José Roberto de Toledo
O Estado de S. Paulo
O mundo nunca foi tão adolescente. A cada quatro terráqueos, um tem entre 10 e 24 anos. São 1,8 bilhão de pessoas nessa idade especial. Mas desde quando um marmanjo de 24 anos é adolescente? Num passado recente não era, mas passou a ser – ou melhor, não deixou de ser. E isso pode virar um problema. Segundo a revista científica The Lancet, a adolescência vem espichando a cada geração, nas duas pontas: a puberdade chega mais cedo, e a maturação do papel social dos jovens ocorre cada vez mais tarde. Basta observar como tem avançado a idade média dos jovens ao terminar os estudos, com que conseguem seu primeiro emprego fixo, quando se casam, e com que as mulheres se tornam mães. Todos esses marcos do fim da adolescência foram adiados nas últimas gerações. As repercussões sociais dessa mudança são maiores do que nos damos conta. Daí o dossiê da The Lancet.
A palavra “adolescente” deriva do latim “adolescere”, que significa “crescer”, “desenvolver-se”. Adolescente é quem está crescendo, e adulto, quem já cresceu, já se desenvolveu. Mas o crescimento não se mede pelo número do sapato nem pelo comprimento da barra da calça ou da saia. É uma questão de amadurecimento, de andar com as próprias pernas sem a muleta dos pais.
A adolescência começa quando os hormônios da puberdade mudam a fisiologia e a fisionomia das crianças. É uma revolução que transforma todo o corpo, com repercussões do comportamento à capacidade cognitiva do cérebro. Jovens púberes, por exemplo, tendem a questionar regras, buscar novas experiências e tomar atitudes de risco com mais frequência que os impúberes. O coquetel hormonal em ebulição tem impactos diretos sobre a mortalidade. O gosto por arriscar-se faz com que os adolescentes estejam entre as principais vítimas das mortes violentas. Se a adolescência se prolonga, a chance de sucumbir aos seus efeitos também. Nas últimas décadas, o mundo conseguiu reduzir drasticamente a morte na infância. Mas os avanços na redução da mortalidade de adolescentes foram bem menos impressionantes. O Brasil não é exceção.
De 1996 a 2010, as mortes de crianças brasileiras com menos de 5 anos caíram praticamente à metade, de 88 mil para 47 mil por ano. A taxa de mortalidade por 100 mil habitantes dessa faixa etária regrediu quase na mesma proporção. Já as mortes e a mortalidade de adolescentes de 10 a 24 anos permaneceram estáveis. Em 2008, pela primeira vez na história do Brasil, morreram mais adolescentes do que crianças. E a tendência só se acentuou desde então. Nesses 15 anos, as mortes por causas naturais diminuíram, e as violentas, aumentaram. Morreram mais adolescentes brasileiros por tiro e acidentes de carro e moto, e menos por doenças infecciosas como aids, ou por problemas cardíacos. Foram e continuam sendo vítimas de causas de morte evitáveis, que podem ser amainadas por políticas públicas. Esse não é o único impacto sobre a longevidade. É na adolescência que se formam os hábitos alimentares que vão influenciar a saúde pelo resto da vida.
A adolescência tardia também tem consequências positivas, principalmente econômicas. A extensão do período sob o mesmo teto dos pais permite aos adolescentes
permanecer mais tempo na escola. Por isso as novas gerações têm potencial para formar a força de trabalho mais qualificada que o Brasil já teve, com impactos positivos sobre a produtividade e a renda. Mas, para esse potencial se concretizar, é preciso que haja oportunidades de emprego compatíveis com essa escola-
ridade mais alta. O ano de 2011 foi rico em exemplos de como a adolescência estendida tem impactos profundos sobre áreas improváveis, como a política.
Os levantes árabes foram impulsionados por essa população adolescente, gente tão jovem quanto os indignados espanhóis, os saqueadores de Londres e os ocupadores de Wall Street. Todos eles buscando seu lugar na sociedade e topando com obstáculos maiores do que seus pais para encontrá-lo. E en- quanto não encontram, sua adolescência é interminável.
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