Marcelo de Paiva Abreu
O Estado de S. Paulo
A edição de 28/9 da revista The Economist incluiu matérias bastante críticas da gestão de Dilma Rousseff. A capa mostra um foguete no formato da estátua do Cristo Redentor que, após tentativa de lançamento, perde direção e vira busca-pé, prestes a despedaçar-se. É uma referência a outra capa, de 2009,que mostrava a mesma estátua na iminência de decolagem.
A capa de 2009 pareceu a muitos bastante exagerada. Não havia evidência de que o sucessor de Lula, provavelmente governista, pudesse ter mais apetite do que o governo anterior para promover reformas cuja premência já era mais do que evidente, tais como as relativas à melhoria da infraestrutura e aos diversos regimes previdenciários. De fato, as análises da revista haviam, especialmente no segundo mandato de Lula, tendido a moderaras críticas à óbvia irracionalidade de muitas políticas públicas. A tese era de que Lula era um luxo, quando contrastado com a turma de populistas na América Latina: Chávez, Correa e Cristina. O que escapou à revista foi que Lula, embora fosse o melhor dessa turma, não se diferenciava o bastante para implementar as reformas que poderiam assegurar a volta do crescimento rápido e sustentado.
Membros do governo e analistas chapa-branca têm tentado neutralizar as críticas atuais da revista com o argumento de que, da mesma forma que exagerou no otimismo em 2009, estaria agora exagerando nas críticas. O argumento não cabe. A avaliação de 2009 foi exageradamente otimista, sim, e mereceria autocrítica mais explícita pela revista. Já a análise atual está essencialmente correta.
O governo tem recorrido a truques contábeis para viabilizar aportes de recursos ao BNDES para que o banco apoie projetos questionáveis. A infraestrutura brasileira é vergonhosa e os esforços do governo para melhorá-la são lamentavelmente ineficientes. Não há empenho para minorar o estrago causado pelas contas da previdência. O governo concede favores à ineficiente indústria automotiva e penaliza a agricultura eficiente - que, apesar disso, tem ido bastante bem, por ter sido deixada em relativa paz pelo governo. O Brasil tem se escondido atrás do Mercosul e da busca do sucesso na Rodada Doha para não entabular negociações comerciais com seus principais parceiros.
A presidente aproveitou sua volta ao Twitter para "rebater" as críticas. A revista seria "desinformada". O Brasil teria tido o terceiro maior crescimento do PIB, no segundo trimestre, no mundo. Tudo culminando na estridente tentativa de levantar abandeira do nacionalismo demagógico: "Quem aposta contra o Brasil sempre perde".
É possível discordar da revista, especialmente no terreno político, pois a inércia da guerra fria ainda tem influência nas suas análises. Mas dificilmente poderia ser considerada desinformada. PIB trimestral do segundo semestre? Que tal um pouco de seriedade e admitir que o Brasil está crescendo, na melhor das hipóteses, a taxa três vezes menor do que as de seus colegas mais bem-sucedidos no bloco dos Brics? "Quem aposta contra o Brasil sempre perde" é uma fanfarronice demagógica. Finalmente, não parece apropriado a uma chefe de Estado, por menos razão que tenha, envolver-se em controvérsia com a imprensa.
The Economist não parece acreditar muito na sua incitação para que Dilma se regenere e promova reformas decentes. Mas, apesar de a matéria incluir análise realista quanto à próxima eleição presidencial, sublinhando a fraqueza das oposições, não há análise satisfatória da convivência de mau governo com altos índices de aprovação da presidente e do desempenho de seu ministério. É improvável que mesmo novos protestos, similares aos de junho, possam afetar permanentemente essa perniciosa relação. Constata-se com desalento que os marqueteiros estarão sempre a postos para remendar os índices de aprovação na entressafra de eventuais protestos.
Doutor em economia pela Universidade de Cambridge, é professor titular no Departamento de Economia da Puc-Rio
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