens apoiarem candidatos conservadores não é um pecado em si. O perigo está no que representa o bolsonarismo, que não é uma direita como o Partido Conservador Inglês, nem como os gaullistas franceses e sequer se assemelha às alas históricas dos republicanos americanos. Bolsonaro diz que não houve tortura na ditadura militar. Ele já disse, em vídeo corrente na internet, que fecharia o Congresso caso fosse eleito. Quer mais? Falou que o presidente Fernando Henrique deveria ser fuzilado, que a deputada Maria do Rosário "não merecia ser estuprada", além de outros comentários contra negros e homossexuais. No fundo, Bolsonaro torna Trump um moderado.

Se levar adiante suas ideias num eventual governo, Bolsonaro poderá reduzir a liberdade dos brasileiros, incluindo a dos mais jovens. A ausência de conhecimento histórico sobre o que foi o lado sinistro da ditadura é o que produz essa posição perigosa de parcela importante da juventude. Por isso, sempre é bom repisar um velho adágio dos historiadores: só produz um futuro melhor a nação que conhece o seu passado.

Ainda bem que nem tudo é espinho. Muitos jovens estão atuando para mudar o país em relação ao nosso passado atrasado, autoritário, excludente e patrimonialista. O empreendedorismo social, extremamente criativo, cresce para ajudar a enfrentar nossas mazelas sociais. A juventude da periferia se organiza em múltiplos movimentos e jovens de classe média e alta criam organizações para repensar a política brasileira. Não há unanimidade aí. Mas há uma cultura comum contra o legado histórico brasileiro que perpassa os coletivos identitários, os grupos juvenis que querem levar a gestão e as evidências científicas ao Estado brasileiro, novas visões de esquerda e o interessante ideário dos membros liberais do Livres. Aqui está um lado distinto do bolsonarismo e afins, de jovens compromissados com a democracia.

Não sei qual tipo de juventude vai predominar, quem será o portador do futuro da nação. Mas sei que o sucesso da democracia brasileira passa pela disputa entre essas duas visões de mundo. E que só vencendo a desigualdade teremos algo a comemorar daqui a 30 anos.
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Fernando Abrucio, doutor em ciência política pela USP e chefe do Departamento de Administração Pública da FGV-SP


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