RAUL VELLOSO
O GLOBO
O aniversário de 25 anos da Constituição de 1988 cria um momento oportuno para discutir tendências de longo prazo
No curto prazo, a economia vive uma situação curiosa: a taxa de desemprego é baixa, e os salários têm crescido. Mas a inflação, além de situar-se ao redor de 6% ao ano, é cada vez mais renitente. Imagine se o câmbio voltar a pressionar. Parecia que a taxa de juros Selic tinha baixado para sempre. Voltou a subir e já é quase, de novo, recorde mundial. Como o governo não contrai o crescimento de seus gastos correntes e mantém inalterado o programa de desonerações tributárias a setores específicos, o Banco Central tem pouca escolha — reza para que choques favoráveis de determinados preços atuem a seu favor. A inflação resiste mesmo sob o controle artificial dos preços administrados. Enquanto o aumento dos preços livres chega à casa dos 9% ao ano, o daqueles é mantido próximo de 2%. Corremos o risco de atrair uma inflação corretiva difícil de equacionar, como já vimos no passado. Ela traz junto os efeitos desfavoráveis sobre os investimentos e, portanto, sobre a evolução futura da produção.
Dois outros problemas interligados tiram o sono do governo desde 2008: a queda dos investimentos em relação ao PIB e a estagnação da indústria de transformação, nesse caso porque os salários crescem acima da produtividade. A perda localiza-se mais na esfera de atuação privada, porque o governo já não investe bem há muito tempo. Por isso o PIB cresce pouco e não se vê um caminho claro para sua recuperação, ainda que parecido com o da fase 2004-2008, com percentuais ao redor de 4,5% ao ano. Como as baixas taxas de desemprego e as conquistas salariais recentes poderão se manter no futuro próximo, com a economia crescendo a taxas pífias? Ou seja, a fotografia é razoável, mas o filme pode ficar ruim.
A concessão de serviços públicos de infraestrutura, especialmente transportes e energia elétrica, tem sido pensada como solução para a carência dos investimentos. Aqui, infelizmente, o governo vem batendo cabeças, e o processo não decola satisfatoriamente. As intenções são as melhores possíveis, embora na prática, como tenho repetidamente ressaltado, ideologia e gestão pública de baixa qualidade têm travado o melhor andamento das concessões.
O aniversário de 25 anos da Constituição de 1988 cria um momento oportuno para discutir tendências de longo prazo. Na raiz de muitos dos problemas acima mencionados estão os atuais resultados fiscais insuficientes e a subjacente rigidez da despesa pública, em boa medida associados à implementação da Carta de 1988. Cabe, então, entender o processo que levou a isso e discutir o que vem pela frente.
Trata-se de outro trecho do roteiro em que o retrato razoável pode comprometer a fita. País pobre relativamente à média do mundo ocidental, o Brasil resolveu adotar uma rede de proteção comparável às vigentes nas principais democracias. O resultado é que hoje a União paga benefícios assistenciais e previdenciários a 50 milhões de pessoas, comprometendo 60% do orçamento. E deve atender, com transferência de dinheiro financiada por impostos, a mais da metade da população, se admitirmos que cada contracheque beneficia duas pessoas. Um exagero para um País no estágio do nosso, onde os programas assistenciais nem sempre contemplam os efetivamente mais pobres.
Em áreas como educação, até que não há carência aguda de recursos. O problema maior é a baixa eficiência do gasto público. Mas certamente ficou faltando dinheiro para investir em infraestrutura, crucial para o País crescer, e esse difícil quadro tende a piorar. Ainda somos uma economia de renda média, e, mesmo com uma população relativamente jovem, o percentual de idosos cresce a uma velocidade avassaladora. Estima-se, assim, que o gasto real total com benefícios previdenciários e assistenciais deva simplesmente dobrar nos próximos quarenta anos. Como vamos dar conta de pagar tudo isso? Um agravante: boa parte desses benefícios paga um salário mínimo, obra da Constituição de 1988. Uma vez que atualmente ele é reajustado pela inflação mais o crescimento do PIB, a conta implícita é explosiva.
Outro grande obstáculo é a exigência constitucional de o serviço público empregar exclusivamente por meio do regime estatutário, responsável por estabilidade no emprego e aposentadoria integral. Primeiro porque, em muitas atividades, a existência de um regime de pessoal mais flexível é fundamental para assegurar serviços de qualidade mínima. Segundo porque cria um grupo privilegiado de trabalhadores, admissível apenas em casos muito especiais.
Para financiar todos os aumentos de gastos, a carga tributária subiu assustadoramente nos últimos anos, situando-se acima da média mundial de grupos de países comparáveis ao Brasil. Além de sufocar o setor privado, terá, na ausência de reformas, de aumentar ainda mais para atender às demandas futuras. Ou, então, a hiperinflação terá de voltar para fazer o ajuste. Nesse caso, em vez de cenas de ação, poderemos assistir a um filme de terror.
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