Como a expressiva quantidade de países latinos os governantes de esquerda usaram suas campanhas leitorais para detonar e debastar projetos sociais e estruturais anteriores e se aliaram, nas regiões mais pobres do país, com delinqüentes e gangues a propósito de uma maior aproximação com aquelas populações.
Como não tiveram a competência para trazer as melhorias prometidas por não conseguirem vencer as fortes dificuldades estruturais, agora toda a sociedade paga a conta.
A reportagem abaixo merece ser lida na íntegra. O assunto é tão importante que mereceu até a atenção de Clóvis Rossi, pois esta não é a seara dele.
Nossas grandes cidades vivem uma gênese semelhante.
A sociedade tem que acompanhar de perto este assunto.
Forças de segurança foram superadas pela delinquência, diz Funes
Quando o presidente da República, sendo de um partido que enfrentou o Exército durante uma autêntica guerra civil, chama o Exército para enfrentar uma outra guerra, esta do Estado contra o crime organizado, é porque a situação está próxima de sair do controle.
É o que está acontecendo em El Salvador: o presidente, Maurício Funes, eleito pela Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional, grupo guerrilheiro nos anos 80, acaba de colocar quase 40% dos efetivos das Forças Armadas para ajudar a polícia. Seu argumento, em entrevista exclusiva à Folha, feita por e-mail: "Há anos, nossas forças de segurança foram ultrapassadas pela delinquência comum e pelo crime organizado". Funes admite que a debilidade institucional de seu país --avaliação que vale para toda a América Central e também para outros países latino-americanos-- "apresenta o risco de contaminação da maior parte das instituições do Estado, incluindo a polícia, o Ministério Público e o Judiciário".
Apesar de recente, a entrada do Exército na luta contra o crime merece do presidente uma avaliação positiva: "Permitiu maior eficácia no controle territorial, dada a disputa que existe entre o Estado e o crime organizado, sobretudo as quadrilhas e os cartéis da droga, que mantêm uma presença quase permanente em algumas zonas do pais".
Leia a íntegra da entrevista:
Folha - El Salvador, como o México, está utilizando forças militares contra o crime organizado. Quais são as razões para uma ação que costuma ser muito polêmica, mais ainda em se tratando de um governo de esquerda?
Mauricio Funes - A decisão de envolver o Exército em tarefas de segurança pública nada tem a ver com a ideologia do governo que a implementa. Este não é um assunto de esquerda ou direita. O receio que tradicionalmente tiveram governos de esquerda está vinculado ao passado das Forças Armadas, quando utilizadas como parte do aparelho repressivo do Estado.
Essa é uma realidade superada em El Salvador, com a assinatura dos acordos de paz de 1992. Desde então, o Exército se converteu em um corpo profissional, subordinado à autoridade civil.
Em nosso caso, a própria Constituição, reformada em virtude desses acordos, confere à Força Armada as funções de defesa nacional e resguardo da soberania. Não obstante, sob condições excepcionais e por um tempo determinado, o Exército pode ser utilizado pelo presidente da República em tarefas de segurança pública, desde que a polícia tenha esgotado sua capacidade institucional para enfrentar a delinquência.
Há anos, nossas forças de segurança foram ultrapassadas pela delinquência comum e pelo crime organizado. Este governo, que assumiu faz pouco mais de um ano, herdou uma polícia com orçamento pequeno, equipamento escasso e infiltrada pelo crime organizado em algumas de suas áreas e comandos.
O Exército não foi chamado para assumir tarefas de segurança pública em substituição à polícia. Seu trabalho complementa o que o que desenvolvem as forças policiais, por meio da presença dissuasiva e a repressão ao delito em zonas de alto risco, ajudando na segurança interna e do perímetro dos centros penais e resguardando as fronteiras, especialmente os pontos cegos que utilizam os delinquentes para o contrabando de mercadorias e o tráfico ilegal de drogas, armas e pessoas.
Em resumo, não militarizamos o país. A decisão do governo é a de empregar quase 40% dos efetivos militares em tarefas de apoio à Polícia Nacional Civil, faculdade que tem o presidente da República, amparado pela Constituição.
