O especialista desnuda um grave problema na formação e na capacitação de nossa mão-de-obra especializada, relembrando que a atual cadeia logística está próximo ao ponto de gargalo por falta de especialistas e técnicos em seus quadros e que, sem a melhoria da eficiência nesse setor, não conseguimos avançar mais do que 4% de aumento do PIB.
Como sempre, um tema muito complexo que requer acompanhamento da sociedade.
O exterminador do futuro
João Batista Araujo e Oliveira
Valor Econômico
O ensino médio está em busca de solução. Seu formato atual não é aderente à realidade do país e do mercado de trabalho. Os jovens encontram-se desestimulados e sem opção, e o mercado, desatendido. O ministério da Educação (MEC) e o Conselho Nacional de Educação (CNE) falharam na concepção da política de Ensino Médio. E o setor produtivo, que poderia se articular para propor políticas alternativas, não tem enfrentado o desafio à altura das necessidades. Nas nações desenvolvidas a educação acadêmica e a profissional servem à variedade de condições e interesses dos alunos e da economia, e não às ideologias, burocracias e corporações.A gravidade da situação pode ser percebida pela análise das respostas do mercado de trabalho à questão. Hoje, no Brasil, ganha 1,7 salários mínimos quem completou o Ensino Fundamental e 2,2 os formados no Ensino Médio. Os que não concluíram essa segunda etapa ganham menos do que aqueles que terminaram apenas o Fundamental.
O Ensino Médio produz ganhos superiores ao Fundamental em 30%, o que corresponde a cerca de R$ 120 mil ao longo da vida. Já o ciclo Superior eleva esse percentual para 300%, em relação ao Ensino Médio, o que significa aproximadamente R$ 1 milhão. Para quem completa o ensino médio técnico, os ganhos são muito maiores do que para quem concluiu apenas o ensino acadêmico. O mercado, em síntese, premia quem faz o médio técnico e pune quem não completa o ciclo acadêmico ou quem fica parado nesse patamar, sem seguir para a universidade.
O quadro abaixo mostra a distribuição das oportunidades oferecidas pelo mercado de trabalho e sua evolução entre 1990 e 2009. Os empregos que exigem curso fundamental ou menos representam 60% das vagas disponíveis, bem abaixo do patamar de 1990. Já os empregos de nível médio aumentaram 6,6 milhões, 70% desses em áreas técnicas. Também aumentou a proporção de empregos que exigem nível superior e especialmente o número de gestores e supervisores.
Nos EUA, primeira economia do mundo, cerca de 50% dos postos de trabalho eram ocupados, em 2009, por pessoas formadas no nível médio. Observa-se o fenômeno de grande concentração de oportunidades nas camadas inferiores de qualificação e nas áreas técnicas, de vendas e de gestão. Mas lá, como cá, os empregos não são apenas para graduados de universidade. Muito pelo contrário.
As vagas na 1ª série do ensino médio são superiores ao número de egressos do fundamental. Mais de 40% são oferecidas no turno da noite e mais da metade dos alunos tem acima de 18 anos. Apenas 10% são cursos voltados para o mercado de trabalho. A evasão entre o início e término do ensino médio é superior a 40%. O desempenho dos alunos da escola pública é pífio. Ou seja: essa faixa de ensino não mira os jovens de 15 a 17 anos e nem está adequada às necessidades reais dos alunos ou do mercado.
O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e o currículo do ensino médio a ele atrelado e amarrado por exigências curriculares de caráter corporativista - em nome de um indefinido conceito de "educação geral" - estimulam a ideia de que fora da universidade não há salvação. Os Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFETs) possuem doutores em todas as áreas, mas nada de mestres e contramestres.
As propostas mais recentes do MEC e do CNE incluem o aumento do tempo de conclusão do ensino médio noturno, o que fatalmente ampliará a deserção, e a ideia de cursar simultaneamente o curso acadêmico e outro técnico. Isso é um flagrante desrespeito a ambas modalidades. Ainda assim os cursos profissionais continuam atrelados à exigência da conclusão do ensino médio ou do Educação para Jovens e Adultos (EJA).
A experiência do resto do mundo - como quase tudo que fazemos em educação - aponta noutra direção. Em todo o mundo o ensino médio é diversificado, Na Europa, entre 30 e 70% dos alunos frequentam cursos médios voltados para o mercado de trabalho, e isso inclui aprendizagem, cursos médios técnicos e mais gerais.
Vários países possuem regras de equivalência que permitem o acesso ao ensino superior. Nos Estados Unidos, proliferam os cursos médios das Career Academies e outras modalidades de currículos voltados para áreas de interesse mais gerais ou mais específicas, associados a um grupo de ocupações.
A Coreia está corrigindo seu erro do passado recente e reduzindo seus cursos superiores, enquanto aumenta a oferta de cursos médios voltados para o mundo do trabalho. Em nenhum desses países existe nada parecido com o melífluo conceito de educação geral.
O impasse do ensino médio não pode continuar. O MEC e o CNE tornaram-se cativos da ideologia da educação geral e dos preconceitos contra o trabalho, das burocracias que acolhem e fomentam essas ideologias e dos grupos corporativos que insistem nas suas reservas de caça - as disciplinas obrigatórias.
Nem o vigoroso sistema S parece disposto a se contrapor a essas tendências, apesar do descontentamento do setor empresarial, da inflação salarial e da perda visível de competitividade. Daí não há mais o que se esperar. O ensino médio está em busca de quem o assuma. Quem se candidata a carregar essa bandeira?
João Batista Araujo e Oliveira é presidente do Instituto Alfa e Beto
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