Muitos executivos sabem como melhorar seu desempenho, mas dificilmente partem para a prática. Esta brecha entre saber e fazer é analisada por Jeffrey Pfeffer, autor do livro “The Knowing-Doing Gap”.
Uma misteriosa lacuna costuma se instalar nas organizações: o espaço entre o conhecimento e a ação. Apesar de a maioria dos executivos saber o que é necessário fazer para melhorar o desempenho da empresa, misteriosamente, eles não levam isso a cabo.
Em um de seus últimos livros, Jeffrey Pfeffer, professor da Universidade de Stanford, chama este fenômeno de inércia de o "espaço entre conhecimento e ação" ("The knowing-doing gap"). Junto com seu colega Robert Sutton, investigou os fatores que contribuem para gerar esse problema e os motivos por que algumas empresas têm mais êxito do que outras na implementação do conhecimento.
"A verdadeira chave para melhorar o desempenho das organizações não é tanto saber, que de todas formas é importante; mas a habilidade para transformar esse conhecimento em algo valioso, atuar a partir dele. Não é a ação sem o conhecimento, nem o conhecimento sem a ação, mas uma conexão entre ambos", assinalou Pfeffer para a Intermanagers.
A concorrência interna, o medo, os sistemas de medição de resultados, a história da empresa e um excesso de reuniões são os principais fatores culturais e organizacionais que sustentam esta "lacuna". Pfeffer e Sutton detectaram esses problemas em empresas de serviços financeiros, de planejamento de produtos, fábricas siderúrgicas, companhias mineiras, de energia, de vendas a varejo e cadeias de restaurantes.
A cultura do temor
As empresas costumam fomentar uma cultura do medo e da desconfiança. Por temor ao fracasso e a algum tipo de penalização, os funcionários se privam de atuar de acordo com o que sabem que é necessário fazer.
"As pessoas têm medo de perder seu emprego, de dizer a seus chefes coisas que eles não querem ouvir. Isso é irônico, porque a única forma de aprender, como empresa ou como indivíduo, é fazer coisas novas nas quais você não é bom e cometer erros no processo", indicou o acadêmico.
O temor aumenta a lacuna entre o conhecimento e a ação porque, para trabalhar de acordo com o que se sabe, é necessário que o indivíduo tenha a convicção de que não será penalizado. Pelo contrário, ele deve ter certeza de que será recompensado por assumir riscos com base em novas informações. "Quando os empregados têm medo por seu futuro em relação ao trabalho ou inclusive à sua auto-estima, é pouco provável que se sintam suficientemente seguros para enfrentar ações que não tenham feito anteriormente, inclusive quando encontrarem melhores formas de fazer o trabalho", explicou.
Um dos efeitos do medo da penalização é a resistência dos indivíduos a contar as más notícias, mesmo que eles não sejam os responsáveis por elas. Por isso eles se vêem privados de fazer sugestões para melhorar, quando isso implica reconhecer que algo está mal. Outro dos efeitos é se concentrar, a curto prazo, na perspectiva que atualmente gera problemas a longo prazo.
Um fator relacionado com o temor da penalização, que causa impacto na ausência de ação, é o sistema de avaliação do empregado pelas empresas. "Muitas empresas avaliam o desempenho financeiro de curto prazo. O problema é que elas não medem os processos que produzem este desempenho", explica Pfeffer.
O pesquisador menciona em seu livro uma série de propriedades que as práticas de avaliação podem ter e que auxiliam as organizações a transformar o conhecimento em ação. Em primeiro lugar, elas devem ter um enfoque mais global, se centrar menos na performance individual e mais no êxito da organização. Por outro lado, devem se apoiar mais nas fases intermediárias e nos processos do que nos resultados. Além disso, devem estar relacionadas e refletir o modelo de negócios e a cultura da empresa.
Maus hábitos
A concorrência entre pessoas e unidades dentro da empresa é outro dos fatores que enfraquecem as ações. Ao mesmo tempo em que as organizações se envolvem internamente através de intranets para motivar o intercâmbio de conhecimento entre as pessoas, se propaga uma cultura de concorrência por prêmios e recompensas. "O irônico é que a concorrência prejudica a capacidade das empresas de compartilhar as melhores práticas", ressaltou Pfeffer.
A história e a experiência das pessoas muitas vezes se transformam em uma armadilha que retêm os indivíduos nas práticas habituais provenientes do passado. "Eles não têm vontade de fazer coisas novas, inclusive quando sabem que necessitam fazê-las, justamente porque são diferentes das práticas habituais", definiu.
O quinto dos fatores é o erro de substituir a ação pela conversa. Intermináveis reuniões e sessões de planejamento são fatores comuns nas empresas e, muitas vezes, ocupam grande parte da jornada de trabalho. "Os executivos costumam acreditar que só se reunindo e determinando um plano ou estabelecendo uma visão de valores fizeram alguma coisa. Mas não é assim: essas decisões carecem de sentido se não se concretizam depois em ações", esclareceu Pfeffer.
