Tive a honra de conversar, pessoalmente, com o Emb Abdenur no início de minha missão em Washington, a quem era, no da linha, subordinado. Ele tem uma invejável cultura. Impressionante é que conversar com ele vc se sente desesperado achando que ou ele vai encerrar o papo ou o relógio vai disparar. Acredito que horas a fio ele prenda a atenção de qualquer um com sua simplicidade e cultura. Posso dizer que poucas pessoas que conheci na vida, ao fim de uma conversa me senti com um pouco mais de conhecimento e não, meramente, informação.
Por suas posições que acompanhava, até ser substituído, ele pensava em Brasil como Estado e não, simplesmente, como país. Ele, já naquela época, discordava de algumas posições da diplomacia brasileira em relação aos EUA e vizinhos na A Latina. Claro está que ele leu e estudou muito em sua vida, e não podia deixar de ser assim, pois a facilidade com a qual discorria sobre clássicos da literatura mundial, sugere um alto grau de erudição.
O tema que ele ilumina em seu artigo é de fundamental importância para nosso futuro. Relembro que a atribuição constitucional do Senado Federal vem sendo, repetidamente, atropelada pelo Itamaraty, órgão executivo das vontades da sociedade traduzidas e exaradas pela Câmara Alta (Senado). E como disse o ex-Ministro Rubens Barbosa, com o Irã "atravessamos a rua para escorregar na poça d´água da calçada oposta..." e amigos, a queda será de bubum direto no chão, um yippon genuíno, sem direito a apoio ou desequilíbrio.
Brasil-Irã: como fazer amigos e dar-se mal
ROBERTO ABDENUR - Segunda-feira, Julho 26, 2010
Folha de S Paulo
O governo brasileiro cometeu grave erro diplomático ao buscar excessiva aproximação com o Irã, sem ter em mente a complexidade da questão
Em artigo publicado nesta Folha em 21 de julho último, o embaixador do Irã em Brasília comentou os entendimentos entre seu país, Turquia e Brasil a propósito do programa nuclear iraniano ("Brasil respeitado pelas nações").
A iniciativa por ele mencionada suscita algumas considerações em termos das implicações, para os interesses do Brasil, de nosso envolvimento na questão.
Abordo o tema com alguma vivência direta do assunto: como embaixador perante a AIEA, em Viena, e presidente naquela subsede das Nações Unidas, ao longo de 2003, do chamado "Grupo dos 77 e China" (que defende os interesses dos países em desenvolvimento no plano econômico), tocou-me atuar na questão quando, pela primeira vez, tornou-se público que o Irã, durante 18 anos seguidos, vinha conduzindo atividades nucleares de forma clandestina, sem delas dar conhecimento à AIEA, como exigem as obrigações assumidas perante aquela agência pelos países que aderem ao Tratado de Não Proliferação de armas nucleares.
De lá para cá -passados, portanto, outros sete anos- múltiplas idas e vindas entre Teerã e a AIEA não lograram dirimir as desconfianças sobre as verdadeiras intenções do programa iraniano. Até o final de 2009 o secretariado da AIEA afirmava não ter indícios de desígnios malévolos, mas esclarecia não haver obtido das autoridades iranianas esclarecimentos capazes de afastar as suspeitas de intenções ocultas.
Em fevereiro do ano em curso, novo relatório da AIEA elevou o tom: afirmou categoricamente, sim, haver fundadas razões para suspeitas de propósitos militares nas atividades nucleares iranianas.
O governo brasileiro cometeu grave erro diplomático ao buscar, de modo arrojado e irrefletido, excessiva aproximação com o Irã, sem ter em mente a extrema complexidade e delicadeza da questão.
As operações diplomáticas são em boa medida análogas a operações militares: não se adentra um cenário de conflito sem prévio exame de todas as condições do terreno e de seu entorno, sem cuidadosa avaliação dos riscos e custos e sem levar na devida conta os interesses e posicionamentos de outros atores envolvidos na trama.
Foram ignoradas circunstâncias que saltavam aos olhos. Em primeiro lugar, a avaliação da AIEA, que é organização séria e confiável, não sujeita a manipulação por qualquer potência. De outra parte, deixou-se de ver que a questão nuclear iraniana não é contencioso somente entre Teerã e Washington.
É problema que inquieta, e muito, a maior parte dos países árabes, os europeus em geral e até mesmo duas potências com imensos interesses concretos no Irã (ao contrário do Brasil, que não os tem): China, grande compradora de petróleo, investidora na prospecção de óleo e gás e exportadora de bens e serviços para o país; e Rússia, prestes a concluir a obra do primeiro reator nuclear para geração de energia elétrica no Irã -e que se responsabilizará totalmente pelo fornecimento do combustível a ser por ele usado.
Ao fim e ao cabo, viu-se o Brasil, no seio do Conselho de Segurança das Nações Unidas (onde iniciamos, para o biênio 2010-2011, novo mandato como membro temporário), na incômoda posição de discordar de ampla e significativa maioria, ao votar contra nova rodada de sanções, apoiadas até mesmo por Pequim e Moscou.
Esses passos em falso -a indevida, quase entusiástica identificação com o Irã, e o voto negativo- lesionam seriamente a imagem de equilíbrio, objetividade e imparcialidade que tradicionalmente fundamenta nosso pleito por lugar permanente no Conselho de Segurança, a instância decisória suprema em questões de ameaças à paz e à segurança internacionais.
Triste paradoxo: estar hoje nossa própria diplomacia a minar as credenciais do país na perseguição de um de seus mais importantes desideratos em política exterior...
ROBERTO ABDENUR, diplomata de carreira aposentado, foi embaixador do Brasil no Equador (1985-1988), na China (1989-1993) e nos EUA (2004-2006), entre outros países, além de secretário-geral do Itamaraty (1993-1994). É membro do Cebri (Centro Brasileiro de Relações Internacionais).
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