A questão da influência da China e da ascensão da Turquia não foi devidamente explicada nesse contexto, apenas a noção humanística de liberdade e democracia. Agora, sem perspectivas de emprego, as tensões sociais tenderão a se agravar com o tempo.
____________________
Angela Giuffrida
Em Sidi Bouzid -Tunísia
No domingo, nesta cidade do centro da Tunísia, Houcim Hani estava parado a poucos passos do lugar em que o vendedor de rua Mohamed Bouazizi, de 26 anos, ateou fogo ao próprio corpo na manhã de 17 de dezembro do ano passado, enquanto se lembrava dos eventos que levaram à revolta agora conhecida como a Primavera Árabe.
Ele se lembrou, também, da tentativa de seu filho de se auto-imolar.
“Ele perdeu a visão em um olho e agora está esperando para ser operado”, disse Hani, acrescentando que a tentativa de suicídio do estudante de 18 anos surgiu de sua “insatisfação” com o futuro.
Bouazizi, que morreu no começo de janeiro, é hoje um mártir nas ruas poeirentas de Sidi Bouzid, onde as paredes foram pintadas com slogans como “Levante-se por seus direitos” e cartazes comemorativos dizendo “Liberta” foram pregados nos pontos de ônibus.
Ainda assim, cinco meses depois que a revolta popular que levou à derrubada do antigo ditador, Zine al-Abidine Ben Ali, há sinais de que a euforia inicial está diminuindo.
Num protesto contra a falta de empregos, a causa raiz da revolta, estudantes recém-formados colaram seus diplomas – cerca de uma dúzia deles – na entrada dos prédios da prefeitura.
Moradores locais dizem que Bouazizi, que teve várias ocupações desde os dez anos, talvez nunca tenha tido a intenção de se matar – que sua morte resultou de um gesto de protesto que deu errado.
Ainda assim, o suicídio se tornou uma ocorrência frequente em Sidi Bouzid, e por todo o país, desde que ele morreu. De acordo com uma reportagem recente do Le Temps, jornal em língua francesa, houve 111 mortes por suicídio desde janeiro, 69 das quais por auto-imolação e 58 por parte de pessoas de 15 a 25 anos. “Um jovem que eu conhecia se jogou de um prédio”, disse Ahmed Cherih, falando do lado de fora de uma cafeteria em Sidi Bouzid.
“Os únicos vencedores nessa revolução são a polícia”, disse Cherih, 39, que descreveu a si mesmo como um graduado que não consegue emprego há anos. “Eles recebem ainda mais dinheiro agora, mas nós não temos nada.”
Num fórum de investimento na Tunísia realizado em Túnis na semana passada, políticos, dignatários estrangeiros e executivos discutiram como criar a prosperidade econômica necessária para apoiar uma transição bem sucedida à democracia.
Embora a questão da atual onda de suicídios tenha ficado de fora do debate, Mustapha Kamel Nabli, diretor do Banco Central da Tunísia, alertou que o hiato entre as expectativas dos jovens tunisianos e o que a economia pode oferecer-lhes aprofundou-se desde a revolução.
O conflito atual na vizinha Líbia não ajudou, ele observou.
Apesar das esperanças de crescimento um crescimento mais forte a médio e longo prazo e as promessas de bilhões de dólares de ajuda financeira internacional, o atual clima empresarial está “se deteriorando”, disse Nabli.
“Algumas companhias ofereceram a seus funcionários um aumento de salário, mas não foi a maioria”, acrescentou. E antes que as coisas melhorem, “mais jovens estarão no mercado de trabalho em busca de soluções para seus problemas.”
“Se não houver oportunidades de emprego, a transição política será questionada pelos jovens”, disse Nabli. “Os investidores estrangeiros precisam agir rapidamente.”
Cerca de 80 mil estudantes universitários recém-formados deverão entrar no mercado de trabalho este ano.
A Tunísia está contando com o investimento estrangeiro em setores como o turismo, a agricultura, a energia renovável e os têxteis para ajudar a reverter sua queda econômica. E seu governo interino é bastante consciente de que o mundo está observando o país em busca de pistas sobre o futuro da Primavera Árabe.
“Se uma mudança democrática não acontecer na Tunísia, então não haverá esperança de que ela aconteça em outros lugares”, disse o primeiro-ministro interino, Beji Caid-Essebi, num discurso inaugural do fórum.
A Tunísia está no caminho de um marco importante em sua transição para a democracia, com eleições legislativas marcadas para outubro.
Na frente econômica, Caid-Essebi diz que seu país fará o melhor para garantir que o “clima é favorável para aqueles que quiserem chegar e fazer negócios aqui.”
Mas as reformas políticas e econômicas podem não ser suficientes para criar e sustentar empregos, disseram alguns executivos na conferência. Uma mudança na mentalidade dos jovens desempregados será fundamental para garantir qualquer progresso real, eles disseram.
Um dos legados da era de Ben Ali é uma juventude com boa educação e altas expectativas. Os críticos dizem que o governo anterior encorajou os jovens a colecionarem múltiplos diplomas como uma forma de mantê-los fora do mercado de trabalho, enquanto ignorava as necessidades reais da economia.
“O problema em todos os países da África do Norte é que a educação não tem conexão com as necessidades do mundo empresarial”, disse Adrian Savulescu, empresário alemão e diretor-executivo da Prasav, uma firma de consultoria.
Savulescu citou a falta de encanadores, carpinteiros e eletricistas. “As empresas alemãs, por exemplo, não podem usar a maioria dos formados”, disse ele. “Não faz sentido contratar alguém de uma grande universidade que não é capaz de consertar uma máquina de costura. É mais fácil contratar as pessoas sem treinamento e educação, e treiná-las por dois ou três anos.”
Radhouane Bn Farhat tem 28 anos e trabalhou enquanto fazia faculdade. Ele diz que a experiência o ajudou a encontrar um emprego como consultor na Eco-presence, uma agência de consultoria ambiental.
Bem Farhat concorda que o sistema educativo “avaliou mal as demandas do mercado”. O resultado, diz ele, é uma geração que, mesmo quando encontra emprego, normalmente não fica nele, e é mal preparada para a disciplina do mundo do trabalho.
“Eu sempre trabalhei enquanto estudava”, disse ele, mas “a maioria dos estudantes estavam mais interessados em fazer festa ou ir viajar.”
Ainda assim, isso pode estar mudando na nova Tunísia. “Quero ser um contador, como meu pai”, disse Oussama Cherni, 18, que espera estudar economia na universidade, mas enquanto isso está ganhando experiência de trabalho na loja de joias de seu irmão no mercado no centro antigo de Túnis.
Cherni tem consciência de que ele é um dos afortunados.
“Se não der certo como contador, eu sempre posso trabalhar para o meu irmão”, diz ele. “Mas alguns dos meus amigos do bairro, que têm diplomas, tiveram que ir para lugares como a Itália e a França para encontrar trabalho.”
Tradução: Eloise De Vylder
Nenhum comentário:
Postar um comentário