Editorial
Folha
O provérbio português "casa arrombada, trancas à porta" poderia ser aplicado à recente aprovação, pelo Congresso, de regras para a criação de novos municípios --não fosse a evidência de que os parlamentares nunca se mostraram realmente preocupados em proteger os cofres públicos contra as investidas facilitadas, nesse quesito, pela Constituição de 1988.
Sob influência de teses descentralizadoras, a Carta ampliou as prerrogativas municipais e incentivou a fundação de novas unidades.
A transferência para as prefeituras de recursos e atribuições que estavam na alçada da União e dos Estados estimulou uma espécie de explosão cambriana de municípios: de 3.991, no início da década de 1980, passou-se aos atuais 5.570. Por certo não prevaleceram, nessa expansão, decisões criteriosas, com vistas a tornar a estrutura federativa mais eficiente.
Foi sobretudo o interesse local que se impôs, com políticos ávidos para criar cargos e gerir verbas.
Um primeiro e tardio gesto parlamentar no sentido de refrear o descalabro veio apenas em 1996, sob a forma de uma emenda constitucional que exigia a elaboração de lei complementar para regular o processo. Com um retardo de 17 anos, foi essa norma que os congressistas acabaram de aprovar.
É elogiável que se estabeleçam, enfim, requisitos menos flexíveis para o surgimento de entes municipais. Torna-se obrigatório, para requerer a autonomia, que um primeiro plebiscito demonstre o apoio de 20% da população afetada.
O requerimento às Assembleias Legislativas terá, além disso, de apresentar previamente um estudo de viabilidade municipal. Entre outras exigências, foram fixados patamares populacionais mínimos --6.000 habitantes no Norte e no Centro-Oeste; 8.500 no Nordeste; e 12 mil no Sul e no Sudeste.
A regulamentação, todavia, desperta apreensões. Estudos de viabilidade podem ser facilmente enviesados, e colocá-los em audiência pública por apenas um dia não parece garantia suficiente.
Na prática, segundo cálculos da Frente Parlamentar de Apoio à Criação de Novos Municípios, a moldura legal recém-criada já permite que se iniciem processos de emancipação em 188 distritos.
Caso as propostas se concretizem, o governo estima um acréscimo de gastos em torno de R$ 9 bilhões mensais. Como mais da metade dos municípios nem sequer arrecada 10% de suas receitas, a grande massa de recursos é repassada pela União e pelos Estados.
A tranca, portanto, além de providenciada com lastimável atraso, ainda deixa margem para manobras que podem levar a aumentos irracionais da despesa pública.
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