Miriam Leitão O GLOBO - 22/09/10
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.É evidente que houve um aumento da corrupção no governo. Houve um momento em que era comum dizer que o rigor da apuração dava a impressão de mais corrupção. Agora, é difícil esconder. O caso Erenice traz sinais inquietantes.
Um deles é a sem-cerimônia com que uma família no coração do governo se espalhou em lobbies, nepotismo, conflitos de interesse.
Cinco anos depois do mensalão, e já sabedores de que alguns dos suspeitos de 2005 hoje respondem a processo no Supremo Tribunal Federal, os integrantes do grupo em torno da ex-ministrachefe da Casa Civil faziam seus negócios. Mesmo que se desconsiderem todos os pontos ainda obscuros ou inconsistentes, ainda assim, o que resta é prova clara de que há uma sensação de impunidade no governo.
O ano de 2005 ficará como marco de uma fronteira, e ela não é boa. Naquele ano, após as longas noites que os cidadãos ficaram de vigília acompanhando as estarrecedoras confissões e depoimentos dos responsáveis pelo caso do mensalão, o país tinha dois caminhos: encobrir ou enfrentar. Escolheu o pior. O melhor seria ter debatido a construção dos mecanismos de proteção da sociedade brasileira contra a repetição dos mesmos eventos.
O que acabou prevalecendo foi o caminho das versões mutantes do presidente da República, que saiu do “fui traído”, para a versão mais conveniente que é a de dizer que é vítima da “elite”.
O Brasil está num momento importante da sua história.
Venceu vários obstáculos, fez reformas modernizantes, estabilizou a economia e começa a incluir os que estavam à margem do progresso. Isso foi feito por governos diferentes. Somos considerados no mundo um caso de sucesso, temos algumas vantagens em relação aos concorrentes, podemos atrair capital que financie o nosso desenvolvimento.
A corrupção, no entanto, é um entrave político e econômico.
Na política, por óbvio.
A qualidade das instituições está se deteriorando.
Depois do deprimente espetáculo de políticos da base recebendo dinheiro distribuído por um fornecedor do governo, do escatológico dinheiro na cueca, o país não melhorou. Novos escândalos surgiram. No Executivo e no Congresso. O caso do DEM de Brasília, por ter sido tão bem documentado, deixou nas retinas as imagens da corrupção em mãos, meias, paletós, sacolas e bolsas. O resto é um certo cansaço do cidadão, como se tudo isso fizesse parte da paisagem.
Outra forma de distorção é o uso abusivo da máquina pública para fins partidários.
A saída do governo, para fugir da acusação de crime político de espionagem de adversários, foi a de rebaixar uma instituição como a Receita a uma recorrente praticante de crime comum.
A compra de dossiê forjado para combater adversários foi banalizada, depois que nada aconteceu com pessoas do comitê de campanha do presidente da República em 2006, que foram apanhadas com a extravagante quantia de R$ 1,7 milhão em dinheiro vivo.
O rebaixamento dos padrões morais e a repetição produzem descrença no cidadão.
Parece um filme visto e revisto. As autoridades afirmam nada saber e invocam o princípio jurídico da dúvida em favor do réu.
Que ninguém duvide que esse princípio é fundamental.
Mas está na hora de alguém invocar um princípio que proteja a vítima da repetição incessante dos desvios do dinheiro coletivo.
Na economia, os reflexos não são menos corrosivos.
Aumentam custos, induzem à ineficiência. Como o grande mercado de qualquer economia é o de compras governamentais de mercadorias e serviços, e como é o setor público que distribui licenças de operação de serviços, todas as empresas se organizam na lógica da corrupção. Em vez de buscar a eficiência, se esforçar por uma tecnologia ou um processo de produção mais barato para ganhar a licitação, é muito mais lucrativo recrutar quem sabe entregar o envelope à pessoa certa. Os funcionários das empresas que sabem aumentar a eficiência, reduzir o custo ou promover o salto tecnológico do produto a ser vendido ao Estado têm menos importância do que os que conhecem corredores, gavetas, bolsos ou contas bancárias das pessoas certas.
Dessa forma, cria-se um ambiente de contágio mútuo, um círculo vicioso. Quanto mais a empresa corrompe, mais o Estado é corrompido.
Quanto mais o Estado é corrompido, mais qualquer negócio com ele só pode ser feito mediante o pagamento por fora. Quanto mais se paga propina, mais o serviço encarece e perde qualidade.
Quanto mais avança esse processo, mais se criam privilégios e cartórios.
Num país assim, os melhores investidores não entram.
O risco e o grau de incerteza crescem. O país passa a atrair investidores que sabem jogar o mesmo jogo e isso acaba contaminando também o capital externo que entra.
A corrupção tem de ser vencida, porque é um obstáculo ao progresso político, econômico e institucional.