O assassinato do candidato do Partido Revolucionário Institucional ao governo do Estado mexicano de Tamaulipas causou a sensação de que o narcotráfico está desafiando a democracia diretamente. Como o problema de segurança na América Central é tão grave como o do México, o governo salvadorenho também teme esse tipo de eventual desestabilização?
Claro que a fragilidade de nossas instituições é um problema herdado depois de duas décadas de governos da direita que apostaram na desarticulação do Estado, a fim de convertê-lo em um aparato a serviço de interesses corporativos de importantes grupos empresariais.
Esta debilidade institucional apresenta o risco de contaminação da maior parte das instituições do Estado, incluindo a polícia, o Ministério Público e o Judiciário. Não estamos longe dessa ameaça e os recentes fatos criminais, como o ocorrido dia 20 passado, em que uma unidade de transporte coletivo foi incendiada com os passageiros dentro, é uma amostra desses planos desestabilizadores.
Esforço em que não descarto o envolvimento não só do narcotráfico mas também de setores da extrema-direita que trabalham para conseguir um ambiente de ingovernabilidade. Afinal, entre o narcotráfico e a extrema-direita sempre houve vasos comunicantes.
Hoje em dia, as "maras" [quadrilhas, no jargão centro-americano] deixaram de ser um grupo organizado de jovens rebeldes insatisfeitos com a sociedade para converter-se em verdadeiros grupos de trabalho a serviço do crime organizado. Há um núcleo criminoso que opera nelas e que está definindo sua identidade. Sua utilização para fins desestabilizadores é uma hipótese a considerar.
Há algum tipo de coordenação entre os países centro-americanos em questões de segurança? É possível enfrentar as "maras" sem esse tipo de coordenação?
Esse é um problema transnacional que não pode ser resolvido apenas no nível local. Pelo menos Guatemala, Honduras e El Salvador, enfrentamos problemas de delinquência vinculados à ação das "maras". Já estabelecemos uma estratégia comum, que começou com o intercâmbio de informação e com a coordenação de nossas polícias e Exércitos na fronteira comum.
Mas reconheço que não é suficiente. Trabalhamos na formulação de um plano regional de combate à delinquência que nos levará a buscar recursos em países amigos, especialmente os Estados Unidos. Necessitamos uma espécie de "Plano Mérida" só para a América Central, já que, no plano em vigor, o México consome quase 90% dos recursos destinados a esse propósito. [O Plano Mérida é um programa de cooperação dos Estados Unidos com o México e a América Central, para combater o narcotráfico, o crime organizado e a lavagem de dinheiro].
Em muitos países latino-americanos, há quem acredite que a polícia é parte do problema, não da solução. Como é situação em El Salvador?
A polícia, por si só, nunca foi a solução para o problema da delinquência, enquanto não contarmos com uma força profissional, especializada e, sobretudo, livre de corrupção. Além disso, a repressão ao delito que a polícia leva a cabo não basta. É preciso simultaneamente uma visão de médio e longo prazo na prevenção. E é aqui que as políticas sociais se convertem no ponto medular de uma gestão governamental que considera que a delinquência em nossos países tem por base um problema de pobreza e exclusão social. Enquanto não depurarmos nossa polícia, extirpando de seu seio os maus elementos, ela acaba sendo mais um obstáculo que parte da solução.
Já há resultados da ação das Forças Armadas na área de segurança pública?
Embora as Forças Armadas estejam pensadas mais para a ação ofensiva do que para assumir a responsabilidade da segurança pública, em tempos de paz elas podem ter seu papel redefinido para assumir algumas tarefas que permitam alcançar maiores níveis de harmonia e convivência com a cidadania.
Da mesma forma que, atualmente, as Forças Armadas são empregadas em tarefas de resgate e construção próprias de uma estratégia de proteção civil e mitigação de riscos em caso de desastres naturais, podem apoiar as forças de segurança pública para a repressão do delito sem que implique em um abandono de suas funções constitucionais e, menos ainda, uma violação aos direitos humanos.
No caso salvadorenho, seu emprego não somente devolveu a confiança dos cidadãos na capacidade do governo de enfrentar a delinquência mas, na prática, permitiu maior eficácia no controle territorial, dada a disputa que existe entre o Estado e o crime organizado, sobretudo as quadrilhas e os cartéis da droga, que mantêm uma presença quase permanente em algumas zonas do pais.
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