terça-feira, 3 de julho de 2012

O Prazer e a Felicidade


 ARNALDO JABOR
O Estado de S.Paulo 


Eu escrevia um artigo sobre a felicidade como obrigação do mercado, quando li o texto de Contardo Calligaris na Folha, que citava uma pesquisa sobre o tema, chamada "Procurar a felicidade pode fazer as pessoas felizes?".

Diz um trecho da pesquisa: "Espera-se que aqueles que buscam a felicidade alcancem resultados benéficos. Não necessariamente (diz a pesquisa) porque quanto mais valorizam a felicidade, mais poderão se decepcionar."

Eu penso: que felicidade? A de ontem ou a de hoje?

Antigamente, a felicidade era uma missão a ser cumprida, a conquista de algo maior que nos coroasse de louros; a felicidade demandava "sacrifícios".

Hoje, o mercado demanda uma felicidade dinâmica e incessante, como uma "fast-food" da alma. O mundo veloz da internet, do celular, do mercado financeiro nos obriga a uma gincana contra a morte ou velhice. Ser deprimido não é mais "comercial". É impossível ser feliz como nos anúncios de margarina, é impossível ser sexy como nos comerciais de cerveja.

A felicidade hoje é "não" ver. Felicidade é uma lista de negações. Não ter câncer, não ler jornal, não olhar os mendigos na rua, não ter coração. A felicidade é ter bom funcionamento. Há décadas, McLuhan falou que os meios de comunicação são extensões de nossos braços, olhos e ouvidos. Hoje, nós é que somos extensões das coisas. Fulano é a extensão de um banco, sicrano comporta-se como um celular, beltrana rebola feito um liquidificador.

Felicidade é ser desejado, é entrar num circuito comercial de sorrisos e festas e virar um objeto de consumo.

Sem a promessa de eternidade, tudo vira uma aventura. Em vez da felicidade, temos o gozo rápido do sexo em vez do longo sofrimento gozoso do amor.

O amor hoje é o cultivo da "intensidade" contra a "eternidade". Aí, a dor vem como prazer, a saudade como excitação, o instante como eterno.

Por isso, perdemos esperanças de plenitude e celebramos sonhos efêmeros. Bem - dirão vocês - resta-nos o amor... Mas, onde anda hoje em dia, esta pulsão chamada "amor"? O amor não tem mais porto, não tem onde ancorar, não tem mais a família nuclear para se abrigar. O amor ficou pelas ruas, em busca de objeto, esfarrapado, sem rumo. Não temos mais músicas românticas, nem "olhos de ressaca", nem o formicida com guaraná. É o fim do "happy end". Mas, mesmo assim, continuamos ansiando por uma felicidade impalpável.

Por isso, em vez da felicidade, cresce o império do prazer.

Mas o prazer pode nos dar culpa e a culpa pode dar prazer. Os masoquistas sabem disso: todo prazer será castigado. O prazer deixa muito a desejar, o prazer nos deixa insatisfeitos porque acaba logo. O prazer sempre demanda mais prazer, orgias mais perversas, drogas mais alucinantes. O prazer não quer ter fim. A felicidade é analógica e o prazer digital. A felicidade ficou chata, tem de ser administrada, e é feita também de sofrimentos e dúvidas. O prazer não; pega, mata e come. As caras das revistas ostentam uma gargalhada eterna. O prazer quer botar o mundo para dentro, sugar, comer a vida como um pudim, pela boca, por todos os buracos. Prazer é "cool". Felicidade é careta.

Mas o prazer (infelizmente) precisa da proibição. Antigamente, tínhamos pecados perfumando os prazeres, mas hoje ficou tudo no instante pleno, principalmente no sexo, para substituir frustrações políticas e sociais.

Nosso prazer anda muito exclusivista; o chamado "outro" não passa de um pretexto para nosso narcisismo masturbatório.

Aliás, o vício solitário é bem seguro. A punheta é onisciente e gira em todas as direções, é um caleidoscópio de mulheres ou de homens. Não me refiro à mera "coça na miúda", nem no "estrangulamento do pele-vermelha", mas à masturbação na alma, ao narcisismo de seres perdidos num deserto de possibilidades sem-fim. Em meio a tanta liberdade, nunca fomos tão solitários. A masturbação existe até no grande amor romântico, onde os dois narcisismos se beijam, se arranham, mas não se comunicam. Cada vez mais o parcial, o fortuito é gozoso. Só o parcial nos excita. Temos de parar de sofrer por uma plenitude que nunca alcançamos.

Não há mais "todo"; só partes. Não se chega a lugar nenhum porque não há onde chegar. A felicidade não é sair do mundo, como privilegiados seres, como estrelas de cinema, mas é entrar em contato com a falta de sentido de tudo. Usamos uma máscara sorridente, um disfarce para nos proteger desse abismo. Mas esse abismo é nossa salvação. A aceitação do incompleto é um chamado à vida. Temos de ser felizes sem esperança.

Mas aí, dirá o leitor mais sábio e, talvez, mais velho: "Sim, mas e a contemplação calma da natureza, os lagos dourados, as flores e as crianças correndo, e as auroras, os céus estrelados? E a arte? Isso não é prazer?" Sim, sim, mas por trás dessa calma contemplação de auroras e belezas, florestas e oceanos, há um ensaio para o fim, há o preparo para o maior prazer de todos, há a saudade oculta de algo que está mais além da vida, ou antes dela. Entre flores e lagos dourados contemplamos nosso fim. É uma saudade não sabemos de quê...

É um prazer além do prazer (v. Freud), é o prazer da matéria. A matéria quer paz. Nós somos um transtorno para a matéria que quer voltar a seu silêncio. A vida e o prazer enchem o saco da matéria que é obrigada a nos suportar. A matéria olha nossos arroubos de vida e espera pacientemente que acabe a valentia para voltarmos ao prado, à grama, à terra, ao sossego da tumba. Mais além do princípio do prazer, está a invencível vontade de morrer. Somos sonhados pela matéria da qual somos apenas um tremor, um despautério, uma agitação banal. A matéria nos sonha com tanta perfeição que pensamos que temos espírito.

O prazer da matéria é paciente. Só sentiremos um grande prazer quando não estivermos mais presentes.
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