quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Um copo pela metade

Alguns fatores auxiliam na redução da insegurança alimentar. 
Dentre eles destaco o acesso ao cidadão, mesmo com baixo poder de compra, à informação o que lhe gera uma capacidade, ainda que tênue, de cobrança.
Investimentos adequados em setores básicos permitem uma melhor inserção do cidadão à melhores condições de vida.
Há que se destacar, contudo, a questão das dificuldades estruturais que os países, notadamente os do mar do Caribe e os singrados pela cordilheira dos Andes enfrentam em produzir colheitas diversificadas e competitivas.


Um copo pela metade
José Graziano da Silva
Valor Econômico - 16/09/2010

Dados recém-divulgados sobre fome e pobreza na América Latina e Caribe autorizam um otimismo crítico em relação ao pós-crise na região, derivado do desempenho regional em relação ao objetivo número 1 das Metas do Milênio, que trata da redução de 50% da fome e da miséria até 2015, comparado aos níveis vigentes em 1990.
A Cepal estima que, entre 2002 e 2008, o contingente da pobreza extrema recuou de 22,5% para 12,9%. Em relação à segurança alimentar, a explosão dos preços agrícolas (2006/08) e a crise fizeram o contingente de subnutridos aumentar para 53,1 milhões de pessoas ao final de 2009, quase o mesmo nível de 1990, depois de haver se reduzido a 47,1 milhões no período 2005-2007.

Segundo as novas cifras da fome no mundo apresentadas há poucos dias pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO na sigla em inglês), as projeções para 2010 mostram uma inflexão positiva nesse universo, que agora reúne 52,5 milhões de pessoas. A diferença é pequena, da ordem de 1%. Mas o sinal é coerente com a reversão da linha da iniquidade, graças a uma inédita ênfase dos países nas políticas sociais.

Há obstáculos, porém, ao avanço desse guarda-chuva de inclusão. Seu alcance não terá maior contundência enquanto persistirem gargalos atávicos das sociedades locais, como a má distribuição da terra e a anêmica capacidade fiscal da grande maioria dos Estados nacionais.

Ademais, os resultados escondem assimetrias. Enquanto um punhado de países como Brasil, Chile e Peru - seguido por México, Equador e Costa Rica - percorreu ou está muito próximo de concluir a meta de reduzir a extrema pobreza pela metade, economias mais pobres, casos de Honduras, Bolívia e Paraguai, entre outras, encontram-se bem longe da meta.

A mesma disparidade ocorre em relação à luta contra a fome. No período 2005-2007, por exemplo, países como Nicarágua, Jamaica e Guiana já haviam reduzido pela metade a população subnutrida, enquanto Honduras, Brasil, Peru e Colômbia estavam próximos de fazê-lo. No entanto, cinco outros casos (República Dominicana, Haiti, Bolívia, Suriname e Trinidad e Tobago) praticamente não registravam avanços, ou, pior ainda, a Guatemala, mostrava um nível de subnutrição mais grave que no início da década de 90.

Não é por acaso que a erradicação da miséria e da fome figura como o primeiro Objetivo do Desenvolvimento do Milênio. Sem avanços substantivos nessa frente, os demais elos da justiça social não evoluem. Os riscos são tão maiores quando se sabe que a instável recuperação mundial não exclui uma recidiva da crise.

Apesar de algumas incertezas em relação à oferta, a FAO não vê, por ora, razões para uma nova alta dos preços, a exemplo da que elevou a cerca de 1 bilhão o total de famintos no planeta, em 2008. Outros flancos, todavia, emergem no vazio de governança pós-crise. Capitais especulativos ensaiam novas aventuras no mercado de commodities.

As ambiguidades desse cenário ocupam a pauta da FAO na reunião de setembro e outubro, em Roma, que vai consolidar a reforma do seu Comitê de Segurança Alimentar (CSA), emprestando-lhe maior abrangência para incorporar representantes da sociedade civil, tanto das organizações não governamentais, quanto do setor privado.

A recomposição dos estoques de segurança é uma prioridade para reduzir as incertezas atuais. A adoção de ajustes para que as Bolsas de futuros voltem a exercer seu papel de âncora do produtor, e não um espaço autônomo da especulação, é outra urgência. Reorientar a ajuda ao desenvolvimento também é uma preocupação que deverá estar presente na agenda do CSA.

Em maior ou menor grau, o desempenho regional durante a crise comprovou que a luta contra a pobreza e a fome ganha pontos quando deixa de ser encarada como responsabilidade subsidiária dos mercados para figurar como uma das balizas da ação pública que qualifica a abrangência e a direção do crescimento.

O Brasil emerge como principal referência dessa nova postura e uma das alavancas indutoras da evolução regional na consecução das metas para 2015. Convivem na América Latina e Caribe inúmeros programas de transferência de renda e combate a fome. Nenhum, porém, reúne como no caso do Fome Zero, um conjunto tão articulado de ações - entre elas, o Bolsa Família, a valorização do salário mínimo, o crédito popular e o fomento à agricultura familiar.

A síntese mais expressiva desse arcabouço, evidenciada na PNAD, é que pelo quinto ano consecutivo houve elevação do rendimento médio do trabalho permitindo que mais de dois milhões de brasileiros deixassem a pobreza entre 2008 e 2009 em pleno auge da crise mundial.

O consenso em relação às políticas sociais na atual campanha presidencial é outra evidencia de que um novo padrão de desenvolvimento caminha para nortear o crescimento do país, com reflexos inevitáveis nas demais economias da região. Seu bônus catalisador é a demonstração crescente, ancorada em resultados, de que mais justiça social redunda em maior legitimidade política. E isso amplia a margem de manobra para agregar reforma tributária e maior igualdade à mecânica do desenvolvimento sustentável.
.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

GEOMAPS


celulares

ClustMaps