EDITORIAL FOLHA DE SP
FOLHA DE SP
Órgãos federais, estaduais e municipais não se acham preparados para pôr em prática a inovadora Lei de Acesso à Informação
Em dez dias, entrará em vigor a Lei de Acesso à Informação, ferramenta decisiva para aumentar a transparência do Estado brasileiro.
Mais conhecida pelo debate sobre o fim do sigilo eterno de documentos, a nova legislação não se limita a essa questão. Ela fixa a publicidade como regra e faz do segredo uma exceção.
Qualquer pessoa poderá obter dados sobre a administração pública, sem apresentar justificativa. Mas, na prática, as boas intenções demorarão a sair do papel.
O maior empecilho surge da confluência de uma lei ambiciosa com um prazo exíguo para implantação.
Ao ser sancionada em novembro de 2011, a norma brasileira foi celebrada como uma das mais abrangentes e modernas entre as quase cem que hoje existem no mundo.
Sua pretensão não é pouca: os preceitos nela previstos aplicam-se aos três Poderes, nos três níveis da Federação, além de Ministério Público, estatais, autarquias e entidades privadas financiadas com recursos do contribuinte.
No que tange ao alcance, a iniciativa brasileira é inédita. Mas, talvez para compensar o atraso em sua promulgação -mais de uma dezena de países na América Latina já tem lei de acesso-, o legislador reduziu demais o tempo de adaptação. No Reino Unido, foram cinco anos de preparação. O Brasil se deu seis meses.
Nesse período curto, Executivo, Legislativo e Judiciário das três esferas administrativas deveriam ter definido regras próprias para aplicar a lei. E a cada órgão público competia criar um Serviço de Informações ao Cidadão (SIC).
Como era de prever, o tempo passou, e pouco mudou. O governo Dilma Rousseff tomou a dianteira, criando SICs e preparando servidores, mas não atingiu toda a estrutura do Executivo federal. E, na véspera da vigência, ainda finaliza a regulamentação específica para seus órgãos. Nos Estados e municípios, quase nada andou.
Nesse cenário, os entes públicos, em sua larga maioria, não iniciaram o longo e custoso trabalho de localizar, catalogar e disponibilizar dados que já existem, nem passaram a arquivar adequadamente as novas informações produzidas.
De pouco adianta assegurar juridicamente a transparência se o cidadão não conseguir, no mundo real, obter os documentos oficiais que procura. É crucial, assim, treinar os servidores, pois não será fácil combater a mentalidade patrimonial com que muitos deles hoje reagem quando confrontados com esse tipo de solicitação.
É aos poucos, pois, que a administração se tornará mais transparente, com ganhos de gestão inclusive para a iniciativa privada. Empresários, por exemplo, poderão tomar decisões mais bem informadas sobre planos governamentais.
Do ponto de vista das investigações de interesse público realizadas pela imprensa, os benefícios serão palpáveis.
Em 2009, esta Folha teve de recorrer ao Judiciário a fim de examinar notas fiscais que revelaram o uso de empresas-fantasmas para justificar gastos de deputados federais. Há dois dias, recebeu decisão favorável, de primeira instância, a seu pedido de informações sobre critérios que regem as condições de empréstimos feitos pelo BNDES a empresas.
Com a nova lei, o acesso a esse tipo de documento será automático -pelo menos em tese.
O segredo ficará resguardado para algumas exceções compreensíveis, como sigilo fiscal, bancário e industrial. Sob esse aspecto, é razoável que estatais que atuam de forma competitiva no mercado possam preservar alguns dados, mas por poucos anos (e financiamentos subsidiados com dinheiro público não deveriam ser incluídos entre as exceções aceitáveis).
Também estarão protegidos documentos imprescindíveis à segurança da sociedade ou do Estado -nestes casos, por no máximo dois períodos de 25 anos. Fica, assim, devidamente sepultado o indefensável sigilo eterno.
Não há garantia de que desapareça, contudo, a necessidade de intervenção judicial para ganhar acesso a informações de interesse público. Diferentemente do que se consagrou na prática internacional, a lei brasileira não prevê um órgão independente para recursos contra sonegação de informações. Tal papel caberá à Controladoria-Geral da União (CGU), órgão ligado diretamente à Presidência.
Os desafios ainda são muitos. Será lastimável se uma norma auspiciosa como a Lei de Acesso à Informação já nascer como letra morta.
O projeto foi detalhado na Casa Civil, quando Dilma era a ministra, e na Câmara dos Deputados. Para deixar a transparência como um legado seu, a presidente precisará usar o peso do cargo para dar vida à nova legislação.
Um bom teste será incluir no decreto regulamentador -e fazer cumprir- a obrigação de todo órgão público divulgar os salários dos servidores. Aí, sim, será possível dizer que a lei veio para ficar.
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