sábado, 2 de julho de 2011

Como dantes?


MIRIAM LEITÃO
O GLOBO

No dia 6 de junho de 1976, o grupo Pão de Açúcar comprou a Eletroradiobraz. Foi financiado com dinheiro público. O Ministério da Fazenda deu uma ordem ao Banco Central, que emitiu dinheiro do "suprimento especial". Tudo foi concretizado dentro do BNDE. Não havia o S ainda. A diferença é que agora muita gente fica indignada. Naquela época era normal.

Foi da forma descuidada dos anos 1970 que o Brasil produziu o descontrole de gasto que alimentou a inflação que nos consumiria nas décadas de 1980 e 1990. Foi com instrumentos como o "suprimento especial", ou outros canais pelos quais se gastava sem controle no Brasil, antes que os orçamentos fossem unificados e a Lei de Responsabilidade Fiscal, aprovada.

Em 1976, achava-se normal o governo financiar uma troca de donos de empresa de varejo. A Eletroradiobraz, que havia nascido nos anos 40, era a rival do grupo Pão de Açúcar na implantação do conceito de supermercados. A empresa dos Diniz usava a expressão Jumbo para as suas grandes lojas. A Eletro passou a usar o nome de Baleia para as suas. Naquele ano a baleia encalhou e a concorrente comprou, mas financiada pelo governo. A capa da revista Exame daquela época tem a foto do empresário vencedor naquela operação. Adivinhou. Era já Abilio Diniz.

O Brasil mudou muito desde então, por mais que às vezes pareça em pleno regresso aos velhos ideais que nos levaram a um País estatizado e com inflação descontrolada. Hoje o Banco Central não pode mais emitir através de uma ordem de "suprimento especial". Mas o Tesouro acaba de ser autorizado a se endividar em mais R$ 55 bilhões para pôr no BNDES. O Banco já recebeu outros R$ 230 bilhões.

No ano de 1976 o País estava em pleno delírio de crescimento financiado e controlado pelo Estado. Havia muitos balcões pelos quais o dinheiro público corria para as mãos de empresários que estavam sendo escolhidos para serem os campeões nos diversos setores. Agora, de novo, o BNDES decidiu que cabe a ele escolher os campeões. Só no setor de frigoríficos já colocou R$ 16 bilhões em empréstimos ou participações acionárias. Com R$ 10 bilhões financiou a compra da Brasil Telecom pela Telemar.

Gastou bilhões salvando a Aracruz e a Votorantim numa operação em que as duas se fundiram para se recuperarem da especulação que fizeram no mercado de derivativos cambiais. Outros bilhões foram para salvar a Sadia, que foi comprada pela Perdigão. Isso é para citar algumas operações.

O BNDES tem um braço que é para atuar no mercado de capitais e é natural que compre e venda ações. O problema é quando ele faz isso apenas porque algum brilhante estrategista considerou que, se algumas empresas ficarem bem grandes, o Brasil será forte e ganhará a competição internacional. Pior ainda é quando ele faz isso para salvar uma empresa da sua própria incompetência em operação-hospital. Para a ministra Gleisi Hoffmann, como o BNDESpar compra e vende ações o dinheiro não é público.

O banco se financia com dívida pública e pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Tem também o retorno de empréstimos e de operações de mercado de capitais, mas a origem da sua capitalização é de fundos públicos e dívida pública, portanto, evidentemente, é dinheiro seu, nosso e da ministra.

Houve um tempo no Brasil em que havia a ideia de que dinheiro público era sem dono. Hoje já se sabe que ele é resultado de impostos ou dívida feita em nosso nome. É mais difícil gastar de forma ilimitada, porque há leis, controles, prestações de contas, metas de inflação, Lei de Responsabilidade Fiscal. Mesmo assim o governo gasta demais. Ontem o Banco Central informou que só em maio o déficit fiscal do governo foi de R$ 14,7 bilhões. Mesmo num excelente momento da economia o governo fecha no vermelho mês após mês. No ano o buraco já foi de R$ 35 bilhões.

Há quem inverta a equação e considere que se o governo baixar os juros o déficit vai sumir. O Tesouro paga uma enormidade de juros, de fato. Até maio foram redondos R$ 100 bilhões. O governo paga à taxa de 12,25% e o BNDES cobra dos seus devedores 6%. Essa é uma parte do problema: o crédito é direcionado a clientes especiais. Com ele o governo gasta porque paga aos seus credores mais do que recebe dos devedores. Além disso essa fatia do crédito não responde à política monetária; isso obriga o BC a subir ainda mais os juros quando quer que sua ação tenha efeito monetário.

O melhor caminho é reduzir o gasto público, ter a meta de chegar ao déficit zero, para que os juros possam cair. Dessa forma o custo do crédito subsidiado diminuirá. Além disso é preciso ser seletivo com dinheiro subsidiado.

O Brasil tem visitado o passado em inúmeras operações. Quer ser sócio de uma empresa de supermercado numa operação que favorecerá Abilio Diniz & outros, da mesma forma como em 1976 ajudou-o na compra da Eletroradiobraz. Naquela época, o argumento era que a empresa, se não fosse comprada, quebraria. Agora, a ameaça seria que o Casino compraria o Pão de Açúcar, então melhor que ele vire parte do Carrefour.

Se em vários pontos tudo parece como dantes, qual é a diferença? O Brasil mudou. Hoje o País reage ao que antes achava normal; ainda que o governo repita tanto os erros velhos. Hoje o País passou pelo tormento inflacionário e sabe o que gasto público tem a ver com inflação. Neste dia 1º de julho de 2011, décimo sétimo aniversário do Plano Real, é um bom momento de lembrar que não estamos em 1976. Naquele ano, a inflação foi de 42%. Nos anos seguintes, continuou a escalada.

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