terça-feira, 8 de maio de 2012

Um sinal preocupante nas nacionalizações forçadas




Valor Econômico


Poucos meses após eleger-se o primeiro presidente de ascendência indígena da Bolívia, Evo Morales era acusado de descumprir a promessa eleitoral de que atenderia às reivindicações sindicais para aumento do salário mínimo. Sob essas críticas, antes de seu primeiro discurso pelo dia 1º de maio, Morales rompeu as expectativas ao anunciar a privatização do setor de gás e petróleo, acompanhada de envio de tropas militares a refinarias que pertenciam à Petrobras. Neste 1º de maio de 2012, a história se repete, desta vez com uma distribuidora de energia espanhola.

Como em 2006, Morales se via ameaçado de passeatas em todo o país por descontentamento com o aumento prometido ao salário mínimo; e aproveitou seu discurso do Dia do Trabalho para anunciar, em tom triunfalista, a desapropriação da empresa TDE. O aumento de 22,6% no salário mínimo, também anunciado neste ano, não evitou marchas da Central Operária Boliviana nas ruas de La Paz, engrossadas por manifestantes indígenas contra a estrada que Morales quer construir atravessando um parque nacional.

Nem sequer houve gosto de novidade: em 2010, também em 1º de maio, Morales privatizou quatro geradoras elétricas. A reação da Espanha, país da empresa afetada pela estatização deste ano, a Red Eléctrica Española (REE), foi semelhante à do Brasil de 2006, frente à desapropriação de ativos da Petrobras: declarações contrariadas a respeito da decisão do governo de Morales, expectativas por uma indenização justa e previsões de redução de investimentos na Bolívia, em prejuízo dos interesses dos bolivianos.

Assim como as refinarias da Petrobras na Bolívia eram irrelevantes para o resultado da empresa em 2006, a TDE, parte do braço internacional da desapropriada REE, representa apenas 1,5% dos resultados da espanhola, que admite ter investido, nos últimos dez anos, apenas US$ 60 milhões na manutenção e expansão da rede boliviana. Ao estatizar a empresa, responsável por 73% das linhas de transmissão na Bolívia, atendendo a 85% do mercado nacional, Evo Morales argumentou que a TDE havia investido insuficientes US$ 81 milhões nos últimos 16 anos.

O pretexto da falta de investimentos para estatizar uma empresa foi o mesmo usado semanas antes pela Argentina, para a estatização da parcela da espanhola Repsol na petroleira argentina YPF; mas embora o governo espanhol tenha participação na REE, um dirigente do partido governista, o PP, Carlos Floriano, foi a público para marcar as diferenças entre as duas operações. Argumentou que enquanto Morales desestatizou a empresa prometendo pagar o que uma avaliadora independente determinar, o governo de Cristina Kirchner desapropriou, preservando a propriedade privada de empresários locais, apenas as ações da espanhola Repsol, com indenizações cujo valor será determinado pela própria Argentina.

Não é um comentário vazio a previsão de que essas estatizações espetaculares prejudicam a população em nome da qual agem os governos populistas. A Bolívia, nos cinco anos seguintes à nacionalização, viu as empresas petrolíferas estrangeiras investirem apenas o suficiente para a manutenção de seus ativos no país, enquanto enfrentava dificuldade em fazer deslanchar a novamente estatizada YPF, logo imersa em acusações de corrupção e disputa política.

Entre 2006 e 2010, as companhias investiram pouco mais de US$ 1,2 bilhão, que aumentou em apenas 4,3% a produção de gás natural. Nesse período, lembra a oposição boliviana, a produção no vizinho Peru quase quadruplicou, com investimentos mensais equivalentes ao que se investiu a cada ano, em média, na Bolívia.

Espera-se um aumento na produção do gás boliviano, com investimentos recentes, no país, da Petrobras e da Repsol, que, basicamente, acompanharam investimento maior da sócia estatal, após anos de problemas de abastecimento, piorados com a manipulação dos preços internos de combustível. Com gestos diplomáticos e muita cautela no terreno real dos investimentos, o Brasil tem conseguido preservar os interesses do país na vizinhança entusiasmada com o poder da caneta presidencial na realização de sonhos nacionalistas. É, porém, um sinal preocupante, merecedor de atenção, a disseminação do argumento de que nacionalizações forçadas são a melhor forma de lidar com investimentos considerados "insuficientes" nos parceiros da América do Sul.
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