terça-feira, 8 de maio de 2012

Perspectivas globais




Armando Castelar Pinheiro
Valor Econômico


Depois de um final de 2011 bastante conturbado pela preocupação com a solvência de bancos e governos na Europa, 2012 começou cheio de otimismo, com forte rally nos ativos de risco. Três fatores, em ordem crescente de importância, alimentaram esse sentimento de alívio e confiança.

Primeiro, a renegociação da dívida grega, com a assunção de significativas perdas "voluntárias" por credores privados. Ainda que esse calote provavelmente não tenha sido o último de que a Grécia precisará para colocar outra vez suas finanças em ordem, ele deu ao país, junto com o novo aporte de recursos pela União Europeia e o Fundo Monetário Internacional (FMI), um considerável fôlego, e não por outra razão esse virtualmente desapareceu do noticiário internacional desde então. Também ajudou que o mercado de derivativos de crédito tenha funcionado sem maiores sobressaltos, com os credores que não se "voluntariaram" a ser caloteados recebendo as devidas compensações. Como se sabe, a pressão de governos europeus para que essa reestruturação de dívida não fosse considerada um "evento de crédito", acionando os chamados CDSs, foi grande; se tivesse sido bem sucedida, poderia ter comprometido seriamente esse mercado.

Segundo, os sinais de que a economia americana está em um processo de recuperação, lenta, mas com alguma consistência. Os indicadores do mercado de trabalho, de atividade da indústria e da situação dos governos subnacionais também, a confiança do consumidor se recuperou parcialmente, e o setor imobiliário parece ter se estabilizado, ainda que em patamar bastante retraído. A economia também tem se beneficiado de uma política monetária mais expansionista do que a do outro lado do Atlântico Norte. Também não há sinal de que no curto ou médio prazo se vá reduzir o déficit público, ao contrário do que a Europa vem fazendo, e que ajudou a região a registrar um fraco desempenho tanto no último trimestre de 2011 como no primeiro deste ano.

É provável que continuemos a oscilar entre períodos de grande estresse e forte otimismo

O que mais tranquilizou o mercado, porém, foi o trilhão de euros em liquidez que o Banco Central Europeu (BCE) injetou nos bancos da área do euro, ao mesmo tempo eliminando seus problemas de financiamento - este ano há um elevado volume de dívida bancária a ser rolada - e dando a eles a oportunidade de lucrar regiamente, dado o baixo custo dos recursos disponibilizados pelo BCE. O que se viu, além disso, foi os bancos espanhóis e italianos usarem esses recursos para comprar grandes volumes de títulos soberanos, o que reduziu as taxas de juros incidentes sobre esses papéis, fortalecendo a percepção de que o problema de rolagem dessas dívidas fora superado.

O que devemos esperar daqui para frente? Em seu último Panorama Econômico Mundial, publicado há poucas semanas, o FMI traça um cenário de moderado otimismo: o crescimento global estaria em recuperação, mas em meio a um campo minado por diversos riscos. O fraco desempenho dos dois últimos trimestres vai pesar no resultado anual, mas é um efeito estatístico: a alta no PIB global deve ser de 3,5% em 2012, 0,5 ponto percentual a menos que em 2011, acelerando para 4,1% em 2013. Cada vez melhor, mas longe do dinamismo pré-crise.

A desaceleração este ano deve ser geral, afetando tanto os emergentes como os desenvolvidos, com a relevante exceção dos EUA. Para o FMI, o PIB da área do euro cai este ano e cresce menos de 1% em 2013, refletindo a contração fiscal e de crédito: em outro relatório, o FMI estima que os bancos europeus vão reduzir seus ativos em US$ 2,6 trilhões nos próximos dois anos; mesmo que parte dessa desalavancagem se dê fora da área do euro, esta deve sentir o maior impacto.

O FMI é cuidadoso em listar diversos riscos que cercam essas projeções, lembrando que no passado recente os cenários pessimistas foram mais consistentes com o que veio a acontecer do que as previsões medianas. De fato, alguns analistas já se preocupam que a atual estação seja marcada, como em 2010 e 2011, por uma deterioração do quadro global: há riscos políticos na Europa e nos EUA, onde novas eleições podem mudar as políticas atuais; riscos geopolíticos (um possível ataque ao Irã); e o receio de que os mercados financeiros voltem a se estressar com a situação dos bancos e das províncias na Espanha, ou que os investidores decidam em algum momento não mais financiar a tão baixo custo os elevados déficits e dívidas do Japão e dos EUA.

Por outro lado, o documento é econômico em discutir a provável volatilidade que deve continuar presente na economia mundial, dando a entender que, superados os riscos, a tendência é de lenta mas constante aceleração. Com um mundo vivendo um significativo processo de desalavancagem, com os bancos e os governos europeus com sérios problemas de solvência, é provável que continuemos a oscilar entre períodos de grande estresse e forte otimismo. Este virá da ação dos governos - em especial, injeções de liquidez pelos Bancos Centrais - enquanto aqueles retornarão quando a dura realidade dos ajustes fiscais e das crescentes dívidas soberanas se impuser.

Não será fácil navegar nesse mundo de ciclos curtos e crescimento moderado e desigual. Em especial, deve-se ficar atento para o risco de deterioração na qualidade da política econômica, do protecionismo às "soluções" heterodoxas.

Armando Castelar Pinheiro é coordenador de Economia Aplicada do IBRE/FGV e professor do IE/UFRJ.

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