O Globo
Quando fala em PAC, o governo e sua candidata vão além do trilhão. A verdade é outra: o Orçamento de 2010 prevê investimento de R$ 45 bilhões. Hoje, o investimento do governo federal está em 1,3% do PIB. Não mudou muito em relação ao passado. O que não para de crescer é a despesa corrente: pessoal, previdência, gastos de custeio.
E a carga tributária de um terço do PIB.
Hoje, é preciso paciência para entender os indicadores das contas públicas, tal o delírio de alguns números preparados para o palanque.
Além disso, os dados vão sendo mudados e não se parecem com eles mesmos, o que torna difícil qualquer comparação com anos anteriores.
As metas de superávit primário não apenas caíram, mas ficaram mais opacas, menos transparentes. Um dos inúmeros truques fiscais é ir descontando cada vez mais gastos da conta que vai se chegar à meta de superávit primário. Ouvi dois especialistas em contas públicas no programa que foi ao ar ontem na Globonews, Raul Velloso e Fábio Giambiagi, e os dois falaram desses “descontos” na meta.
— Antes, havia um rabicho na contabilidade que permitia descontar alguns gastos, mas essa possibilidade não foi usada nem no governo Fernando Henrique nem no começo do governo Lula. Agora, além da possibilidade que havia, estão sendo criadas novas fórmulas de desconto que vão tornando o número cada vez menos consistente — diz Giambiagi.
— A partir da crise, principalmente, começou uma licença para gastar e, agora, há uma licença para maquiar — diz Velloso.
Ele afirma que o problema com o gasto público é que ele “só sobe”. Não há um ano em que caia. Por isso, a tendência é sempre preocupante, já que há anos de crescimento econômico e outros não. Giambiagi alerta para o momento da mudança do mundo.
— Hoje, os juros estão perto de zero no mundo, e o Brasil está com 10,75%.
Parte da boa avaliação do país vem desses juros.
Quando as taxas subirem lá, eles podem encarar o Brasil de outra maneira, precisamos estar preparados — diz Giambiagi.
Há uma armadilha nas contas brasileiras, segundo Raul Velloso.
— Os gastos sobem e, por isso, os juros têm de ficar altos, o que reduz o crescimento do país. Nós estamos escolhendo crescer pouco — diz.
Nenhum candidato gosta de falar onde vai cortar e, quando fala em ajuste fiscal, diz genericamente, citando apenas um hipotético “corte de desperdícios”.
A candidata Dilma Rousseff afirmou que falar de ajuste fiscal é burrice. O candidato José Serra prometeu aumento de 10% nas pensões e aposentadorias, além de um salário mínimo de R$ 600.
O ajuste fiscal não é burrice nem ideia rudimentar. É o que há de inteligente a fazer. Por várias razões: a carga tributária tem aumentado constantemente, o que significa que o Estado tem pedido cada vez mais ao cidadão. Nos últimos 16 anos, a carga tributária aumentou seis pontos percentuais do PIB, mas esse número, em breve, subirá, porque a queda do ano passado não é tendência. Em 2003, também caiu, mas voltou a subir no ano seguinte.
Quando o cálculo da carga tributária de 2010 for divulgado, provavelmente, vai se constatar que ela subiu de novo. Se forem confirmados os números que estão sendo calculados com antecedência pelos especialistas, a carga saiu de 26% do PIB em 1995 para 35% em 2010. Uma trajetória sufocante para o contribuinte.
É burrice não perceber a contradição fiscal do país: no seu melhor momento em anos, está aumentando sua carga tributária e ainda tem déficit nominal.
Um país com essas características, é óbvio que precisa de um ajuste nas suas despesas.
Giambiagi mostrou no programa um gráfico impressionante.
As despesas de aposentadorias e pensões, descontada a inflação, estão crescendo sistematicamente acima do crescimento do PIB, em alguns casos, o dobro do PIB. Em 2007, cresceu na mesma proporção, e o único ano em que não cresceu em termos reais foi 2008. O ano foi diferente dos outros, pelo combate do governo às fraudes no auxílio-doença.
No ano passado, entretanto, para um PIB negativo ( 0,2%), o governo aumentou os gastos previdenciários em 7,5%. Uma insensatez, porque o Brasil está aumentando a carga sobre seus ombros exatamente no começo da subida do morro demográfico.
Por enquanto, alertam os especialistas, o Brasil ainda é um país de jovens, tem 25 milhões de aposentados para 190 milhões de habitantes. Esse é o começo do processo de envelhecimento da população e estamos crescendo o gasto com a previdência aceleradamente.
— Em 1988, o gasto da previdência era de 2,5% do PIB; hoje, é de 7,2%. Triplicou em 22 anos como proporção do PIB — conta Fábio Giambiagi.
Por enquanto, tudo parece bem, porque o mundo piorou tanto que, na comparação, o Brasil fica até bem. Mas isso só tranquiliza quem não vê o quadro inteiro. O país tem piorado muito mais do que aparece nos números, simplesmente porque os números vão paulatinamente deixando de ser confiáveis.
No Brasil, o Ministério da Fazenda sempre tentava controlar os gastos, enfrentando as pressões dos ministérios gastadores de todos os lados.
