Wilson Teixeira Soares
Correio Braziliense
Jornalista
Poucas modalidades esportivas são tão exigentes quanto o ciclismo de alto rendimento. Não há muito, uma professora de biologia contou-me que uma pesquisa constatou o que o vulgo ignora: participar do Tour de France, competição que se desenrola em 21 etapas disputadas em 23 dias, equivale a correr 21 maratonas no mesmo espaço de tempo.
Neste ano e no que passou, o Tour de France foi ganho pela equipe britânica SKY. Em 2012, venceu o inglês Bradley Wiggins. Este ano, Chris Froome, nascido em Nairobi, naturalizado inglês, foi o vencedor. Há quem acredite em acaso. Em matéria de ciclismo, maratonas, triatlo e ironman, o que conta é suor, alimentação e suplementação.
Quem aposta em sortilégios não termina sequer a Corrida de São Silvestre. Quebra. Prova tal verdade não apenas o sucesso dos britânicos da SKY. Também a vitória do ciclista estadunidense Christopher Lee Horner, aos 41 anos de vida, na edição deste ano da Volta da Espanha.
Entre os Jogos Olímpicos de 2000 e os de 2012, a equipe britânica de ciclismo tornou-se dominante no planeta, a ponto de o Reino Unido, faltando três anos para os Jogos do Rio, ser o favorito para terminar a competição em primeiro lugar na modalidade.
O sucesso britânico é a história da evolução sistemática, embasada pela decisão política de garantir condições aos atletas para tornarem-se a elite do planeta. O que exige identificar talentos motores, peneirá-los e oferecer apoio sob todos os aspectos, inclusive psicológico e laboratorial.
A história dos Jogos realizados nos últimos 13 anos evidencia que um longo caminho foi percorrido pelos britânicos no ciclismo. Quando as Olimpíadas de Sydney em 2000 terminaram, a equipe do Reino Unido levou uma medalha de ouro no ciclismo. No quadro de medalhas da modalidade, a campeã foi a França, com cinco ouros. Em segundo, ficou a Alemanha; em terceiro, a Holanda.
Nos Jogos de Atenas, em 2004, a Grã-Bretanha evoluiu significativamente. Faturou quatro medalhas — duas de ouro, uma de prata e uma de bronze — e celebrou a conquista do terceiro lugar na modalidade. Em primeiro, ficou a Austrália, secundada pela Rússia. Para faturar, em duas edições olímpicas, três ouros, os britânicos consumiram dois ciclos olímpicos. Ou oito anos de trabalho.
Diz-se, no Brasil, que tanto vai o pote à fonte que um dia ele quebra. Também é comum afirmar-se que água mole em pedra dura tanto bate até que fura. São axiomas banais. Mas os britânicos, de tanto à fonte irem, de tanto espancarem as pedras, chegaram em Beijing com a faca nos dentes e sangue nos olhos.
Ao encerramento das provas de ciclismo nos Jogos de 2008, celebraram não apenas a vitória na modalidade. Celebraram um sucesso esmagador. Conquistaram 14 medalhas — oito ouros, quatro pratas e dois bronzes. A França e a Espanha, que ficaram em segundo e terceiro lugares, conquistaram, juntas, 10 medalhas.
O salto de qualidade dado pelos britânicos foi ratificado nos Jogos de Londres, com a conquista do primeiro lugar na modalidade. Os ciclistas britânicos deixaram em casa 12 medalhas, sendo oito de ouro, enquanto a Alemanha e a França, segundo e terceiro lugares na modalidade, conquistaram, juntas, apenas dois ouros.
Apesar do sucesso, os Jogos de Londres legaram um traço amargo à memória dos súditos da rainha. O trajeto da corrida em estrada para homens foi desenhado para que Mark Cavendish, um dos maiores sprinters da história do ciclismo, ficasse com o ouro. Um erro de estratégia, alimentado pelo pecado da soberba, deu a vitória a um já veterano ciclista cazaque, Alexandr Vinokourov.
O processo britânico em matéria de ciclismo não tem como base, em absoluto, uma receita druida. E apesar de as culturas de povos anglo-saxões e latinos diferirem radicalmente, o método guarda semelhanças. O esporte no Reino Unido e na Espanha tornou-se prioridade do Estado.
Na Espanha, em 1990, o rei Juan Carlos sancionou a Lei 10, que disciplina a tarefa constitucional de fomentar o esporte. Em seu artigo 3, o diploma reza que “la programación general de ensenãnza incluirá la educación física y la prática del deporte”. E explicita o artigo 6 da lei que “el deporte de alto nível se considera de interés para el Estado” .
Talvez um dia, no futuro, por estas plagas, quem chefia o Estado e o governo torne-se cúmplice desse entendimento. Até lá, pouca água vai rolar por baixo da ponte. E o Brasil, que em todas as edições dos Jogos conquistou até hoje apenas 23 medalhas de ouro nas mais diversas modalidades, vai ter de girar pesado para pegar a roda da Grã-Bretanha. Que só no ciclismo já conquistou, em Olimpíadas, 27 ouros.
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