quinta-feira, 23 de junho de 2011

Muito além do Big Mac


JOSÉ SERRA
O Estado de S.Paulo


Este feriado prolongado e o período das festas juninas nos lembram que estamos patinando num setor da economia para o qual, sem trocadilho, somos naturalmente talhados: o turismo. Talvez esteja nessa área uma das maiores desproporções entre aquilo que herdamos - natureza exuberante e diversificada, cultura rica, povo amigável com os estrangeiros - e o que fazemos com essa herança.

O turismo tem uma importância maior do que parece à primeira vista. Trata-se de um setor bastante intensivo em trabalho - emprega muita gente em transportes, serviços, lazer, hotelaria - e que utiliza, em larga medida, insumos "nacionais": clima, meio ambiente, paisagens, alimentação, etc. Ele estimula ainda, e até exige, investimentos em infraestrutura, como saneamento, estradas, aeroportos, que acabam beneficiando toda a população. Tomemos como exemplo o monumental projeto de saneamento do governo de São Paulo na Baixada Santista, em fase de conclusão: além de despoluir as praias, está promovendo uma notável melhoria dos serviços de água e esgoto, com o respectivo tratamento, em toda a região. Esse é um ganho definitivo para a população local, além do benefício óbvio que traz para os turistas.

Infelizmente, o setor de turismo no País é muito menos pujante do que poderia ser. O fluxo de turistas estrangeiros que vêm ao Brasil praticamente não aumentou na década passada: em torno de 5 milhões de pessoas, que gastam em solo brasileiro US$ 6 bilhões. Esse número representa pouco mais de 0,5% dos viajantes no mundo: é um quinto do que recebe a Turquia e um quarto do que recebe o México!

No sentido contrário, no entanto, assiste-se a uma verdadeira explosão. Em 2009, os turistas brasileiros gastaram no exterior US$ 11 bilhões. Em 2010, no contexto da farra cambial-eleitoral promovida pela política econômica, esse montante se elevou a US$ 16,5 bilhões. O déficit brasileiro no setor alcançou, assim, algo próximo a US$ 10 bilhões. Isso significa uns 16 mil empregos diretos a menos no Brasil e a mais no exterior. Ou seja, na área do turismo, um país continental e tão diversificado como o Brasil exportou um número enorme de empregos. E que fique claro: não se trata de criar dificuldades para os que querem conhecer outros países. O que precisamos é tornar o turismo interno mais competitivo que o turismo externo, e nos organizarmos para atrair mais turistas estrangeiros para cá.

Mas, afinal, o que está acontecendo? Antes de qualquer outro fator, é necessário lembrar o papel que a megavalorização do câmbio - o impropriamente chamado real "forte" - exerce nessa equação, que nos é tão desfavorável. Ele barateia as viagens e as compras no exterior e torna o Brasil mais caro para os estrangeiros. Isso explica o fato de o turismo europeu para o Brasil ter caído em mais de 20% desde 2005. Os portugueses, por exemplo, têm preferido cada vez mais o Caribe, apesar da nossa vantagem no idioma.

Há um dado que é um verdadeiro emblema da nossa dificuldade. Um turista brasileiro paga em Nova York US$ 3,7 por um Big Mac (dado de outubro de 2010). Já um turista americano desembolsa, no Brasil, US$ 5,3 pelo mesmo sanduíche - 40% a mais! No México custa US$ 2,6, em torno da metade do preço daqui; na Malásia, US$ 2,2. De fato, o nosso Big Mac está entre os mais caros do mundo em dólar - só perde para o da Suíça e o de alguns países nórdicos. Por estar presente em quase todo o mundo, o preço desse sanduíche é uma referência muito útil para comparações internacionais. Ele ilustra uma situação que se estende a muitos outros produtos.

Os mesmos cálculos - da revista britânica The Economist, que inventou e atualiza o "Índice do Big Mac" - evidenciam que o real está no topo das moedas mais valorizadas do mundo: perto dos 40%. Essa valorização não é sadia, pois não decorre de um robusto superávit na conta corrente do balanço de pagamentos, mas de um aumento do passivo externo em razão do fluxo de dinheiro atraído pela taxa de juros mais alta do mundo - e é assim há muitos anos. Na verdade, o déficit brasileiro na conta corrente, neste ano, vai bater a marca histórica em tamanho - US$ 65 bilhões - e situar-se entre os três ou quatro mais elevados do planeta, em valores absolutos e em relação ao produto interno bruto (PIB).

O irrealismo cambial pode ser o problema principal, mas não é o único que explica a mediocridade da performance brasileira em turismo. Durante os últimos anos, o Brasil não investiu o necessário em obras de infraestrutura. Tratei desse assunto em dois artigos recentes neste espaço, intitulados O desenvolvimento adiado e A pior ideologia é a incompetência. Essa falta de investimentos cria gargalos que frustram e/ou encarecem o crescimento sustentado em várias áreas, com reflexos especialmente graves no turismo.

Querem ver? Estão aí, aos olhos de todos, o transporte caótico, terminais rodoviários e aeroportos congestionados, rodovias no mais das vezes insatisfatórias ou lastimáveis, muitas cidades sem saneamento básico decente, etc. Nas últimas décadas, nunca o governo federal investiu tão pouco nessa áreas. O conjunto redunda em dificuldades adicionais, como a carência de mão de obra qualificada, falta de conhecimento de outros idiomas, desorganização e pouco investimento no fortalecimento da cadeia produtiva.

Daria para corrigir a rota? Claro que sim! Mas isso exige foco, metas, planejamento, gestão eficiente - tudo o que tem faltado na esfera federal. Além disso, sobram inoperância e loteamento político no setor que deveria cuidar do turismo. É preciso lembrar que justamente esse setor acabou se tornando um lugar privilegiado das lambanças orçamentárias?

Neste feriadão, em que tantos viajam, só o governo continua a não saber para onde vai...
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