EDITORIAL
JORNAL DO COMMERCIO (PE)
Nenhuma imagem, nenhum depoimento, nada poderia melhor instruir um libelo acusatório à sociedade brasileira de hoje – quando nos jactamos de sexta ou sétima economia do mundo – que a reportagem-documento deste jornal, mostrando o fundo do poço, de onde seres humanos, brasileiros e brasileiras, adultos e crianças, não podem afundar mais. A vergonha dos lixões nada, absolutamente nada, tem de novo, é uma tragédia sempre recorrente, uma acusação direta, frontal, sem meias-palavras, a todas as instituições.
Senão, vejamos: a degradação humana dos catadores e das catadoras de lixo afronta a Constituição, desde o preâmbulo. Ali está dito: “Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um estado democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil”.
Esse compromisso solene foi feito em outubro de 1988. Uma geração se passou e muitos entre nós, no Grande Recife, não fazem parte desse mundo desenhado pela maior lei do País, a Carta Magna, a fonte de todas as leis. Os pernambucanos encontrados nos lixões não têm liberdade, segurança, bem-estar, desenvolvimento, igualdade, justiça, nem fazem parte de uma sociedade fraterna. Rigorosamente, eles podem ser vistos como lixo da cidadania, vítimas da exclusão absoluta em uma nação que construiu um patrimônio material invejável nesse mesmo período de uma geração.
Se assim é, como não admitir que as instituições falharam? Onde estão os operadores do direito que não enxergam a negação do ordenamento jurídico na exclusão absoluta de parte da sociedade? Onde estão os administradores públicos, em todos os níveis, que não enxergam a miséria espalhada em seu quintal? Não veem que é insuficiente criar muros, cercas elétricas, guaritas com guardas? Até quando poderemos conviver com esses dois Brasis tão radicais – o que tem o suficiente para sobreviver, às vezes em excesso, e os que disputam restos com moscas e ratos? Não há, aí, um conflito tão brutalmente intolerável que nega a cidadania, a nacionalidade, nega, até, o direito de as instituições tributarem pesadamente uma parte da sociedade e excluírem outra parte do direito à partilha de todos os tributos na forma de serviços públicos essenciais, como estão previstos, também, na Constituição?
O fato que fica mais evidente diante da miséria escancarada de nossas sujeiras levadas à mesa dos miseráveis é a dificuldade de encontrar respostas para tantas questões, diante do alumbramento de nossa classe dirigente com um mundo à parte disso tudo.
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