terça-feira, 28 de setembro de 2010

Sobre as mudanças climáticas

.
Anthony Giddens e Martin Rees
Valor Econômico - 24/09/2010
.
Endereçamos esta carta aos líderes políticos e empresariais e ao público em geral. Este ano foi testemunha de surtos climáticos extremos em muitas regiões do mundo. Ninguém pode dizer com certeza que eventos como as inundações no Paquistão, os episódios climáticos sem precedentes vistos em algumas partes dos Estados Unidos, a onda de calor e a seca na Rússia ou as enchentes e desmoronamentos no norte da China foram influenciados pelas mudanças climáticas. Ainda assim, constituem um alerta gritante. Os eventos climáticos extremos aumentarão em frequência e intensidade à medida que o mundo se aquecer.

Não foram alcançados acordos de cumprimento obrigatório nos encontros da CoP-15, realizados em Copenhague, em dezembro. O vazamento de e-mails trocados entre cientistas da University of East Anglia, que segundo críticos mostrou a manipulação de dados, receberam grande atenção - assim como os erros encontrados nos volumes preparados pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês). Muitos jornais, especialmente da direita política, publicaram manchetes de que o aquecimento global acabou ou que não é mais um problema.

Não há como enfatizar o fato de que continuam intactas as descobertas científicas básicas sobre as mudanças climáticas induzidas pelo homem e os perigos que representam para nosso futuro coletivo. O fato relevante mais importante é baseado em cálculos incontestáveis: a concentração de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera é maior agora do que, pelo menos, no último meio milhão de anos. Aumentou 30% desde o início da era industrial, principalmente em função da queima de combustíveis fósseis. Se o mundo continuar a depender dos combustíveis fósseis como depende agora, o CO2 atingirá o dobro do patamar da era pré-industrial dentro do próximo meio século. Esse aumento está desencadeando um aquecimento de longo prazo, cujas razões físicas são bem conhecidas e demonstráveis em laboratório.

Dados da Agência Nacional Atmosférica e Oceânica (NOAA, na sigla em inglês) dos EUA mostram que 2010 caminha para ser o ano mais quente desde o início dos registros em 1880. Junho de 2010 foi o 304º mês consecutivo em que a temperatura nos oceanos e em terra ficou acima da média do século XX. Um informe elaborado pela NOAA em 2009 analisou as descobertas de cerca de 50 registros independentes de monitoração das mudanças de temperatura, envolvendo dez índices. Os dez indicadores mostraram um claro padrão, de aquecimento no último meio século.

É necessário um empuxo renovado para acordar o mundo de seu torpor. Os eventos catastróficos citados acima deveriam proporcionar o estímulo. As enchentes no Paquistão deixaram cerca de 20 milhões de pessoas desabrigadas. Não se pode deixar o Paquistão afundar - nem os demais países pobres, muitos dos quais são vulneráveis a eventos climáticos catastróficos. Os líderes mundiais deveriam apressar e acelerar as discussões atualmente em andamento para fornecer financiamento em larga escala para os países mais pobres desenvolverem infraestrutura para lidar com futuros choques climáticos.

Os EUA e a China são de longe os maiores poluidores do mundo, contribuindo com mais de 40% das emissões mundiais totais. A União Europeia (UE) aplica políticas progressivas de contenção das emissões de dióxido de carbono de seus países. Porém, independente do que a UE e o resto do mundo fizerem, se EUA e China não alterarem suas políticas atuais haverá pouca ou nenhuma esperança de conter as mudanças climáticas. Os EUA têm 4% da população mundial, mas despejam 25% das emissões de todo o mundo. Com ou sem lei federal, os EUA precisam assumir uma maior liderança nos esforços mundiais para frear as mudanças climáticas. O presidente Obama deveria reafirmar que conter as mudanças climáticas é uma das maiores prioridades de seu governo. Estão ocorrendo iniciativas positivas na esfera das comunidades locais, organizações do terceiro setor, cidades e Estados. Esses grupos precisam exercer pressão em muitos níveis diferentes para promover uma redução significativa das emissões no país.

Os líderes da China mostram consciência cada vez maior do grau de vulnerabilidade do país às mudanças climáticas e estão investindo em tecnologia renovável e energia nuclear em escala substancial. As emissões de dióxido de carbono chinesas, no entanto, aumentam de forma constante. A China tem o direito e a necessidade de se desenvolver, mas são necessários planos muitos mais claros que os atuais para mostrar como o país pretende sair de seu caminho de altas emissões de dióxido de carbono. A liderança chinesa deveria formular tais planos, divulgá-los e abri-los para a avaliação internacional. A atual ênfase em melhorar a eficiência energética é importante, mas não chega nem perto do suficiente para traçar seriamente um novo caminho. A Rússia é o terceiro maior emissor de gases causadores do efeito estufa, atrás dos EUA e China. O presidente Medvedev propôs metas para o país, mas em sua atual forma são vazias. Calculadas usando 1990 como base, são atingidas simplesmente com o declínio da indústria pesada do país, pouco competitiva.

Acima de tudo, o que se precisa é renovar o ímpeto de colaboração internacional. Os encontros da Organização das Nações Unidas (ONU), marcados para dezembro em Cancún, trazem poucas promessas de iniciar políticas na escala necessária. EUA, China, UE e outros grandes países, como Brasil e Índia, prestando a devida atenção aos interesses dos países menores, deveriam trabalhar juntos para tentar introduzir um maior senso de urgência ao processo. Por fim, não se conseguirá limitar as emissões de dióxido de carbono apenas por meio de regulamentações e metas - a inovação, social, econômica e tecnológica, será primordial. Líderes empresariais mais esclarecidos deveriam intensificar suas tentativas nesse sentido. As recompensas, afinal, são imensas. As ações necessárias para conter essa ameaça - a transição para um estilo de vida que dependa de energia limpa e eficiente - criará múltiplas novas oportunidades econômicas.
.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

GEOMAPS


celulares

ClustMaps