segunda-feira, 21 de outubro de 2013

A bomba fiscal sobre os investimentos

 SÉRGIO LEO
VALOR ECONÔMICO



A demora dos governos estaduais para chegar a um acordo sobre incentivos fiscais concedidos nos últimos anos contrasta com o nervosismo crescente das empresas envolvidas na discussão. Sem acordo, o Supremo Tribunal Federal pode obrigar, a qualquer momento, essas empresas a devolver uma bolada calculada em pelo menos R$ 40 bilhões em incentivos concedidos nos últimos anos sem a necessária aprovação do Conselho Nacional de Política Fazendária, o Confaz. Algumas empresas já têm incentivos contestados em processos que tramitam na Justiça e temem ser obrigadas a incluir essa conta em seus balanços, em breve, o que ameaça seus planos no país.

Nos últimos dias, dirigentes de empresas afetadas estiveram em Brasília em busca de uma solução para o problema. Estimativas que circulam no governo indicam que pelo menos duas grandes montadoras teriam de provisionar em seus balanços uma conta entre R$ 1,3 bilhão e R$ 2 bilhões, caso não haja solução para o conflito em torno dos incentivos, concedidos por governos estaduais na cobrança do ICMS. Como noticiou recentemente a repórter Francine de Lorenzo, do Valor, o ex-secretário-executivo do ministério da Fazenda Bernard Appy calcula que chegam a 15% do patrimônio líquido das empresas as perdas prováveis devido às disputas com os fiscos estaduais.

Os efeitos dessa cobrança podem ser devastadores não só para as empresas envolvidas, que serão obrigadas a divulgar na CVM e nas bolsas estrangeiras o provisionamento para pagamento das dívidas tributárias - e o golpe pesado sobre seus resultados, com corte brutal nos lucros ou aumento exponencial dos prejuízos. Cervejarias, fabricantes de máquinas e até distribuidores de combustíveis como querosene de aviação estão entre as empresas afetadas pela possível cobrança.

Appy não é o único a dizer que esse fantasma esvoaçando desafiadoramente sobre as empresas é um dos principais motivos no país para a covardia do setor privado em matéria de investimentos. Perguntava um importante executivo, em peregrinação por Brasília, na semana passada: quem pensa em investir, sofrendo a ameaça de, a qualquer momento, ser obrigado a fazer uma provisão bilionária no seu balanço?

Esperava-se uma solução para a encrenca na última reunião do Confaz, na quinta-feira. Mas três secretários da Fazenda - de Santa Catarina, Goiás e Ceará - rejeitaram o acordo que legitimaria os incentivos já concedidos. O Supremo discute e deve decidir em breve a edição de uma súmula vinculante sobre o tema, que determinaria a todas as instâncias do Judiciário julgar como ilegais os incentivos concedidos sem aprovação no Confaz. O eventual acordo entre os Estados afastaria o risco de uma onda de processos de cobrança do Ministério Público contra as empresas, baseada nessa súmula do STF.

O Confaz marcou reunião virtual para a próxima terça-feira, na expectativa de superar as resistências dos governadores. Além de convalidar os incentivos já concedidos e fixar um prazo de 15 anos para vigência desses benefícios, o acordo prevê a criação de dois fundos, com recursos do Tesouro Nacional e financiamento do BNDES, para compensar Estados que perdem com esse sistema e para financiar investimentos nos Estados que temem abrir mão da chamada guerra fiscal como instrumento de incentivo à instalação de empresas. O acordo em negociação envolve ainda mudança nas alíquotas interestaduais (é pela manipulação das diferenças entre essas alíquotas e a alíquota de ICMS dentro de cada Estado que se criam os regimes de incentivo).

Divergências sobre quem financiará os fundos a serem criados no Confaz e sobre as futuras alíquotas interestaduais impediram acordo na última reunião e podem adiar novamente a solução para o problema. O nome desse impasse é insegurança jurídica: empresas atraídas aos Estados por programas de incentivo, agora enfrentam o risco de punição por terem instalado fábricas nesses Estados.

O adiamento da decisão sobre a convalidação dos incentivos existentes também afeta as perspectivas de resolver, no futuro próximo, o pior obstáculo à melhoria do kafkiano sistema tributário brasileiro, que é a complexidade da legislação sobre o ICMS. O acordo submetido a torturante negociação no Confaz é visto por todos como a porta para uma reforma maior do ICMS, a unificar alíquotas e regulamentos, simplificar burocracia, diminuir custos e aumentar transparência, transformando o tributo em um imposto sobre valor agregado de melhor aplicação em todo o território nacional.

Até agora, orientada pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, a presidente Dilma Rousseff tem acompanhado de longe o debate e, para evitar turbulências à véspera de ano eleitoral, deixado aos governos estaduais a busca de entendimento. Pelas implicações presentes e futuras da discussão, é difícil entender por que, antes que o Supremo decida pelos governadores, a mandatária não decidiu dar mais destaque ao assunto em sua agenda e botar todo o peso do Executivo Federal na discussão. É o que se perguntam importantes tomadores de decisão no setor privado, a quem o governo cobra mais investimentos no país.

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