Camila Schoti
Valor Econômico
O governo lançou, no âmbito do Plano Brasil Maior, um conjunto de ações que envolve incentivos tributários, creditícios e de compras governamentais com o objetivo de estimular investimentos públicos e privados e aumentar a competitividade brasileira. Com um custo da ordem de R$ 62 bilhões ao governo, o pacote agradou a indústria, mas ecoa entre os seus líderes a percepção de que ele não será suficiente, de que são necessários ajustes estruturais.
Um dos caminhos a seguir é a redução do custo da energia - tanto elétrica como gás natural -, uma medida sem efeitos colaterais, com impacto direto nas condições de competitividade da indústria e no crescimento econômico que, por meio da redução da indexação de preços administrados, pode contribuir com a missão do Banco Central de manter a inflação dentro da meta.
De modo geral, alguns economistas demandam políticas cambiais mais contundentes em favor da depreciação do real via política monetária mais flexível, mais focada no crescimento e menos atenta à inflação. Acadêmicos com viés ortodoxo, por sua vez, temem os efeitos colaterais ou as distorções que políticas dessa natureza possam causar na economia. Questionam, inclusive, a possibilidade de colocá-las em prática e sua eficácia, e alertam para os riscos de um fracasso do sistema de metas de inflação. Há ainda aqueles que recomendam a redução da carga tributária e investimentos em infraestrutura de uma maneira geral. Mas o momento exige pragmatismo e seriedade.
Eletricidade e gás natural podem representar mais de 50% dos custos de algumas indústrias
O mundo vive na expectativa de uma crise ainda maior na Europa e torce pela retomada da recuperação nos Estados Unidos. Em um cenário como esse, não dá para esperar que o governo reduza drasticamente sua receita tributária, que bancos privados diminuam significativamente sua margem de lucro ou que os governos das grandes economias em crise alterem suas políticas para poupar seus concorrentes, que sofrem com a avalanche de moeda lançada no mercado. Também não deveríamos aceitar correr riscos de intensos desequilíbrios macroeconômicos como tivemos num passado não muito distante.
Precisamos nos atentar aos low hanging fruits, os frutos que estão ao alcance das mãos para se criar um ambiente de competitividade sustentável e duradoura para a indústria, e um deles é a redução do custo da energia. Nem sempre os impactos de medidas desse tipo são tão significativos quanto uma enxurrada de crédito na economia, mas certamente seus riscos são infinitamente menores e seus custos sociais ou políticos são baixíssimos. De qualquer maneira, os efeitos podem ser expressivos, uma vez que a eletricidade e o gás natural podem representar mais de 50% dos custos de produção de algumas indústrias.
A simplicidade da redução desses custos se deve principalmente ao enorme potencial do país para gerar energia elétrica barata e produzir gás natural. Ainda assim, por conta de inúmeras distorções e ineficiências que se acumularam sobre a conta de energia elétrica, seus custos mais do que dobraram em termos reais nos últimos dez anos. Além disso, nosso gás natural custa cerca de três vezes mais que o norte-americano. Por lá, uma redução brusca nos preços do gás decorrente de um choque tecnológico na exploração está, inclusive, sendo fator indutor da retomada da indústria siderúrgica. Nós devemos estar fazendo alguma coisa errada!
Boa parte dos custos da energia elétrica decorre da introdução compulsória de encargos injustificados na conta. No gás natural, deficiências regulatórias permitem que um agente dominante exerça seu poder de mercado. A conclusão é direta: atuar nessas frentes não gerará desequilíbrios macroeconômicos, não prejudicará os agentes das cadeias de produção destas energias caso eles aumentem sua eficiência operacional (e há muito espaço para isso) e terá impactos significativos sobre o crescimento econômico, como demonstrou estudo da Fundação Getulio Vargas para o Projeto Energia Competitiva.
A redução dos custos da energia tem impacto particularmente relevante para um país cuja política monetária é pautada pelo sistema de metas para inflação. Os principais índices de preços brasileiros têm em sua composição preços associados aos gastos com energia. No Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que baliza as metas para inflação, o peso da energia é de quase 5%. Ao reduzir o custo do insumo, portanto, o governo tem o poder de contribuir diretamente nesse indicador sem "burlar o sistema".
Mais do que isso, ao reduzir os custos da energia, o governo contribui para diminuir o impacto do perverso processo de indexação de preços. Os preços do transporte e distribuição do gás natural, e da geração, transmissão e distribuição de energia elétrica são todos reajustados anualmente por índices de preços específicos. Ao adotar medidas que permitam reduzir os custos da energia, o governo pode reduzir os índices de preços que, no ano seguinte, alimentarão as tarifas de energia que, por sua vez, retroalimentarão estes mesmos índices com impacto menor.
Ou seja, ao reduzir o custo da energia para todos os consumidores, o governo tende a contribuir com o controle da inflação. E inflação menor significa mais espaço para que o Banco Central possa reduzir a taxa básica de juros sem riscos, o que também favorece a expansão dos investimentos produtivos. Os efeitos disso são claros, sem depender de expectativas de investidores, da condução da política econômica de grandes países ou grupos e de inúmeras outras variáveis sobre as quais temos pouco ou nenhum controle. A redução do custo da energia só depende de nós, gera efeitos altamente positivos e as medidas que tornam esse cenário possível imprimem pouco ou nenhum custo ou risco à sociedade brasileira.
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