... tá bichada, Zé, ou tem marimbondo no pé!
Sandra Cavalcanti
O Estado de S.Paulo
Que saudades do grande Ataulfo Alves! Sou da geração que, graças a Deus, viveu momentos belíssimos da música brasileira de verdade. Período de letras inteligentes, limpas, sábias, solidárias. Sustentando melodias realmente musicais. Período ainda livre das escravaturas eletrônicas, dos metais tonitruantes e dos alto-falantes poderosíssimos... Além disso, eram todas em português. Lembro-me bem de quando ele apresentou esse samba, numa roda entre amigos, tocando ele mesmo o seu violão.
Foi esse samba que me veio à memória quando li a mensagem que a presidente da República, Dilma Rousseff, enviou ao professor Fernando Henrique Cardoso, que está sendo muito festejado pelos seus provectos 80 anos de idade.
Embora tenha vindo para o Rio de Janeiro muito criancinha, gosto de pensar que nasci em Belém. Uma linda cidade onde, até hoje, a língua portuguesa é muito bem cuidada e respeitada. Os paraenses falam bem, escrevem certo e conservam muitas peculiaridades... Uma delas, que sempre achei divertida, é o uso maroto do termo "disque" (diz que...).
Todo paraense, mesmo os transplantados, como eu, tem o hábito de usar essa espécie de ressalva antes de narrar fatos ou dar informações que possam ser dignas de certa desconfiança. Normalmente dizemos assim: "Disque" Fulano deixou a Beltrana por conta da Sicrana... Ou então: "Disque" o prefeito vai pagar os precatórios. Ou ainda pior: "Disque" a situação financeira do País vai melhorar...".
O mais famoso de todos os "disques" ocorreu quando, numa entrevista em Paris, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que não sabia de nada sobre o mensalão. Nem ele nem o José Dirceu, nem a Dilma Rousseff, nem o Gilberto Carvalho, enfim, ninguém sabia de nada. Na língua de Belém, a notícia correu assim: "Disque" Lula e o pessoal dele não sabiam de nada! Os deputados que recebiam a boladinha todo mês "disque" achavam que o dinheiro vinha do céu!
No episódio dos aloprados, outra vez a mesma coisa: "Disque" Lula e o pessoal dele não sabiam de nada. Em seguida, no primeiro escândalo das chamadas consultorias petistas, os que frequentavam aquela casa chique e lucrativa em Brasília não sabiam de coisa alguma. Só o caseiro Francenildo.
Este, quando perguntado, não usou o "disque". Foi direto e simples ao dizer: o Palocci também vem aqui. Afirmou e confirmou.
Contra ele, outro "disque": "Disque" que o dinheiro na conta do caseiro foi para ele fazer a denúncia! Ficou provado que não era. Então, quem mandou violar o sigilo da conta do rapaz? "Disque" que foi o diretor da Caixa Econômica Federal... Cabeças caíram. Depois apuraram que foi o próprio então ministro da Fazenda, Antônio Palocci.
Agora, temos outros "disques"na praça... "Disque" que o Palocci ficou muito rico de repente. "Disque" que comprou por R$ 6 milhões um apartamentaço em São Paulo. E mais um baita escritório, lá também. Diante disso, caiu o Palocci, como caiu o Dirceu e como caiu a Erenice Guerra. E a presidente? Sabia de alguma coisa. "Disque" não! No melhor estilo Lula...
Durante os oito anos de governo de Fernando Henrique Cardoso e os oito anos de Lula, os petistas e seus compadres populistas desferiram, o tempo todo, flechas, dardos, balas e obuses contra o plano da recuperação econômica do Brasil. Projeto iniciado no governo de Itamar Franco e levado a extraordinário êxito pelo governo FHC, pela equipe que é, hoje em dia, mundialmente aplaudida e até imitada. Lula não teve coragem de alterar o sucesso, mas tentou roubá-lo. Falou o tempo todo em herança maldita!
O alvo preferido era sempre FHC. Como eram também os tucanos. Era o DEM. Era a "zelite" alfabetizada e com diploma. Eram os loiros de olhos azuis... Eram os produtores rurais bem-sucedidos.
Infelizmente, na área política, o sucesso tucano não se repetiu. E graças aos seus próprios erros o País caiu nas garras do populismo sindical.
Mesmo mantendo espertamente os benefícios do Plano Real e da Lei de Responsabilidade Fiscal, nunca o País caiu nas mãos de um grupo de dirigentes tão incompetentes, tão despreparados e tão gananciosos.
Os índices brasileiros em educação, saúde publica, condições sanitárias, criatividade tecnológica, produção científica e segurança pública nunca estiveram tão baixos. Em todos os setores, os sintomas de perda de velocidade já estão sendo percebidos.
Então, por que as pesquisas de opinião ainda revelam que o povo acredita neles? É o resultado do uso e abuso, intenso, desleal e cruel, de todos os modernos recursos de comunicação. Os gastos com a propaganda foram simplesmente inacreditáveis!
Dizia Abraham Lincoln que é possível iludir a todos por algum tempo, iludir pouca gente o tempo todo, mas é impossível iludir toda gente por todo o tempo.
Esses limites estão chegando. A "herança maldita" do Plano Real, assim como foi definida por Lula, Dirceu, Dilma e seu séquito, passou a ser considerada um maravilhoso presente para o País. E quem não tentou golpes de mão para impedir a posse de seu sucessor passou a ter diploma de estadista.
É isso o que aparece agora, na afetuosa e novelesca carta de parabéns que a presidente da República enviou a Fernando Henrique Cardoso.
Lá, em Belém, o pessoal deu risada quando contaram que "disque" a presidente chamou FHC de querido. Será?
Laranja madura, na beira da estrada, tá bichada, Zé, ou tem maribondo no pé!
PROFESSORA, JORNALISTA, FOI DEPUTADA FEDERAL CONSTITUINTE, FUNDOU E PRESIDIU O BNH NO GOVERNO CASTELO BRANCO E-MAIL: SANDRA_C@IG.COM.BR
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