NELSON PAES LEME
O GLOBO
A desmontagem da Nova República no Brasil está sendo claramente vivida neste começo de século e de milênio. Não são apenas as instituições e os partidos políticos que entram em nítido colapso, no vendaval das manifestações populares. Perderam, ambos, os liames com a sociedade, disso ninguém duvida. A representação democrática passará, obrigatoriamente, por profundas transformações a partir de 2014. Teremos eleições muito tumultuadas e com muito povo nas ruas, é o que se prevê.Também os discursos de campanha deverão sofrer radicais mudanças a influírem nas diretrizes dessa nova casta de arrogantes donos da verdade que são os marqueteiros. É que, talvez, o maior divórcio dos políticos com o eleitorado, hoje, se deva ao fato de que a política tradicional do século passado, atualmente ainda em prática, não se apercebe das drásticas mudanças na estrutura das nações e da própria vida planetária. Estamos vivendo a transformação de uma era, e não uma era de transformações.
Não foi por acaso ou por mero interesse de marketing político que a ex-senadora e virtual candidata à Presidência da República chamou o seu projeto de partido, frustrado pelo TSE, hoje um movimento consistente dentro do Partido Socialista Brasileiro, de Rede Sustentabilidade. Rede é a clara opção de comunicação desse movimento que se pretende em sintonia com a internet e a revolução técnico-científica, marca registrada desse início de milênio. Hoje, os setores que mais crescem na economia brasileira (mais de 40% do todo) são precisamente os ligados visceralmente a essa revolução. E o número de internautas no Brasil já ultrapassa a impressionante cifra dos cem milhões, segundo revelou o Ibope em julho deste ano. Mesmo com a nossa indigente infraestrutura a ser reformada a toque de caixa para a Copa e as Olimpíadas, e com as obras em curso, a construção civil vem abaixo desse percentual, com pouco mais de 30% do todo.
Sustentabilidade , por sua vez, é o outro grande e decisivo marco desse não menos decisivo século para a sobrevivência das espécies em nosso planeta. E a importância do Brasil, nessa nova ordem gerada pelo esgotamento do fordismo e dos antigos parâmetros de crescimento gerados pela Revolução Industrial, é claríssima. Somos o maior produtor mundial de bioenergia e detemos a maior floresta contínua sobrevivente da Terra, pulmão da biosfera. Além disso o estudo Perspectivas agrícolas , da FAO, de 2010, revela que seremos o maior exportador de commodities desse setor no mundo em 2019. Mas ainda há quem se oriente, em matéria de crescimento, essencialmente pelas reservas do pré-sal.
Quanto a esse item, talvez o mais assustador cenário para o futuro vem do filósofo britânico John Gray, autor consagrado de Cachorros de palha . Outro livro que mostra a importância da sustentabilidade é o livro de outro britânico, o biólogo James Lovelock, A vingança de Gaia .
Gray acha que em 2050 a Terra terá nove bilhões de almas e que esse volume de terráqueos é incompatível com a sobrevivência do planeta. Já Lovelock defende a tese biológica de que nosso planeta é um organismo vivo como qualquer outro e que, em escala muito maior, já começa a se comportar, como tal, no sentido de expulsar o agressor. E que, a prevalecer o comportamento predador deletério de nossa espécie em relação à biosfera, seremos extintos por grandes cataclismos, ainda que gradualmente.
Como se vê, Rede e Sustentabilidade não são palavras lançadas na mídia por oportuna intuição de algum marqueteiro esperto. Mas compromissos programáticos de luta por uma (talvez mais utópica ainda do que a contínua luta socialista) nova ordem mundial em que o Brasil terá grande responsabilidade. Faz todo o sentido, portanto, a pré-candidata Marina Silva ter optado pelo PSB, na impossibilidade de viabilizar seu partido. Os verdadeiros socialistas também se encontram perplexos, por sua vez, com o fim do socialismo real, iniciado com a queda do Muro de Berlim e com as transformações ocorridas no Leste Europeu, que mudaram a face das hegemonias no fim do século passado.
Mas os dinossauros do bolivarianismo pátrio continuam a assistir outro filme, insistindo em alianças jurássicas com o terceiromundismo e imaginando poder reproduzir 1917 quase cem anos depois. O eleitor deve se preparar para uma luta entre o atraso e a ousadia.
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