Agora, ele passou a ser a central da gastança e, além disso, da produção de maquiagem contábil. O país conta com poucas barreiras. Esta semana, Marinus Marsico, procurador do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União, impediu que se fizesse mais uma manobra contábil para esconder os gastos, desta vez, com as renúncias fiscais.
oglobo.com.br/miriamleitao • e-mail:miriamleitao@oglobo.com.br
E a carga tributária de um terço do PIB.
Hoje, é preciso paciência para entender os indicadores das contas públicas, tal o delírio de alguns números preparados para o palanque.
Além disso, os dados vão sendo mudados e não se parecem com eles mesmos, o que torna difícil qualquer comparação com anos anteriores.
As metas de superávit primário não apenas caíram, mas ficaram mais opacas, menos transparentes. Um dos inúmeros truques fiscais é ir descontando cada vez mais gastos da conta que vai se chegar à meta de superávit primário. Ouvi dois especialistas em contas públicas no programa que foi ao ar ontem na Globonews, Raul Velloso e Fábio Giambiagi, e os dois falaram desses “descontos” na meta.
— Antes, havia um rabicho na contabilidade que permitia descontar alguns gastos, mas essa possibilidade não foi usada nem no governo Fernando Henrique nem no começo do governo Lula. Agora, além da possibilidade que havia, estão sendo criadas novas fórmulas de desconto que vão tornando o número cada vez menos consistente — diz Giambiagi.
— A partir da crise, principalmente, começou uma licença para gastar e, agora, há uma licença para maquiar — diz Velloso.
Ele afirma que o problema com o gasto público é que ele “só sobe”. Não há um ano em que caia. Por isso, a tendência é sempre preocupante, já que há anos de crescimento econômico e outros não. Giambiagi alerta para o momento da mudança do mundo.
— Hoje, os juros estão perto de zero no mundo, e o Brasil está com 10,75%.
Parte da boa avaliação do país vem desses juros.
Quando as taxas subirem lá, eles podem encarar o Brasil de outra maneira, precisamos estar preparados — diz Giambiagi.
Há uma armadilha nas contas brasileiras, segundo Raul Velloso.
— Os gastos sobem e, por isso, os juros têm de ficar altos, o que reduz o crescimento do país. Nós estamos escolhendo crescer pouco — diz.
Nenhum candidato gosta de falar onde vai cortar e, quando fala em ajuste fiscal, diz genericamente, citando apenas um hipotético “corte de desperdícios”.
A candidata Dilma Rousseff afirmou que falar de ajuste fiscal é burrice. O candidato José Serra prometeu aumento de 10% nas pensões e aposentadorias, além de um salário mínimo de R$ 600.
O ajuste fiscal não é burrice nem ideia rudimentar. É o que há de inteligente a fazer. Por várias razões: a carga tributária tem aumentado constantemente, o que significa que o Estado tem pedido cada vez mais ao cidadão. Nos últimos 16 anos, a carga tributária aumentou seis pontos percentuais do PIB, mas esse número, em breve, subirá, porque a queda do ano passado não é tendência. Em 2003, também caiu, mas voltou a subir no ano seguinte.
Quando o cálculo da carga tributária de 2010 for divulgado, provavelmente, vai se constatar que ela subiu de novo. Se forem confirmados os números que estão sendo calculados com antecedência pelos especialistas, a carga saiu de 26% do PIB em 1995 para 35% em 2010. Uma trajetória sufocante para o contribuinte.
É burrice não perceber a contradição fiscal do país: no seu melhor momento em anos, está aumentando sua carga tributária e ainda tem déficit nominal.
Um país com essas características, é óbvio que precisa de um ajuste nas suas despesas.
Giambiagi mostrou no programa um gráfico impressionante.
As despesas de aposentadorias e pensões, descontada a inflação, estão crescendo sistematicamente acima do crescimento do PIB, em alguns casos, o dobro do PIB. Em 2007, cresceu na mesma proporção, e o único ano em que não cresceu em termos reais foi 2008. O ano foi diferente dos outros, pelo combate do governo às fraudes no auxílio-doença.
No ano passado, entretanto, para um PIB negativo ( 0,2%), o governo aumentou os gastos previdenciários em 7,5%. Uma insensatez, porque o Brasil está aumentando a carga sobre seus ombros exatamente no começo da subida do morro demográfico.
Por enquanto, alertam os especialistas, o Brasil ainda é um país de jovens, tem 25 milhões de aposentados para 190 milhões de habitantes. Esse é o começo do processo de envelhecimento da população e estamos crescendo o gasto com a previdência aceleradamente.
— Em 1988, o gasto da previdência era de 2,5% do PIB; hoje, é de 7,2%. Triplicou em 22 anos como proporção do PIB — conta Fábio Giambiagi.
Por enquanto, tudo parece bem, porque o mundo piorou tanto que, na comparação, o Brasil fica até bem. Mas isso só tranquiliza quem não vê o quadro inteiro. O país tem piorado muito mais do que aparece nos números, simplesmente porque os números vão paulatinamente deixando de ser confiáveis.
No Brasil, o Ministério da Fazenda sempre tentava controlar os gastos, enfrentando as pressões dos ministérios gastadores de todos os lados.
Agora, ele passou a ser a central da gastança e, além disso, da produção de maquiagem contábil. O país conta com poucas barreiras. Esta semana, Marinus Marsico, procurador do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União, impediu que se fizesse mais uma manobra contábil para esconder os gastos, desta vez, com as renúncias fiscais.
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