sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Questão de competência


Cláudio Dell'orto
O Globo


Agrande conquista da modernidade, a partir de lutas que remontam ao "Bill of Rights" que foi imposto contra a tirania de João Sem Terra, na Inglaterra do século XIII, foi a despersonalização do exercício do poder.

O estado social-democrático de direito, adotado pelo povo brasileiro através da Assembleia Constituinte que encerrou seus trabalhos em 1988, fundamenta-se em princípio fundamental que reconhece ser o povo a fonte material de todo poder. Tal poder se acomoda em normas que se extraem da própria Constituição e das leis. A organização estatal, portanto, exige respeito às normas jurídicas filtradas a partir do texto da Constituição da República.

Nenhum órgão ou autoridade republicana possui autorização para descumprir os comandos inseridos na própria Constituição, sob pena de perder sua legitimidade.

A Associação dos Magistrados Brasileiros, ao afirmar perante o Supremo Tribunal Federal a inconstitucionalidade da resolução 135 do CNJ, que estabeleceu regras para o processo disciplinar em face de magistrados, está defendendo o interesse republicano. A sociedade teria maior sensação de insegurança caso um magistrado fosse punido pelo Conselho Nacional de Justiça e individualmente questionasse judicialmente a nulidade da sanção que lhe fosse aplicada e obtivesse, no caso individualizado, a vitória.

Restaria a impressão de que havia um magistrado culpado por desvio comportamental que teria obtido uma benesse judicial, ou seja, seria lançada sobre o próprio Judiciário a pecha de corporativista ao fazer cumprir, no caso concreto, a Constituição. Necessário, portanto, o exame prévio da constitucionalidade da própria resolução e dos limites da atuação do CNJ para que não sejam aplicadas sanções nulas.

Quando a AMB afirma perante o Supremo que o CNJ não pode definir regras para o sancionamento de magistrados, porque tal competência é exclusiva do Congresso Nacional através de lei complementar, está defendendo toda a sociedade contra eventual usurpação de competências, mesmo que realizada com a melhor das intenções. Maior tranquilidade terá o povo brasileiro quando os comandos constitucionais forem observados por todas as esferas de poder estatal, principalmente pelo CNJ, que é um órgão com competências definidas na Constituição Federal.

A Constituição adota como cláusula pétrea o pacto federativo para os três poderes estatais. Os poderes judiciários dos estados membros da federação brasilleira não perderam o dever de controlar administrativamente a atuação dos seus membros, cabendo, nos termos da Constituição Federal, a atuação subsidiária do CNJ. Pensar ao contrário poderia inviabilizar a atuação do próprio Conselho Nacional de Justiça que passaria a centralizar todas as eventuais reclamações em face dos mais de quinze mil magistrados de todo o Brasil.

As associações de magistrados estão interessadas na melhor qualificação de seus membros para que possam solucionar os conflitos de interesses e pacificar as relações sociais da maneira mais rápida e eficiente.


CLÁUDIO DELL"ORTO é desembargador do Tribunal de Justiça do Rio e secretário de Direitos e Prerrogativas da Associação dos Magistrados Brasileiros.
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DESAFIOS DA ´MACRÓPOLE PAULISTA´


O ESTADO DE S. PAULO

O governo do Estado de São Paulo pretende investir em estações-garagem do metrô nos próximos anos com o objetivo de reduzir o número de veículos de municípios vizinhos que circulam diariamente na capital. Pelo Plano de Expansão da Companhia do Metropolitano de São Paulo, as cinco principais rodovias que desembocam na cidade - Bandeirantes, Régis Bittencourt, Raposo Tavares, Dutra e Anhanguera - ganharão novos ramais e bolsões de estacionamento entre 2020 e 2030.

Essas obras deveriam ser incluídas entre as prioridades tanto do governo estadual como das prefeituras das cidades médias vizinhas da capital. E vizinhos são a rigor todos os municípios localizados no raio de 200 quilômetros de São Paulo, dentro da chamada Macrópole Paulista, uma nova cidade-região que poderá ser criada por lei até o fim do ano.

Na última década, a mancha urbana ao redor da capital praticamente dobrou. O processo de conurbação do entorno de São Paulo reuniu 153 das 645 cidades paulistas. Esses municípios representam 27% do PIB do País, produzem 80% de toda a riqueza do Estado e reúnem 30 milhões de habitantes, o equivalente a 72% da população de São Paulo. A nova cidade-região dará ao governo um instrumento legal para planejar e financiar políticas públicas compartilhadas e, neste caso, a melhoria do transporte público é prioritária.

Essa imensa conurbação engloba três regiões metropolitanas - as de São Paulo, Baixada Santista e Campinas -, além de aglomerados urbanos, como São José dos Campos, Jundiaí, Sorocaba e Piracicaba. Desses centros partem diariamente 2 milhões de pessoas rumo ao trabalho ou ao estudo, fora dos municípios em que residem. Estima-se que aproximadamente 1 milhão vem para a região metropolitana de São Paulo e, desse total, mais de 671 mil têm como destino o centro expandido da capital.

