segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Parou por quê? Por que parou?


Luis Edurado Assis
O Estado de S. Paulo


Enquanto a economia brasileira caminha lentamente, a produção industrial está parada. Medida pela média móvel de 12 meses, a indústria de transformação está atualmente no nível alcançado em maio de 2010. No biênio 2011-2012, a produção industrial caiu 2,4%, queda que não será compensada pelo tímido crescimento econômico estimado para 2013, algo como 1,5%. Isso contrasta com vários outros indicadores de atividade que sugerem um quadro menos desolador. O volume de vendas 110 comércio, por exemplo, cresceu 18,1% no mesmo período.

A explicação para essa discrepância remete à reação do governo à crise de 2008.0 estímulo ao consumo elevou a demanda por produtos e serviços. Estes últimos não enfrentaram, por sua própria natureza, a concorrência da importação, do que decorreu uma aceleração de preços e salários, que subiram de forma generalizada, já que os operários também podem oferecer seus préstimos ao setor de serviços. Entre julho de 2010 e julho de 2013, os salários reais na indústria de transformação aumentaram 12,2%, a despeito da estagnação da produção. Como se não bastasse, a indústria foi presa fácil das importações, extremamente favorecidas pela valorização cambial. Apenas no período 2010-2012 as importações de bens duráveis cresceram 91,4% em dólares e 92% em reais.

O resultado é paradoxal De um lado, o emprego continua com indicadores favoráveis, influenciando positivamente a renda. A Pesquisa Nacional porAmostra de Domicílios (Pnad), do IBGE, detectou um aumento no rendimento médio real das pessoas ocupadas de 14,3% entre 2009 e 2012, sendo 5,8% no ano passado, quando o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu quase nada. Por outro lado, o estrangulamento da indústria inibiu novos investimentos (a produção de bens de capital recuou quase 12% no ano passado), o que compromete a aceleração da economia.

Crescimento medíocre com baixo desemprego pode ser uma combinação adequada para um país rico. Entre 1990 e 2012, o Japão registrou uma taxa de crescimento médio anual de apenas 0,92%, mas a renda per capitaj apo-nesa em 1990 era aproximadamente o triplo da renda média brasileira atualmente (que, é bom lembrar, está 30% abaixo da mexicana). Não, não chegamos láeé muito cedo pai a parar.

A reação do governo brasileiro a essa armadilha é canhestia. Diante do diagnóstico de que sóaretomaaados investimentos pode impulsionar a economia, resolveu-se promover cortes de juros, aumento do crédito público e desonerações tributárias seletivas. Mas nada disso funciona quando os investimentos são inibidos pela combinação de condições estruturalmente adversas e falta de confiança nos rumos da política econômica. Esta última questão é fundamental.

Quando tentamos estacionar o carro e somos orientados por um flanelinha, seguimos as orientações deste prestativo desconhecido por três razões. Em primeiro lugar, porque acreditamos que ele tem um ângulo de visão que lhe dá acesso a mais informações do que nós temos. Em segundo,

A reação do governo brasileiro à armadilha do crescimento medíocre com baixo desemprego é canhestra porque assumimos que ele tem um objetivo claro, que é o de morder uma gorjeta. Por último, acreditamos que ele se comportará de forma racional e agirá de acordo com seus próprios interesses, ou seja, não cogitamos de que ele possa nos dar informações incompletas, ambíguas ou falsas. Nada disso ocorre quando o governo tenta induzir os empresários a realizarem maiores investimentos. Nenhum empresário do setor industrial consegue enxergar uma estratégia clara na política econômica. Enquanto durar o paradoxo entre a estagnação na produção, que acicata as empresas, e um alto nível de emprego, que adoça os eleitores, não se configura nem premência nem urgência para uma alteração da estratégia.

Num texto clássico (Risk,Uncer-tainty and Profit, 1921), Frank Knight distinguiu os conceitos de risco e incerteza. Enquanto o primeiro pode ser mensurável por meio de uma função probabilística que pode aferir o risco do pior cenário, o segundo remete ao terreno do imponderável, em que a confiança e o otimismo jogam papel determinante. Neste cenário, como mostram R. Schiller e G. Akerlof em obra recente (Animal Spirits, 2009), a boa-fé é absolutamente fundamental. Mas aqui a vida é muito difícil. Na Carta ao Povo Brasileiro, de junho de 2002, o então candidato Lula mencionava duas vezes o compromisso do governo em cumprir contratos, algo elementar para sinalizar um mínimo de estabilidade institucional. Em setembro de 2013, a presidente Dilma Rousseff foi constrangida a repetir a mesmíssima promessa em apresentação feita em Nova York. Que o governo tenha de reiterar essa platitude tanto tempo depois é evidência suficiente de que há dúvidas - e, se há dúvidas, temos problemas.

O quadro eleitoral que se desenha para 2014 não oferece maior consolo. O manifesto do partido de Eduardo Campos e Marina Silva registra, no seu item VII, sem nenhuma cerimônia, que seu objetivo é "a gradual e progressiva socialização dos meios de produção", o que, convenhamos, é menos que estimulante para os investimentos privados. Pode-se argumentar, com razão, que o Partido Socialista Brasileiro, sendo brasileiro, não é um partid o socialista de verdade e que o que está escrito não vale. Mas isso tampouco inspira confiança.

Diante das dificuldades objetivas que estrangulam o crescimento e da falta de um ambiente institucional que sugira estabilidade de regras, o governo tem ainda a chance de avançar nas concessões de serviços públicos e gerar um choque de produtividade e credibilidade. Não é fácil nem simples. É preciso vencer o preconceito e aceitar que o lucro não conspurca. Se o governo conseguir dar esse passo e avançar numa sequência exitosa de leilões, poderemos despertar os ânimos dos empreendedores. Do contrário, vamos vagar no escuro, em círculos.

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