terça-feira, 28 de junho de 2011

Desenvolvimentismo x ortodoxia: convergências


Cézar Medeiros
Valor Econômico


Esse modelo é garantia de que o Brasil sustentará o ciclo de crescimento em curso



Convergências entre a ortodoxia e o desenvolvimentismo vem experimentando transformações gradativas entre 2003/2011.

Durante a primeira fase do governo Lula, entre 2003-2005, a política macroeconômica ortodoxa foi predominante em relação à retomada do crescimento devido às necessidades de impedir o recrudescimento da inflação, minimizar a vulnerabilidade externa e os desequilíbrios das contas públicas herdados do governo anterior. Porém, o novo governo iniciou a implementação de políticas de inclusão social via programas de transferência de renda (Bolsa Família, Luz para Todos, Pronaf, microcrédito, bancarização, etc.), bases para expansão do mercado interno.

A nova equipe econômica passou a contar com maior participação do segmento desenvolvimentista no processo da tomada de decisões. A partir de 2006 foram lançadas políticas de valorização do salário mínimo, política industrial e tecnológica - Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE) -, programas de investimentos em infraestrutura - Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e o lançamento da Estratégia Nacional de Defesa (END) com forte viés industrial e tecnológico. No entanto, a ortodoxia liderada pelo BC ainda foi predominante com o argumento da necessidade de preservação do poder aquisitivo das classes trabalhadoras.

Em outras palavras: nestes dois primeiros períodos, a manutenção do poder aquisitivo, particularmente das classes E, D e parcela da C, sintetiza a convergência entre as duas equipes ou duas linhas de pensamento econômico. Entre 2008-2010, diante da crise internacional, políticas anticíclicas foram adotadas e resultaram em avanços na convergência.

O desenvolvimentismo ganha maior força com o aumento dos gastos fiscais e a redução, ainda que tardia, da Selic e dos depósitos compulsórios. Além disso, foram adotadas: desonerações fiscais para setores dinâmicos (automóveis, bens duráveis, materiais de construção); projetos de infraestrutura contemplados pelo PAC; uso intensivo dos bancos oficiais, seja via reforços do orçamento do BNDES, para implementação de investimentos prioritários do PAC, da PDP e do Programa de Sustentação do Investimento (PSI). O BB e CEF foram fortalecidos para expandir o crédito e para adquirirem carteiras de empréstimos de bancos menores; os planos de investimentos das empresas estatais (Petrobras, Eletrobras, etc,) foram ampliados e acelerados. Em 2009 o governo lançou ousado programa de habitação popular (Minha Casa Minha Vida).

No final de 2010, o Banco Central passou a adotar medidas macroprudenciais - da combinação de instrumentos de política monetária: juros, compulsórios, prazos e maiores exigências de capital das instituições financeiras.

As medidas adotadas durante os 120 primeiros dias do governo Dilma, fortalecem, ainda mais, as convergências entre o desenvolvimentismo e a ortodoxia. De um lado, estão previstos cortes superiores a R$ 50 bilhões no orçamento federal, mas preservadas e aprofundadas as prioridades sociais, e os investimentos estratégicos.

Do outro lado, o Banco Central vem anunciando mudanças metodológicas para controlar a inflação. Além do boletim Focus, já vem utilizando informações das classes produtoras e de instituições para-acadêmicas (CNI, FGV, etc), mas, principalmente de seus próprios indicadores e do comportamento de indexadores, capazes de verificar o comportamento de preços internos e os impactos da evolução dos preços internacionais. Vem também sinalizando avanços metodológicos para compatibilizar o controle da inflação com o crescimento econômico.

Nesse contexto, cabe esperar que o BC aperfeiçoe seus mecanismos de acompanhamento setorial. As projeções sobre o comportamento da demanda, devem ser acompanhados de projeções de oferta por setor, capazes de identificar, precocemente, aqueles que poderão apresentar esgotamentos da capacidade instalada, o que possibilitará ao governo promover investimentos setoriais, seja por meio de estímulos fiscais e creditícios, seja flexibilizando, seletivamente, depósitos compulsórios.

Ou seja: o BC começa a reservar espaços para políticas de crescimento e o governo procura aprimorar e otimizar a programação orçamentária.

Nesse contexto, é de se esperar que, diante dos novos indicadores de preços, o BC tenha encerrado o processo de elevações da taxa Selic e que, pós acomodação das taxas de crescimento e de preços de commodities, comece a praticar a flexibilização seletiva de redução das taxas de juros e de depósitos compulsórios, bem como de fixação de prazos para empréstimos na direção da retomada do crescimento.

É necessário chamar a atenção, contudo, que compatibilizar o controle da inflação, a expansão do nível de emprego, do poder aquisitivo das classes de menor renda, de aumentos reais do salário e da renda disponível contemplados no modelo de estruturação de um amplo mercado interno de massas, exigem significativas elevações da produtividade. Ousados programas para educação e para maior qualificação profissional; políticas industriais/tecnológicas avançadas; reformas dos sistemas tributário, previdenciário e trabalhista; aceleração dos projetos de infraestrutura (logística - rodovias, ferrovias, aquavias, portos, aeroportos -, energia, comunicações, saneamento básico, etc.).

Conclusão, quanto maior a convergência entre o desenvolvimentismo e a ortodoxia, maior a garantia de que o Brasil sustentará o novo ciclo de desenvolvimento em curso: crescimento acompanhado de maior competitividade da estrutura produtiva e da estruturação de uma ampla sociedade de classe média via aumento do poder aquisitivo das classes E, D e C.

Cézar Medeiros é doutor em Economia pelo IE-UFRJ
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