domingo, 26 de junho de 2011

A política vai mudar

KÁTIA ABREU
Folha de S Paulo

O Estado sabe tratar os muito pobres e os de renda alta, mas não tem o que dizer à nova "classe média" 


QUEM OBSERVA a nossa vida política apenas em sua superfície pode pensar que estamos sempre repetindo os mesmos dramas. De fato, a classe política parece não mudar nunca, e o nosso sistema político funciona sem sentido de propósito ou finalidade. Nossa vida pública está muito apartada da sociedade. 
Por isso, as últimas eleições transcorreram em clima de indiferença e até mesmo de apatia, deixando a sensação de que nenhuma ideia havia sido vencedora ou derrotada. No entanto, abaixo dessa superfície estão ocorrendo movimentos importantes, que darão novas feições à política de amanhã. 
A principal mudança, capaz de mexer com toda a estrutura e o funcionamento da sociedade, é o grande e rápido crescimento das populações que ganham entre dois e dez salários mínimos, que chamamos de nova classe média. 
É um movimento recente, iniciado a partir de 1993, com o fim da grande inflação, e que tem continuado por quase duas décadas, devido aos crescimentos da economia e do emprego. É um movimento de escala inédita em nossa história. Em 1993, esse grupo representava 32% da população; pouco tempo depois, em 2009, já era algo em torno de 53% -cerca de 100 milhões de pessoas. 
O segmento numericamente dominante da população brasileira ultrapassou o limiar da condição econômica em que a preocupação quase que exclusiva é com as tarefas de sobrevivência física. 
Ao livrarem-se desse estágio primitivo de existência, essas populações não apenas têm acesso a novos bens de consumo, mas, principalmente, tornam-se aptas a novas formas de convívio humano e de participação social, o que lhes abre as portas para uma mais elevada vida cívica. Essa nova vida vem carregada de expectativas em relação ao futuro, pois, afinal, ao perceberem que começaram a se mover na estrutura social, as pessoas querem seguir em frente. 
Esse fenômeno provocará grandes transformações no reino político, porque esses grupos são naturalmente portadores de uma nova agenda e de uma nova atitude, para não dizer de uma nova esperança em relação ao sistema político e ao Estado. Eles não compartilham o mal-estar com a civilização e a crise de valores das classes de renda alta. 
São grupos que se veem a si mesmos como vivendo uma situação de progresso e, por isso, encaram o futuro de forma otimista. Sabem também que contam consigo e com o seu trabalho, e não com o Estado e suas ajudas, para continuar a progredir. 
Nosso sistema político não está acostumado nem preparado para lidar com esses grupos sociais. Até agora, a agenda do Estado e dos políticos mirava as classes de alta renda e cultura e a imensa maioria dos brasileiros de baixa renda, cultivando aqueles e dominando estes com ferramentas longamente desenvolvidas durante toda a nossa história de extrema polarização econômica e social. Os grupos médios, que agora chegam subitamente e em grande número, não têm como se satisfazer com os modos tradicionais de ação do Estado brasileiro. Seu progresso inicial ainda é pequeno e eles ambicionam naturalmente muito mais. 
O Estado brasileiro tem sabido tratar com os muito pobres, com os programas de transferência de renda e as práticas clientelistas. Também sempre soube atender as classes de renda alta ao permitir, por exemplo, que o sistema tributário taxe relativamente menos as pessoas de renda alta, em comparação com outros países. Mas não tem o que dizer aos "novos brasileiros". 
Há pontos comuns entre a ascensão desses novos grupos e a das novas classes de agricultores brasileiros que criaram o agronegócio: visão positiva do futuro, disposição para correr riscos e crença no trabalho e no esforço individual para a conquista da prosperidade. 
O que eles querem do Estado e dos políticos? Que se garanta a todos oportunidade de acesso ao conhecimento e à propriedade individual, que essa propriedade seja respeitada e que se estimule e se valorize o trabalho produtivo. Que se cuide do estado geral de saúde da economia. E que suas liberdades individuais sejam intocáveis. 
A chegada desses novos cidadãos vai fazer do Brasil uma democracia real e da política uma coisa muito diversa do que ela é hoje. 
KÁTIA ABREU, 49, senadora (DEM-TO) e presidente da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil)
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