Mas essa grave barreira ao nosso futuro é discutida aos espasmos, a cada novo escândalo. A solução não é pregar o moralismo que já nos levou a outros descaminhos.
A solução sempre será prestação de contas, transparência e punição.
Um deles é a sem-cerimônia com que uma família no coração do governo se espalhou em lobbies, nepotismo, conflitos de interesse.
Cinco anos depois do mensalão, e já sabedores de que alguns dos suspeitos de 2005 hoje respondem a processo no Supremo Tribunal Federal, os integrantes do grupo em torno da ex-ministrachefe da Casa Civil faziam seus negócios. Mesmo que se desconsiderem todos os pontos ainda obscuros ou inconsistentes, ainda assim, o que resta é prova clara de que há uma sensação de impunidade no governo.
O ano de 2005 ficará como marco de uma fronteira, e ela não é boa. Naquele ano, após as longas noites que os cidadãos ficaram de vigília acompanhando as estarrecedoras confissões e depoimentos dos responsáveis pelo caso do mensalão, o país tinha dois caminhos: encobrir ou enfrentar. Escolheu o pior. O melhor seria ter debatido a construção dos mecanismos de proteção da sociedade brasileira contra a repetição dos mesmos eventos.
O que acabou prevalecendo foi o caminho das versões mutantes do presidente da República, que saiu do “fui traído”, para a versão mais conveniente que é a de dizer que é vítima da “elite”.
O Brasil está num momento importante da sua história.
Venceu vários obstáculos, fez reformas modernizantes, estabilizou a economia e começa a incluir os que estavam à margem do progresso. Isso foi feito por governos diferentes. Somos considerados no mundo um caso de sucesso, temos algumas vantagens em relação aos concorrentes, podemos atrair capital que financie o nosso desenvolvimento.
A corrupção, no entanto, é um entrave político e econômico.
Na política, por óbvio.
A qualidade das instituições está se deteriorando.
Depois do deprimente espetáculo de políticos da base recebendo dinheiro distribuído por um fornecedor do governo, do escatológico dinheiro na cueca, o país não melhorou. Novos escândalos surgiram. No Executivo e no Congresso. O caso do DEM de Brasília, por ter sido tão bem documentado, deixou nas retinas as imagens da corrupção em mãos, meias, paletós, sacolas e bolsas. O resto é um certo cansaço do cidadão, como se tudo isso fizesse parte da paisagem.
Outra forma de distorção é o uso abusivo da máquina pública para fins partidários.
A saída do governo, para fugir da acusação de crime político de espionagem de adversários, foi a de rebaixar uma instituição como a Receita a uma recorrente praticante de crime comum.
A compra de dossiê forjado para combater adversários foi banalizada, depois que nada aconteceu com pessoas do comitê de campanha do presidente da República em 2006, que foram apanhadas com a extravagante quantia de R$ 1,7 milhão em dinheiro vivo.
O rebaixamento dos padrões morais e a repetição produzem descrença no cidadão.
Parece um filme visto e revisto. As autoridades afirmam nada saber e invocam o princípio jurídico da dúvida em favor do réu.
Que ninguém duvide que esse princípio é fundamental.
Mas está na hora de alguém invocar um princípio que proteja a vítima da repetição incessante dos desvios do dinheiro coletivo.
Na economia, os reflexos não são menos corrosivos.
Aumentam custos, induzem à ineficiência. Como o grande mercado de qualquer economia é o de compras governamentais de mercadorias e serviços, e como é o setor público que distribui licenças de operação de serviços, todas as empresas se organizam na lógica da corrupção. Em vez de buscar a eficiência, se esforçar por uma tecnologia ou um processo de produção mais barato para ganhar a licitação, é muito mais lucrativo recrutar quem sabe entregar o envelope à pessoa certa. Os funcionários das empresas que sabem aumentar a eficiência, reduzir o custo ou promover o salto tecnológico do produto a ser vendido ao Estado têm menos importância do que os que conhecem corredores, gavetas, bolsos ou contas bancárias das pessoas certas.
Dessa forma, cria-se um ambiente de contágio mútuo, um círculo vicioso. Quanto mais a empresa corrompe, mais o Estado é corrompido.
Quanto mais o Estado é corrompido, mais qualquer negócio com ele só pode ser feito mediante o pagamento por fora. Quanto mais se paga propina, mais o serviço encarece e perde qualidade.
Quanto mais avança esse processo, mais se criam privilégios e cartórios.
Num país assim, os melhores investidores não entram.
O risco e o grau de incerteza crescem. O país passa a atrair investidores que sabem jogar o mesmo jogo e isso acaba contaminando também o capital externo que entra.
A corrupção tem de ser vencida, porque é um obstáculo ao progresso político, econômico e institucional.
Mas essa grave barreira ao nosso futuro é discutida aos espasmos, a cada novo escândalo. A solução não é pregar o moralismo que já nos levou a outros descaminhos.
A solução sempre será prestação de contas, transparência e punição.
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