De acordo com o analista, as empresas capazes de evitar esse problema são aquelas que realizam um verdadeiro acompanhamento do que é determinado nas reuniões. "Dessa forma, previne-se uma situação como a que relatamos no livro, na qual uma empresa toma a decisão de se reorganizar em uma estrutura enfocada no projeto e, 18 meses depois, nada mudou", acrescentou.
Para medir quantitativamente este vazio entre o que os administradores realmente pensam que deve ser feito e o que de fato implementam, começou-se perguntando aos executivos quais são as práticas que eles consideram relevantes para a organização. Por exemplo, compartilhar informações com os empregados ou ser seletivo no recrutamento, compartilhar informações financeiras, aprender com as outras pessoas, etc.
Uma vez atingido o consenso sobre esse ponto, os especialistas consultaram os mesmos executivos sobre em que nível cada um desses enunciados estava sendo levado a cabo. A diferença da lacuna entre o conhecimento e a ação.
Em outra pesquisa, realizada pela Association of Executive Search Consultants, três quartos dos diretores-executivos consultados responderam que as empresas deviam ter programas de "fast track" (controle rápido), mas menos da metade contava com um desses programas na sua empresa.
Errar é humano
Algumas organizações conseguiram evitar com êxito esta lacuna da inércia. Pfeffer demonstrou, por exemplo, o caso da empresa AES, que opera fábricas de energia em todo o mundo, e que conseguiu gerar uma cultura que evita o medo.
No relatório anual da empresa, admite-se abertamente erros e problemas e fala-se em perdoar essas falhas. Assim, passa a ser promovida a cultura do perdão. O diretor-executivo costuma contar que, em 1997, tomou apenas uma decisão na empresa, como uma forma de demonstrar que a companhia verdadeiramente está descentralizando a tomada de decisões e que o diretor-executivo não é onipotente.
"Para poder avançar, é necessária a cultura do perdão, na qual se aceita que, quando as pessoas tentam fazer coisas novas, algumas delas vão dar certo, e outras, não. A AES tem feito um trabalho magnífico de construir uma cultura na qual as pessoas sabem que têm essa liberdade de provar", comentou o catedrático.
Outra das companhias que conseguiram eliminar esse problema é o SAS Institute, a maior empresa privada de software do mundo que, de acordo com Pfeffer, faz parte de um dos setores caracterizados por punir os fracassos. A empresa motiva constantemente a criatividade e a inovação, e não penaliza os erros. Dessa forma, entrou no mercado de software educativo e de videogames, áreas distantes dos negócios principais da empresa, que são a análise estatística e o gerenciamento de banco de dados. Estas linhas de negócios não surgiram de aquisições de outras empresas, mas do desenvolvimento interno.
Do mesmo modo que se gera a paranóia - explica Pfeffer em seu livro -, o medo também pode ser reduzido a partir da diretoria. O diretor da Southwest Airlines, Herb Kelleher, aceitou aparecer em uma propaganda da American Express como um grande perdedor de cartões de crédito, admitindo assim abertamente que ele também comete erros.
"Todas estas empresas conseguiram se desfazer do medo, motivando as pessoas a aprender a fazer. Suas organizações são boas na prática de escutar. O diretor-executivo não tem o monopólio da palavra", afirmou.
Por outro lado, os executivos-sêniores têm realmente uma idéia das tecnologias e dos processos básicos da organização, não se deixam enganar, por mais inteligente que possa parecer o discurso de alguém. Realmente, eles entendem o que é preciso para que a organização se supere.
As empresas capazes de superar o vazio costumam reunir várias destas características. "É fundamental uma orientação mais coletiva para as recompensas, que não se trate somente do desempenho individual, mas também dos resultados da empresa. O papel do líder e a cultura da organização são os pilares básicos", destacou o especialista.
Porém, esclareceu, nem toda a responsabilidade é da alta gerência. Todos devem ser conscientes de que o futuro da organização depende do dia-a-dia. Cada indivíduo, qualquer que seja seu papel, deve fazer o que considera que sua unidade ou setor necessita.
"As pessoas fazem vários cursos, mas não aplicam logo os conhecimentos adquiridos. Isso acontece fundamentalmente porque não encontram o apoio e a motivação necessários", afirmou.
Um ex-funcionário da empresa IDEO, dedicada ao projeto e desenvolvimento de produtos, ingressou na empresa pontocom Webvan, um portal de varejo on-line. Antes de lançar o site, os executivos passavam longas tardes de verão reunidos debatendo de que forma e tamanho deviam ser as caixas de entrega da mercadoria e como conduzi-las. Cansado desses encontros sem conclusões e com a experiência que tinha acumulado na IDEO, o empregado realizou o projeto das caixas e apresentou na reunião seguinte. Dessa forma, o problema foi solucionado. "Esse é o tipo de comportamento que as empresas deveriam motivar. Criar uma cultura na qual as pessoas sintam que têm o poder, a responsabilidade e autoridade para atuar de acordo com o que conhecem", concluiu Pfeffer.
Paula Boente - Intermanagers
.
Nenhum comentário:
Postar um comentário