sexta-feira, 17 de junho de 2011

UFF: Entrevista com Moacyr Duarte

Contribuição da amiga Maria das Neves. Grato.

Entrevista com o ex-aluno Moacyr Duarte


Catástrofes ambientais, acidentes nucleares e mudanças climáticas, assuntos que estão gerando debates. Qual é o futuro energético do mundo? Como podem ser resolvidos os problemas de infra-estrutura urbana que agravam os desastres naturais? Perguntas sem respostas, mas que foram elucidadas pelo ex-aluno de engenharia química da UFF, Moacyr Duarte. O  engenheiro e geógrafo, pesquisador e especialista em gerenciamento de riscos, planejamento de emergências e catástrofes, concedeu uma entrevista ao Prata da Casa onde ele fala um pouco sobre todos esses assuntos além de sua trajetória e carreira profissional.

Confira a entrevista na íntegra

Estudos e Carreira Profissional
“Meu trabalho não me parece trabalho, me parece um gosto sem fim”.


- Quando eu entrei na faculdade a minha visão não era muito parecida com a média das pessoas, nunca tive um padrão acadêmico e nunca fui preocupado com CR. Desde o inicio eu entendi que a lógica na universidade deveria ser de interdisciplinaridade. Eu comecei a cursar engenharia, mas tinha muito interesse na geografia e eu não podia fazer um monte de coisas juntas. Na época eu queria escolher tudo o que gostava para sair o profissional que eu queria ser. Essa base que eu fiz na época, eu converso com as pessoas que trabalham comigo, o foco para você ter sucesso no mercado hoje é o autoconhecimento, você saber o que quer, a absorção da massa de conhecimento vem depois.  Como profissional você precisa permanecer muitas horas no seu campo de trabalho e para isso precisa ter muito gosto pelo o que faz, só assim vai ter sucesso. Não adianta fazer escolhas baseadas na remuneração, no glamour, porque se não você não suporta a rotina, que em qualquer profissão, é impiedosa... Na minha vida eu já trabalhei em turno noturno, já fiquei cinco anos sem férias, mas vivo bem com a minha família e com o que eu gosto. Meu trabalho não me parece trabalho, me parece um gosto sem fim.

“Diz a minha mãe que de tanto eu fazer desastre quando criança eu cresci e comecei a trabalhar com isso”


- Esse esquema é o mesmo de um atleta de ponta que precisa de treinos regulares, regime rígido... Um engenheiro, uma médica, precisa da mesma coisa, do mesmo empenho para poder conseguir chegar lá. Eu passei um sufoco ao escolher minha profissão porque eu quis fazer o que eu quis fazer, intransigentemente, e isso tem um custo altíssimo. Tem que ter muita maturidade para conseguir isso. É uma questão de projeção anterior.

 - Diz a minha mãe que de tanto eu fazer desastre quando criança eu cresci e comecei a trabalhar com isso. Quando eu entrei na engenharia química o que me interessava era a interação da indústria com o meio ambiente. As disciplinas que existiam na faculdade não permitiam checar isso, fazer essas ligações, era necessário a interdisciplinaridade, então eu fui buscar outro currículo que me desse o entendimento do que se passa em volta para poder cruzar os dois, e assim começou a minha história. O interesse na parte de desastres foi quando eu fui fazer mestrado em energia nuclear e planejamento energético na COPPE, em que eu me interessei pela discussão de todo o processo das usinas nucleares, isso é um ramo da engenharia de confiabilidade. Como eu gosto muito de trabalhar com o produto, não suporto trabalho intelectual, sempre tive trabalho físico, eu dirijo, opero máquinas agrícolas, barcos, meu trabalho é em campo. Por exemplo, na inserção do campo de petróleo da Petrobrás na floresta amazônica eu fiz os primeiros simulados de emergência, as análises de risco, tudo dentro da mata, a descrição da navegação nas balsas dormindo dentro de rebocador... eu faço isso, pesquisa aplicada, e era a possibilidade de conhecimento que isso me proporcionava que me fascinava. Eu não oriento tese, não escrevo artigos, isso tudo que é tão valorizado na academia, eu faço as coisas na prática. Considero uma generosidade da COPPE permitir que eu faça meu trabalho desta maneira, eu sou contratado para fazer projetos para fora, monto minha equipe e repasso parte do dinheiro para a COPPE. Tenho aversão a seminários e congressos, mas tenho seis patentes de equipamentos, vou registrar mais duas. Tudo o que eu faço tem uma demanda alta. No ambiente acadêmico eu tenho limitações, por exemplo, eu não posso convidar aluno para trabalhar comigo, o que é uma pena, mas este tipo de trabalho envolve risco, precisa de preparo físico. O interessante é que a gente parte da experiência, da observação do fenômeno, isso enriquece muito a pesquisa, a gente vê as coisas acontecerem.

Questão Energética
"A única possibilidade de inserção de energias alternativas na matriz da produção energética é a racionalização de demanda."


Quanto à decisão da Alemanha de desativar suas usinas e mais...

