Thais de Luna
Correio Braziliense
Segundo levantamento do Ipea, 51% dos usuários da web no país buscam adquirir gratuitamente produtos culturais como filmes, músicas e livros
Baixar no computador o último episódio de um seriado ainda inédito no Brasil, ou o CD de uma banda norueguesa obscura. Cada vez mais brasileiros recorrem aos downloads na internet para adquirir produtos culturais — seja pagando por eles ou não. Um comunicado lançado ontem pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) busca desvendar o comportamento dos usuários da web no país na busca por conteúdos audiovisuais e livros. A pesquisa, realizada com 68 milhões de internautas, ouvidos em 2010, indica que 51% deles fazem downloads de arquivos com frequência. Desse grupo, 41% buscam exclusivamente formas gratuitas de download, muitas vezes ferindo direitos autorais, e são chamados no estudo de "piratas on-line". Os 59% restantes dos internautas que baixam conteúdos desse tipo costumam tanto baixar gratuitamente os arquivos como comprá-los, seja em lojas físicas ou on-line. A esse grupo, os pesquisadores deram o nome de "downloaders" (veja quadro ao lado).
Embora seja possível dizer que esses dois tipos de usuários violam direitos autorais, os representantes do Ipea esclarecem que não dá para taxá-los como criminosos sem considerar as questões de consumo que levam indivíduos a migrarem para o mercado não legal. Ao adquirir produtos literários, da indústria fonográfica e cinematográfica, entre outros, as pessoas levam em conta o preço do produto se adquirido pelos meios tradicionais, o valor de transação e o acesso a ele.
"Quando há opções de baixo custo, é mais comum que ocorra o consumo de materiais pelos meios legais. O submercado da pirataria acontece quando o custo de aquisição é considerado, a pessoa pode pagar pelo que deseja, mas, ainda assim, opta pelo conteúdo pirata", descreve o coordenador de Estudos em Tecnologia da Informação e Comunicação do Ipea, Luis Cláudio Kubota, em coletiva de imprensa. "Pessoas das classes A e B e jovens entre 16 e 24 anos acabam fazendo mais downloads por questão de conveniência", afirma Rodrigo Abdala Filgueiras de Sousa, técnico de planejamento e pesquisa do Ipea. "O motivo que leva as pessoas de classes mais baixas e os mais jovens a baixarem materiais, por sua vez, está ligado ao custo de transação comercial", acrescenta.
O representante da sociedade civil no Comitê Gestor da Internet (CGI.br) Sergio Amadeu, pesquisador de cibercultura e membro da comunidade do software livre, considera que a própria expressão "pirataria", que geralmente engloba quem baixa e compartilha arquivos na rede, não seria adequada quando esses indivíduos não pretendem ganhar dinheiro com a atividade. A ideia de considerar as atitudes desses dois primeiros grupos de pessoas como criminosas seria ainda mais equivocada. "Sempre foi comum no Brasil e em outros países compartilhar arquivos. Na época das fitas K7, as pessoas gravavam as músicas de LPs e do rádio nessas fitas e repassavam para os amigos", recorda o sociólogo. "A internet só potencializou esse comportamento."
Os especialistas comentam que, ao contrário do que as indústrias cinematográficas e fonográficas dizem, a ação de baixar arquivos não é tão prejudicial a artistas das áreas de música e filmes. "É preciso levar em conta que a pirataria tem aspectos positivos para esses profissionais, pois faz a difusão do conteúdo on-line. O consumo de música pela internet incentiva a ida a shows", comenta Kubota, do Ipea. Amadeu complementa o raciocínio citando o exemplo da banda Teatro Mágico, que disponibiliza suas músicas pela internet e, ainda assim, já vendeu mais de 170 mil cópias de CDs, além de contar com grande público em suas apresentações. Para ele, o que toma renda da indústria fonográfica é a diversidade cultural, não a distribuição gratuita de arquivos na internet.
Outro caso de sucesso na era da reprodutibilidade de conteúdo é o filme Os vingadores. Apesar de estar em terceiro lugar no ranking de obras cinematográficas mais baixadas desta semana no site Torrentfreak, a história de um grupo de super-heróis é sucesso de bilheteria, tendo arrecadado mais de US$ 700 milhões em todo o mundo. Como o filme foi lançado quase simultaneamente em diversas partes do mundo, ele serve para explicitar um dos motivos que influenciam as pessoas a buscarem obras na rede: a longa espera que um produto às vezes leva para chegar ao Brasil.
Prejuízos
O advogado e especialista em direito digital Alexandre Lyrio, do escritório Castro, Barros, Sobral, Gomes Advogados, rebate esses argumentos afirmando que há sim prejuízos claros para os músicos, cineastas e atores quando indivíduos baixam arquivos sem pagar direitos autorais. Se em Hollywood esse enfraquecimento não é tão claro, ele diz, é porque ainda não é possível reproduzir em casa o ambiente do cinema.
"Pirataria é um termo usado tanto para quem falsifica produtos quanto para quem os utiliza por vias transversas às regulares. Baixar conteúdo sem autorização do titular é uma forma indevida de uso, pois é desautorizada. O compartilhamento pode ser simples e desinteressado, mas há muitos que o fazem tendo por intento a obtenção de lucro indireto", descreve Lyrio. "Exemplos clássicos são os que atraem consumidores liberando ferramentas e espaços para a troca de conteúdo protegido por direitos autorais e lucram com a cessão de espaços publicitários", pontua.
Apesar de o uso da obra protegida por direitos autorais sem autorização ser, por si só, um ato ilícito, o advogado adverte que o mais preocupante é a exploração comercial do produto. O real foco do debate, segundo Lyrio, deve ser a prática de usar tais mecanismos para atrair e explorar o consumidor, obtendo lucro direto ou indireto para si. "É necessário não que se barre a tecnologia, mas que se remunere o autor, na forma da lei, quando sua obra for usada."
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