EDITORIAL O GLOBO
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A reforma agrária, como qualquer política pública, pode ser avaliada por meio de estatísticas frias — número de assentados, por exemplo —, mas também, de forma mais ampla, pela qualidade dos assentamentos. E, por esta ótica, a situação é preocupante.
A ponto de o próprio governo Dilma ter decidido suspender a cessão de terras, para concentrar os esforços em corrigir os graves desvios observados em muitos assentamentos. Mas, semana passada, anunciou a retomada de desapropriações, num ato claramente condicionado ao calendário eleitoral.
O resultado da visão de que quanto mais terras para a reforma agrária, melhor foi mostrado em reportagens do GLOBO: assentamentos sem qualquer infraestrutura que lhes permita sobreviver sem a ajuda do governo. Estradas precárias, falta de assistência técnica, problemas no abastecimento de água são algumas das distorções decorrentes de falta de planejamento oficial que convertem vilas de assentados em favelas rurais. Nelas, aspirantes a agricultores sobrevivem apenas devido ao Bolsa Família e a cestas básicas distribuídas pelo poder público.
Na Amazônia, a incúria foi tamanha que famílias desassistidas pelo Incra se transformaram em vetores de desmatamento, pois a madeira era (e é) a sua única fonte de sustento imediato. Há fotos de satélites que atestam o desastre social e ambiental da ocupação predatória da região feita em nome da reforma agrária.
A desaceleração na distribuição de terras está em linha com um fato incontestável: a necessidade da reforma agrária, bandeira que faz parte da História do Brasil, à direita e à esquerda, foi tirada da agenda do país pela própria modernização do campo. O “latifúndio improdutivo” virou figura de retórica, o agronegócio o tornou produtivo.
O próprio fim da superinflação acabou com o entesouramento de terras para fins de reserva de valor. Foi uma época em que até os bancos procuravam ampliar a rede de agências com imóveis próprios, para proteger os ativos da corrosão do poder de compra da moeda.
O crescimento mesmo da agricultura empresarial puxou a agricultura familiar. É conhecida a experiência, no Sul, em que grandes grupos da agroindústria se articulam com extensas malhas de fornecedores constituídos de pequenos proprietários. Não há qualquer contradição entre eles, ao contrário. E é devido à multiplicidade de arranjos produtivos — grandes áreas cultivadas com grãos e destinadas à agropecuária, como indicado, e pequenas e médias propriedades eficientes articuladas com a agroindústria — que tornou o Brasil uma potência agrícola.
E, além de tudo, o processo de migração para as cidades, clássico numa sociedade em modernização, reduziu o número dos beneficiários em potencial de uma reforma agrária. O correto, então, é mesmo melhorar o que já foi feito. Mas, infelizmente, as eleições levam Dilma na direção oposta.
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