quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Uma campanha de propostas irreais

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.O Globo - 23/09/2010
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.Nada a opor à enxurrada de promessas feitas ao eleitorado. É da essência do processo eleitoral democrático tentar atrair apoio por meio de críticas ao adversário e de acenos de medidas que supostamente melhorarão a qualidade de vida da população. Feitas as propostas, debatidas as ideias, vota-se nos candidatos.

Neste aspecto, a campanha de 2010 não é animadora. E já começou mal quando os dois principais aspirantes a presidente, a petista Dilma Rousseff e o tucano José Serra, escorregaram no cumprimento da determinação legal do envio dos respectivos programas de governo à Justiça.

A ex-ministra despachou um texto rubricado - mas não lido, justificou depois -, com algumas políticas dirigistas, radicais, elaboradas pelo núcleo de esquerda autoritária do governo Lula. Diante da repercussão, a campanha de Dilma retirou o documento, enquanto Serra tentava justificar o fato de haver remetido burocraticamente uma enfadonha coletânea de discursos. Mas, no decorrer da campanha, sugestões objetivas poderiam ser apresentadas ao debate. De fato, na reta final para a votação no primeiro turno, acumula-se uma razoável quantidade de promessas. O problema passou a ser outro: muitas são inexequíveis, não passam de tentativas demagógicas de atrair a simpatia do eleitor, de vender ilusões. Elas não condizem com a realidade da economia brasileira, nem diante do cenário de incertezas em que se encontra o mundo.

Chama a atenção que o candidato José Serra enverede pelo caminho das promessas de ampliação dos gastos em custeio, sem sustentação no perfil do Orçamento, a cada ano mais estrangulado por este tipo de despesa. Só a ideia de dar um aumento de 10% aos aposentados criará uma conta adicional de quase R$20 bilhões anuais, bem mais que um Bolsa Família. E quanto a este programa, a iniciativa de Serra de criar um décimo terceiro benefício anual, se efetivada, será mais um erro do ponto de vista fiscal, além de um equívoco político, por equiparar o benefício a uma espécie de salário. Se repasses assistencialistas são de difícil corte, caso eles passem a ser confundidos com remuneração mensal, aumentarão as dificuldades de uma futura revisão.

As cifras das obras listadas pelos candidatos também escapam às condições da vida real. Dilma Rousseff, como mostrou reportagem do GLOBO de domingo, faz dez propostas, com uma soma de gastos de R$287, 8 bilhões em quatro anos. Equivalem a dez vezes mais o investido no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) no ano passado. A impossibilidade de esta meta ser atingida é evidente.

A verde Marina Silva é econômica ao falar em obras. Mas se compromete a aplicar R$20 bilhões por ano em saneamento - setor carente, é certo. A dúvida é se, dadas as condições agrestes criadas pela má gerência pública e a burocracia do setor público, isso será possível. A julgar pela experiência dos últimos anos, não será.

É possível que as repercussões ruidosas em torno da invasão de arquivos fiscais sigilosos de tucanos sob a guarda da Receita Federal e das malfeitorias da grande família de Erenice Guerra tenham prejudicado uma avaliação ampla dos programas. A ausência da candidata oficial de alguns debates também não ajudou. Mas ainda resta algum tempo para cobranças e maiores explicações das campanhas.
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