Calote esfria consumo da classe C
Ronaldo D"Ercole, Paulo Justus e Mariana Durão
O Globo
Inadimplência subiu nas prestações mais baixas. Intenção de compra cai
Passados mais de seis meses desde que o governo começou a adotar medidas para restringir a oferta de crédito, os consumidores das classes C, D e E, que se tornaram o motor das vendas do comércio em todo o país, começam a perder o ímpeto de ir às compras. E o sinal mais visível é a inadimplência. Mais endividados e com os ganhos corroídos pela inflação, começam a atrasar as prestações. Em maio, a inadimplência medida pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) cresceu pelo quarto mês seguido, avançando 8,21% em relação ao mesmo mês de 2010. O maior volume de atrasos está nos financiamentos com prestações baixas: 75,74% dos inadimplentes no mês passado tinham prestações atrasadas de até R$250, sendo que aqueles com parcelas de até R$50 representavam 32,67% do total, um salto em relação aos 24,97% de calote nesses contratos em janeiro. No Rio, 15,7% dos entrevistados da classe C disseram ter alguma prestação atrasada (contra 12,1% um ano antes) e 21,6% afirmaram que o orçamento familiar será deficitário após o pagamento das despesas, de acordo com Perfil Econômico do Consumidor Brasileiro (PEC) da Fecomércio-RJ:
- Nesses casos, a gordurinha do orçamento não foi suficiente para lidar com a alta da inflação e um forte acúmulo de consumo nos últimos anos - diz Christian Travassos, economista da instituição.
Para Roque Pellizzaro Júnior, presidente da CNDL, os novos dados de inadimplência "acenderam a luz amarela" entre os lojistas.
- Isso indica que a população que está ascendendo, que foi às compras porque o crédito era farto, assumiu compromissos além de sua capacidade de pagamento. Não é que ele seja mau pagador.
Vendas paradas em comércio popular
Com as prestações em atraso, o consumo fica para depois. Pesquisa nacional realizada pela Associação Comercial de São Paulo (ACSP), também de maio, mostra que o índice de confiança da classe C caiu 6,5% e chegou aos 144 pontos, próximo da média do país, de 143 pontos. Foi a segunda vez este ano que o indicador dessa classe de renda se aproxima da média nacional, fenômeno que não ocorreu em todo o ano passado.
- A classe C foi a mais afetada pelas medidas do Banco Central para encarecer o crédito, justamente porque depende mais dos parcelamentos para poder comprar - afirma Emílio Alfieri, economista da ACSP.
No Rio, o mesmo movimento. Em abril, houve queda na intenção de compra da classe C, de acordo com a pesquisa da Fecomércio-RJ. Apenas 11,6% dos entrevistados pretendem comprar algum bem durável nos próximos três meses. Em abril de 2010, o percentual era de 15,2%.
- Isso não é um mau sinal para o comércio porque mostra que o consumidor da classe C está organizando melhor seu orçamento, para honrar os compromisso e voltar a comprar - diz Travassos.
Instalados numa área comercial voltada principalmente às classes mais populares, os lojistas do Brás, bairro da região central de São Paulo, dizem que o faturamento neste ano estagnou.
- Vendemos no primeiro trimestre o mesmo que no ano passado. Se levarmos em conta a inflação no período, houve perda real de vendas - disse o diretor da Associação de Lojistas do Brás, Jean Makdissi Júnior.
O motoboy Marco Wilson Simões conta que está fazendo de tudo para cortar os gastos. Com o "nome sujo na praça" desde o ano passado, Simões deixou de comprar roupas e presentes para fazer frente à alta no preço dos alimentos e pagar ainda as contas de um dos dois cartões de crédito que possui. E tem também as parcelas da moto nova e os gastos com o filho, que nasceu há um mês. Tudo isso com uma renda familiar que varia de R$1,7 mil a R$2,2 mil. Por isso, a dívida de R$2,2 mil do outro cartão, diz, vai ter de esperar para ser paga.
- Já não gastei nada no Natal do ano passado nem no Dia das Mães. Este ano, vamos passar só com o amor mesmo - diz Simões.
Atenta a todos esses sinais, a Federação do Comércio de São Paulo (Fecomércio-SP) já trabalha com a perspectiva de uma estagnação nas vendas no primeiro semestre em relação à primeira metade de 2010. Os dados da pesquisa conjuntural do comércio varejista na Região Metropolitana de São Paulo mostram um crescimento de apenas 0,1% do faturamento do varejo de janeiro a abril, comparado a igual período do ano passado. A Pesquisa Mensal do Comércio, do IBGE, divulgada na última sexta-feira, registrou a primeira queda nas vendas em 11 meses.
- A redução do consumo ocorreu mais no que a gente chama de supérfluo, em produtos como os eletroeletrônicos e os eletrodomésticos - diz Fábio Pina, assessor econômico da Fecomercio-SP.
Carmen Calixto da Silva, encarregada de limpeza, termina de pagar em julho as parcelas de R$300 da TV que comprou no ano passado, em dez vezes, e agora quer economizar para adquirir a casa própria. Por isso, desde o começo do ano, não comprou nada que considera supérfluo, como roupas e eletrodomésticos. Outro fator que pesou nas contas foi o encarecimento dos alimentos, que consomem boa parte dos R$1,3 mil que ganha.
Um levantamento da consultoria Kantar Worldpanel em 8,2 mil domicílios mostrou desaceleração no consumo de todas as classes no primeiro trimestre, frente ao mesmo período do ano passado. Na classe C, o consumo por unidade continua subindo, mas em ritmo menor: 3% de janeiro a março, ante taxa de 16% nos primeiros três meses de 2010.
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