Esse movimento congestiona as rodovias desde a madrugada até a metade da manhã. No fim do dia, os congestionamentos começam por volta das 17 horas e vão até as 21 horas em muitas das estradas. O impacto desses deslocamentos na região metropolitana é enorme. Ele é responsável por danos ao meio ambiente, pelo agravamento dos congestionamentos e, indiretamente, pelo aumento da violência no trânsito. Tudo isso torna urgente a necessidade de ampliar e melhorar os serviços públicos. A Prefeitura de São Paulo, por exemplo, é obrigada a investir cada vez mais na manutenção de ruas e avenidas e em engenharia de trânsito.

Aos milhares de veículos que vêm de outros municípios, somam-se os comboios de ônibus fretados transportando trabalhadores e estudantes. Sem estrutura adequada para recebê-los, os principais corredores sofrem com o embarque e desembarque improvisados em pontos de ônibus do sistema formal ou em filas duplas.

É essencial, portanto, criar condições para que essa população itinerante, que equivale à de municípios como Guarulhos e Campinas, chegue e saia da cidade de uma maneira mais organizada, segura e confortável. Quanto mais rapidamente isso for feito, menos prejuízo haverá para a economia e para a qualidade de vida da população.

O plano de expansão do metrô precisa ser complementado por outros projetos, como o do Expresso ABC - uma linha de trem planejada para diminuir de 16 para 3 o total de paradas entre a capital e cidades da região, com redução do tempo de viagem para a metade do exigido hoje. O Expresso Jundiaí, que ligará o município à capital em um percurso de 45 quilômetros a ser feito em 25 minutos, também precisa ser colocado entre as prioridades do governo. E o Ferroanel, projeto estudado desde a década de 1990 e que será finalmente executado, retirará milhares de caminhões das ruas de São Paulo, uma vez que o volume de 80 mil contêineres que hoje chegam de trem anualmente ao Porto de Santos poderá ser elevado para 1,5 milhão.

Soluções e bons planos existem. Resta implantá-los na velocidade certa.
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PAÍS DOS IMPOSTOS COMPLICADOS


EDITORIAL
O ESTADO DE S. PAULO


O Brasil é campeão mundial de complicação no pagamento de impostos e contribuições. O peso dos encargos - dos mais altos do mundo - é só um dos problemas suportados pelas empresas, quando têm de cuidar da tributação. Além de pesados, os tributos são incompatíveis com a inserção global da economia, porque encarecem toda a atividade empresarial, desde o investimento em máquinas e instalações até a exportação ou a venda final no mercado interno. Tanto no exterior quanto no País, o produtor nacional fica em desvantagem diante do concorrente estrangeiro. Essas características bastariam para fazer do sistema brasileiro um dos piores do planeta. Mas há mais que isso.

As companhias gastam muitas horas de trabalho só para acompanhar e decifrar as mudanças de regras e para seguir todos os trâmites necessários ao cumprimento de suas obrigações. É muita mão de obra desperdiçada numa atividade custosa e sem retorno, tanto para a empresa como para a economia nacional.
As empresas brasileiras gastam em média 2.600 horas por ano com os procedimentos necessários para cumprir as normas tributárias. Isso equivale a 325 jornadas de 8 horas. Foi o pior desempenho nesse quesito identificado em pesquisa anual da consultoria PricewaterhouseCoopers (PwC) em colaboração com o Banco Mundial (Paying Taxes 2011). Segundo o levantamento, realizado em 183 países, o tempo médio gasto para o cumprimento das normas tributárias é de 282 horas, ou 35 dias de trabalho. O tempo despendido no Brasil é mais que o dobro do consumido no segundo país em pior situação, a Bolívia - 1.080 horas. No Chile, frequentemente classificado como o país mais competitivo da América Latina, gastam-se 316 horas. Na França, 132. Na Alemanha, 215. Nos Estados Unidos, 187. Na Índia, 258. Na China, segunda maior economia do mundo, 398.

O tempo consumido no Brasil para o cumprimento das obrigações se mantém desde 2006. Nesse período, houve reformas tributárias em 60% dos países cobertos pela pesquisa, os sistemas foram aperfeiçoados, tornaram-se menos onerosos e, além disso, os procedimentos foram simplificados. Na média, o peso dos tributos caiu 5%, o tempo de trabalho ficou cinco dias menor. Também houve redução no número de pagamentos efetuados. Na média, cerca de quatro recolhimentos foram eliminados.