- A Alemanha fecha todas as suas usinas nucleares, mas financia a construção de outras em outros lugares como a França, da qual ela compra energia.  É como se a gente colocasse as nossas usinas no Paraguai e comprasse energia de lá.
Aí se fala de energias alternativas, mas daqui a 30 anos o potencial de energia solar vai cair pra caramba porque o número de dias nublados será muito maior, associado a isso teremos baixos ventos e o que acontece com a energia eólica?  A única possibilidade de inserção de energias alternativas na matriz da produção energética é a racionalização de demanda, tem que gastar menos, e quem é que quer gastar menos? A discussão é ignorante e quase hipócrita. Olha o parque industrial brasileiro, como é que você vai gerar energia para todo ele? Daí se tiver um monte de seca como tivemos no governo Fernando Henrique, vai ligar um monte de usinas à carvão? Isso é super ecológico também. Agora querem discutir Belo Monte porque vai alagar um monte de terras e desocupar um monte de indígenas, discutir a poluição das usinas nucleares, beleza, então  vamos parar de produzir lixo, parar de consumir toda a semana uma roupa nova , parar de consumir sintético... Só são válidas essas discussões se forem coerentes com a produção e o consumo da sociedade.
E o programa nuclear brasileiro....
...Quanto a Fukushima esse foi um desastre ambiental, eu estou falando de uma onda de oito metros mais um terremoto de nove, se acham que isso é uma boa razão para rever o programa nuclear brasileiro, paciência. Eu não entendo esse tipo de colocação. Todo mundo quer ser ecologista, mas ninguém quer diminuir a demanda de energia. Meu objeto de trabalho é a disfunção, o erro.
"Toda a delícia da engenharia está na criatividade... É você desenvolver algo, que vai resolver problemas concretos."

Toda a delícia da engenharia está na criatividade, aproveitar as idéias que já existem e desenvolver, fazer modelos, projetos, criar, testar... isso é o máximo, indescritivelmente bom. É você desenvolver algo, que vai resolver problemas concretos. Fazer isso implica também saber conviver com o erro que é indispensável, é o aprendizado com o erro.

 Desastres no Brasil

 - A gente tem um gestão no Brasil baseada no agora. Se fossemos um esquema de manutenção seriamos assim: quebra / conserta. Não existe nada que obrigue nenhum governante a inspecionar nenhuma obra, isso fica subentendido, toda obra de engenharia e estrutura urbana tem um prazo de validade e condições de durabilidade, quem constrói não tem o menor compromisso de manter, então na prática como a gente faz , quando cai uma placa de pedra no túnel, quando desaba as placas e expõe uma armadura de um  elevado você contrata alguém para fazer, quando desaba a frente do túnel, você contrata alguém para consertar, esse é o nosso esquema de gestão de infra-estrutura. Então não faz sentido falar de planejamento para desastres no nosso caso.... O que é um absurdo, enquanto esse esquema continuar nós iremos continuar chorando a morte de centenas de pessoas todos os anos. Deveria existir uma lei de responsabilidade sobre as obras, você não pode suprimir da lei a manutenção das obras e da infra-estrutura. Não existem ações preventivas nem preditivas.
E o que aconteceu na região serrana...
“É necessário fazer estudo sobre o impacto que o ambiente fará em sua casa, e não só o que a sua casa vai fazer sobre o ambiente.”


O planejamento de construção de determinadas áreas contempla apenas o impacto que a construção faz sobre o meio ambiente, não inclui o impacto que o meio ambiente faz na edificação. Em determinados locais deveria ser feito um atestado de habitabilidade que determinasse a quantidade de construções que podem ser feitas e os riscos daquele local para que haja segurança.  

Angra dos Reis...

-O que aconteceu em Angra tem  a ver com a previsibilidade, eu chego numa praia com mata nativa, atrás de mim uma encosta que ninguém mexeu, ninguém acha que é necessário avaliar, todo mundo acha que aquilo ali é estável, ou que  não acontece a muito tempo .
“se mudarem as máximas climáticas, usinas vão cair, prédios também, vai dar problema para todo o lado.”


É necessário fazer um estudo sobre o impacto que o ambiente fará em sua casa, e não só o que a sua casa vai fazer sobre o ambiente. 

 Mudanças Climáticas

 Os estudos de mudanças climáticas hoje possuem uma grande lacuna, os modelos que são utilizados são muito amplos, as quadrículas de previsão são muito grandes, eles são feitos a partir de dados pregressos e avaliação de imagens de satélites. Eles dizem o seguinte sobre a mudança climática: a elevação da temperatura média, o aumento da pluviosidade, o aumento de dias chuvosos... Na minha área de engenharia o que eu preciso saber é se as máximas climáticas vão mudar? Toda a obra de engenharia é feita baseada numa máxima climática, a ponte Rio-Niterói, por exemplo, é interditada se os ventos se aproximam de 100 km/h, os edifícios são construídos de tal maneira a suportarem até x graus Celsius, depois disso pode comprometer a estrutura, então eu preciso saber essas informações.  É necessário que as escalas dos modelos diminuam para que eu possa especular sobre essas coisas, porque se as máximas aumentarem, as torres de energia vão cair, as edificações estarão expostas a um esforço muito maior do que foram projetadas.
Todo núcleo de pesquisa que gera conhecimento, tem potencial de mercado, gera patente e inovação, pode montar uma empresa coligada a COPPE, esse é um poderoso estimulo a inovação. Essa empresa vai criar uma tecnologia que muda tudo naquela determinada área, então vai entrar no mercado com o produto. A universidade ganharia muito se conseguisse juntar os dois perfis, o acadêmico e o que experimenta que cria novas tecnologias.  
.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

GEOMAPS


celulares

ClustMaps