quinta-feira, 30 de junho de 2011

No Reino dos Coliformes

Após oito anos de um governo que obteve 87% de aprovação os fatos desnudam a complexidade de se gerir um país da estatura do Brasil que requer um estadista no comando e não governante.
Contra tais fatos não há argumentos sustentáveis.

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Claudio de Moura Castro 
Veja 



Fui visitar uma escola rural cuja reconstrução estava na etapa final. Ela tinha tudo, quadra esportiva, computadores e belos espaços. Como atrás do prédio havia um riacho simpático, indaguei se a escola tinha fossa séptica. Ponderei, diante da resposta negativa: como ensinariam boas práticas de meio ambiente se jogavam cocô no rio? Em uma reunião com o prefeito, a diretora referiu-se ao meu comentário inconveniente. Surpresa! Ninguém notou a ausência de tratamento de esgotos. Diante do mal-estar, o prefeito mandou o secretário de Obras instalar fossas em todas as escolas rurais. Ou seja, dinheiro havia. Nesse microcosmo, estavam presentes todas as razões da vitória dos coliformes no Brasil: 1 - Impera a ignorância generalizada sobre esse assunto e suas consequências; 2 - A legislação é leniente; 3 - Revela-se imediatismo do povo e do governo; 4 - O problema não é de recursos, mas de conveniência política.

Vamos por partes. De 100 anos para cá, os indicadores de qualidade de vida no Brasil subiram vertiginosamente. Todos, com apenas uma exceção: o esgoto tratado. De fato, 57% da popu1ação não possui coleta de esgoto. Acontece que esgoto tratado traz mais benefícios para a saúde do que rede hospitalar, médicos e tudo o mais exigido para curar as doenças causadas pelos coliformes e outros bichos nada graciosos. Setecentas mil pessoas são internadas anualmente por causas ligadas à inexistência de esgotamento sanitário adequado. O número de internações por doenças gastrointestinais, onde não há esgoto, é o dobro daquele onde há boa cobertura. Por enquanto, obras de engenharia beneficiam mais a saúde do que cuidados médicos. Por que são postergadas?

Como no caso mencionado, trata-se de uma mistura de ignorância e miopia. Segundo a ONG Trata Brasil (fonte de outros dados aqui citados), "31 % da população desconhece o que é saneamento, somente 3% o relaciona com a saúde e 41 % não pagaria para ter seu domicílio ligado à rede de esgotos". É curioso verificar que os próprios dados do IBGE são apresentados de forma a induzir enganos. As estatísticas põem, de um lado, despejo in natura e fossa séptica. De outro, esgoto canalizado e/ou tratado. Os leitores veem de um lado o problema e de outro a solução. Acontece que a fossa séptica corretamente instalada é uma tecnologia segura. O Lago Léman – banhando Genebra – tem parte do seu esgotamento por fossas sépticas. E pode-se beber com segurança as suas águas. Em contraste, canalizar esgoto e dele só tratar 30%, como fazemos, é apenas despejar em um único trecho do rio todo o cocô da cidade. Quem mora rio abaixo (onde o prefeito é outro) recebe toda a contaminação. 

Ilustrando a confusão criada, um jornal de Minas Gerais noticiou que em Nova Lima só 13,9% dos esgotos são tratados. Porém, segundo a matéria, quase todos os bairros têm fossa séptica. O jornalista entendeu "canalizado" como solução e fossa séptica como problema. Dar bodocada em pardal ou manter sabiá em gaiola é errado e pode dar cadeia. 

No entanto, por séculos prefeitos jogam cocô no rio com total impunidade. No país do "não pode", falta legislação capaz de impedir que se joguem efluentes nos rios e no mar, com consequências funestas para a saúde. É o pedágio que nos cobra a ignorância. Em algum momento de sua história, o Brasil pode ter sido tão pobre que esgoto tratado seria um luxo. Mas faz tempo que o país tem dinheiro para tais obras. Com efeito, há vinte nações nas Américas com maior cobertura do que a nossa (e várias são mais pobres). Tratar todos os esgotos das cidades da Copa do Mundo custaria 9 bilhões de reais. É menos do que o orçado para os estádios! E, considerando que 1 real com saneamento economiza 4 reais em postos de saúde, de quantos bilhões seria a economia no sistema de saúde? 

No fundo, há um círculo vicioso. Uma sociedade ignorante desses assuntos não cobra políticas enérgicas de seus governantes. Estes, valendo-se do atraso intelectual do povo, preferem construir e inaugurar obras visíveis e vistosas a enterrar canos. E, como a regulamentação é leniente, esquecer o esgoto ainda é uma decisão politicamente "esperta”. Pelo visto, continuaremos morando no Reino dos Coliformes, pois no ritmo atual das obras levaremos mais de 100 anos para comp1etar a rede.
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