sexta-feira, 1 de julho de 2011

Ecos da tragédia

PAULO BECKER
O GLOBO

A tragédia em Realengo ainda ecoa. Ouve-se um cortejo de truísmos, especialistas calcados em médias estatísticas e seus desvios, mas sem pretensão à causalidade, salvo um psicogeneticismo vago. Assim convivemos com pseudodiagnósticos ou diagnósticos abusivos, como disritmia, DDA, hiperatividade, bullying, que não costumam durar muito: novos nomes para velhos fenômenos. Apenas reiteram: "Não tem nada a ver conosco, é uma patologia."

As palavras que sobressaem são pertinência e inclusão. Artigo de Marcelo Bauman faz a pergunta fundamental: por que nas escolas? Nos transmite o horror intramuros, o nível altíssimo de violência familiar e social, o massacre do professorado.

Para a psicanálise e a psiquiatria, o delírio estruturado que se encontra nos escritos do sujeito em questão, as interpretações de conteúdo místico, a fragmentação da personalidade, a ignorância das leis simbólicas que ordenam a coletividade indicam a esquizofrenia paranoide ou a paranoia: indicam um diagnóstico que não pode ser feito in absentia. E devemos detectar na nossa própria cultura os elementos que o delírio utiliza.

A psicanálise reconhece nas psicoses uma resposta ao que Freud chamou o mal-estar na civilização. O conflito explodirá em um sujeito cuja estrutura é suscetível.

A causalidade psíquica, com os fatores sociais e culturais que a acompanham, tem seu lugar evidente nestes casos. Há um padrão de repetição, pois a escola é o órgão de choque do capitalismo contemporâneo. Não por acaso, este é um crime predominantemente americano. Após o período em que os EUA investiram em inclusão nas escolas, para realizar o sonho americano, a orientação atual é formar mão de obra a partir das necessidades do mercado. Na Europa, sabem que a escola deve formar gente, e a mão de obra depois. No Brasil, esse discurso cai como uma bomba, num mar de precariedade.

O delírio paranoide inclui uma missão. O sujeito se torna o soldado perfeito e realiza em ato o desejo inconsciente que recebe do Outro: a eliminação dos inaptos, dos impuros, dos que não servem para o mercado, da sexualidade que transtorna o Paraíso Regulado, especialmente a das meninas. Wellington é o porta-voz de uma estrutura de laços esgarçados.

A monstruosidade tem tudo a ver conosco. O professor recebe o esgoto bruto da violência, sem mediações. Os seus vencimentos e a estrutura das escolas são inqualificáveis. O livre comércio de armas fomenta o monstro. A concepção segregacionista do mundo também. Não querer saber disso é apostar no imobilismo: neste ambiente, a loucura repetirá sua tentativa paradoxal de redenção.
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