O ESTADÃO
Algo interessante está ocorrendo no Brasil. No final do ano passado o desemprego atingiu 4,7% (ou 5,5%, levando em conta a sazonalidade favorável de dezembro), um recorde de baixa. A princípio, mereceria apenas os festejos de sempre. Mas há algo mais enigmático. O desemprego tem melhorado num contexto de piora da economia: o crescimento do PIB desacelerou para cerca de 2,7% no ano passado, o que normalmente levaria a um aumento do desemprego. O que está acontecendo? O mercado de trabalho está-se descolando do resto da economia? Quais as consequências?
O comportamento do desemprego é importante demais numa economia para ser ignorado. Afeta o bem-estar da população de forma relevante: pesquisas mostram a relação de satisfação com a taxa de desemprego. O desemprego também afeta o desempenho da economia via produtividade e crescimento, assim como o impacto na inflação.
Uma parte da explicação é simplesmente a existência de defasagens na economia. O mercado de trabalho é normalmente o último da cadeia a sentir o impacto da desaceleração. As vendas caem e a produção tem de diminuir para evitar acúmulo de estoques desnecessários. O desemprego aumenta quando as empresas diminuem a produção e o emprego fica ocioso. Pode ser que ainda estejamos no início do processo. Se for, devemos esperar uma subida do desemprego daqui em diante. Mas a defasagem parece longa demais e o mercado de trabalho, forte demais para fazer acreditar que nada mudou desta vez. Há duas teorias alternativas (não excludentes).
A primeira diz respeito à produtividade do trabalhador. Alguns temem que a combinação do desemprego em recorde de baixa com economia fraca seja sinal de problemas à frente. Afinal, estamos produzindo menos com mais gente - produtividade menor. A economia poderia estar mostrando sinais de esgotamento mais duradouros. Uma economia com produtividade menor está fadada a crescer menos e/ou a ter mais inflação. O risco é que a retomada da economia venha a diminuir ainda mais o desemprego, tornando a mão de obra mais escassa, elevando custos para empresas, o que poderia resultar em mais inflação. Controlar a inflação exigiria crescer menos.
Mas qual seria a razão para a produtividade do trabalhador estar caindo? Com o crescimento maior da economia nos últimos anos, as empresas têm encontrado dificuldades crescentes para contratar mão de obra, principalmente qualificada. A solução tem sido contratar um contingente da população cuja capacitação é inferior à dos empregados atuais. Resolve as necessidades imediatas, mas a produtividade desses trabalhadores é inferior, o que derruba a produtividade média da economia. Ao longo do tempo esses trabalhadores poderão adquirir qualificação maior com treinamento nos seus próprios empregos, o que diminuiria o problema, mas pode levar tempo.
A falta de mão de obra é resultado, em parte, de um menor crescimento da população economicamente ativa (PEA), aquela apta a se empregar. Em 1980 a taxa de crescimento da PEA era acima de 3% ao ano; hoje o crescimento é de 1,3%, dada a distribuição populacional. Com menos gente disponível para trabalhar, um período de crescimento maior reduz o desemprego e limita o crescimento sustentado.
A falta de mão de obra qualificada no Brasil é resultado de melhorias ainda insuficientes na educação para fazer frente às necessidades atuais. As defasagens são longas. O esforço atual na melhoria da educação será determinante para o futuro, nas próximas décadas.
A segunda teoria alternativa é que os empresários podem estar evitando demitir. O custo para as empresas de demitir e voltar a empregar é alto no País. Se os empresários têm confiança na retomada da economia e no seu crescimento no médio prazo, podem preferir manter os trabalhadores ociosos por um tempo a demiti-los (e depois recontratá-los). A experiência dos últimos anos, principalmente a reação à crise de 2008-2009, poderia estar induzindo esse comportamento. A economia brasileira recuperou-se rapidamente do impacto da crise internacional. Os empresários não demitem, a economia mantém um contingente de trabalhadores ociosos prontos para serem utilizados mais adiante. É uma "poupança de trabalhadores", como referida na literatura.
Nessa alternativa, o desemprego baixo é função das expectativas quanto à volta do crescimento futuro. Quando a economia voltar a acelerar (acreditamos que o PIB volte a acelerar ainda este ano, principalmente no segundo semestre), essa poupança será utilizada, em vez de maior procura por mão de obra e sobreaquecimento do mercado de trabalho. A evidência dessa alternativa é a queda das horas trabalhadas (em vez de demissões).
É importante citar que parte da queda do desemprego é devida à menor procura por emprego. Não se considera desempregado quem não se encontra ativamente procurando emprego. Parte da queda recente do desemprego é consequência desse "desalento" (por exemplo, a PEA cresceu apenas 0,7% em dezembro de 2011 em relação a dezembro de 2010), mas não explica todo o fenômeno.
Acreditamos que as alternativas acima não sejam excludentes. A facilidade com que a economia incorporou mão de obra no passado (e alavancou o crescimento) pode não se repetir no futuro. Alguma perda de produtividade pode estar ocorrendo como consequência da qualificação ainda insuficiente da mão de obra para o crescimento desejado. Mas parte do que estamos observando pode ser um fenômeno cíclico - preservação do emprego numa economia aprendendo a conviver com altos e baixos. O comportamento do desemprego, da inflação e do crescimento a partir da retomada deste ano depende da força de cada um desses fatores.
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