Ricardo Rangel O Globo
No Brasil, quando uma experiência dá errado, é repetida até dar certo. Apesar disso, aos trancos e barrancos o Brasil avança
A polícia invadiu a Maré com blindados e helicópteros para cumprir 22 mandados de prisão. No fim do dia, nenhum mandado havia sido cumprido, mas jaziam no chão sete corpos sem vida, incluindo o de Marcos Vinícius, de 14 anos, vitimado em seu uniforme de escola por tiros disparados de um blindado.
A principal promessa da intervenção era a depuração da polícia e uma mudança em seus métodos, substituindo o confronto pela inteligência. Passados quatro meses (três do assassinato ainda não resolvido de Marielle), não se vê traço de inteligência, e a polícia continua idêntica. O que mudou foram os helicópteros, que agora cospem fogo.
Dois dias após o incidente na Maré, Jair Bolsonaro prometeu retirar o país da Comissão de Direitos Humanos da ONU, que “não serve para absolutamente nada”. E, de novo, elogiou o coronel-torturador Brilhante Ustra, com o argumento de que “guerra é guerra”. O Brasil insensível anda de mãos dadas com o Brasil brutal: Bolsonaro é o favorito para o posto de presidente da República.
O capitão desconhece a Convenção de Genebra, o código internacional que regula a guerra — e do qual o Brasil é signatário —, que proíbe maus-tratos a prisioneiros desde 1864. Parece não haver “absolutamente nada” que Bolsonaro não desconheça.
Diz-se que fazer a mesma coisa repetidas vezes esperando diferentes resultados é a definição de insanidade. Simonsen, conhecedor da insanidade brasileira, dizia que, aqui, quando uma experiência dá errado, ela é repetida até dar certo. Talvez daí a insistência numa “guerra às drogas” que dá sempre o mesmo resultado.
A defesa de Lula, que não desiste de tentar a mesma coisa, pediu novamente sua libertação — felizmente, o resultado foi o mesmo.
Nossos parlamentares, que também tentam até dar certo, organizaram, na calada da noite, uma CPI para investigar a Lava-Jato. Ninguém quer investigar nada, claro: é mais uma tentativa de intimidar os procuradores e juízes para que parem a operação. Denunciados, mais de 50 deputados retiraram seus nomes, e a CPI tende a se inviabilizar. Entre os signatários, há gente do PSOL ao DEM, prova de que o Brasil não se divide entre direita e esquerda, mas entre avanço e atraso.
A cada dia, um novo esforço a favor do atraso faz parecer que não há chance de o Brasil se tornar um país decente (62% de nossos jovens querem sair daqui), no entanto, é preciso pôr as coisas em perspectiva. O descalabro na Segurança permanece, mas demos um passo na direção certa com a criação do Sistema Único de Segurança Pública. A prisão em segunda instância é uma realidade. O foro privilegiado foi reduzido.
A tentativa de melar a Lava-Jato ocorre porque a operação, que condenou 160 pessoas, funciona, e, pela primeira vez, criminosos ricos estão indo para a cadeia. O movimento para libertar Lula ocorre porque, bem, ele está preso. “A esperança dança na corda bamba de sombrinha”, como cantava Elis em outros tempos, também difíceis: aos trancos e barrancos, o Brasil avança.
Termino este artigo com uma nota esperançosa porque acho, mesmo, que “o Brasil tem jeito”, e porque preciso fazer uma pausa na coluna para me dedicar a um projeto que exige muito otimismo. Foi um enorme prazer estar com vocês nestes 18 meses, e uma hora eu volto.
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