Na China, a unificação de procedimentos contábeis e o maior uso de meios eletrônicos permitiram às empresas poupar 368 horas de trabalho e 26 pagamentos por ano. Na América Latina os procedimentos continuam complexos, mas, apesar disso, as empresas dedicam em média 385 horas à administração dos impostos, apenas 14,8% do tempo consumido no Brasil. Houve descomplicação das tarefas em vários países da região, segundo a pesquisa. No Brasil, as mudanças foram insignificantes. Quanto às economias mais avançadas, operam, de modo geral, com sistemas bem mais simples. Também isso contribui para a competitividade de suas empresas.

Pelo menos num ponto a situação brasileira é semelhante à da maior parte dos demais países. O imposto sobre valor agregado (IVA) complica sensivelmente os procedimentos administrativos das empresas. De modo geral, o pagamento do Imposto de Renda é muito menos trabalhoso que o recolhimento das várias contribuições e do IVA (no Brasil, Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, ICMS, cobrado pelos Estados). A empresa brasileira gasta em média 736 horas para cuidar do Imposto de Renda, 490 para administrar os encargos trabalhistas e 1.374 para cumprir as normas dos impostos sobre consumo (principalmente dos Estados).

O caso do ICMS é especialmente complicado, porque as empresas têm de observar 27 legislações estaduais, com diferentes alíquotas, condições de recolhimento e incentivos. Se não houvesse várias outras, esta já seria uma excelente razão para a reforma do sistema. Conseguir o apoio dos governos estaduais, no entanto, tem sido um dos principais obstáculos à racionalização do sistema. Enquanto isso, outros países simplificam, reduzem a carga e ganham capacidade de competir.
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quinta-feira, 29 de setembro de 2011

A Copa do Mundo e os complementos urbanos necessários


Aldo Paviani
Correio Braziliense


Professor emérito e pesquisador associado da UnB

Os jogos da Copa, em 2014, e as competições olímpicas, em 2016, ocorrerão em poucas e populosas cidades brasileiras, geralmente metrópoles nacionais ou regionais. Tomando-se as três metrópoles nacionais, São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília, nota-se que as obras físicas, como os estádios, estão em andamento. Há atraso em São Paulo, em progresso no Rio, no Maracanã e em Brasília, no Mané Garrincha (agora apelidado de Estádio Nacional). Nota-se para esses eventos que excessiva ênfase é dada a estádios, pois terão competições capazes de atrair multidões. No entanto, nas três grandes cidades e nas demais sedes dos jogos, há necessidade de atender outras demandas, isso porque a atenção de todo o mundo estará voltada para o Brasil.

Por isso, lembra-se que o afluxo de pessoas exigirá o que denominamos de complementos urbanos com ações, tais como preparar a rede hoteleira, equipar hospitais e modernizar restaurantes. Indo além, avenidas e ruas deverão ter pavimentação renovada, abertura de ciclovias, construção de sanitários públicos e calçadas; ampliação de terminais rodoviários, portuários e aéreos e melhorias em outros serviços como limpeza de vias e praças (com lixeiras, bancos e bebedouros) — tudo para que possamos estar de acordo com esses megaventos desportivos. Além disso, deve-se aumentar o efetivo de segurança pública e treinar policiais para o atendimento de estrangeiros. Prever as possibilidades de atentados e quebra da tranquilidade por parte de assaltantes e traficantes, cujas ações devem ser contidas preventivamente e com firmeza.

Os governantes e empresários deverão atentar para os impactos do afluxo de turistas para centros urbanos que não os das sedes de competições e jogos e que normalmente já são procurados por brasileiros e estrangeiros, como Foz do Iguaçu, Pantanal Mato-Grossense, Manaus e Floresta Amazônica. Temos igualmente um extenso litoral e pontos turísticos especiais no interior, como as estações de águas, em São Paulo, Goiás e Minas Gerais. Será previsível que, antes e depois dos megaeventos, esses estados sejam procurados para lazer e entretenimento.

Há localidades que atraem turistas o ano todo, como Parati (Rio), as Missões Jesuíticas, os Aparados da Serra, Gramado e Canela (Rio Grande do Sul), os centros históricos de Minas Gerais (Ouro Preto, Mariana, Congonhas e outras), assim como Pirenópolis e Caldas Novas (Goiás), Sete Cidades (Piauí) e muitos outros. A lista é longa, mas quem conhece os centros urbanos referidos sabe que gargalos precisam ser eliminados nos transportes públicos e na rede hospitalar, que necessita ampliar leitos, contratar médicos, enfermeiros e comprar novos aparelhos para exames e emergências.

No caso de Brasília, todos esses itens merecem atenção especial porque os visitantes procurarão a capital antes e depois da Capa em razão dos atrativos arquitetônicos, urbanísticos e simbólico-cívicos que a cidade apresenta. Em Brasília, autoridades e políticos pleiteiam que a capital seja contemplada com a abertura da Copa do Mundo. Esse fato trará torcedores brasileiros, estrangeiros e acompanhantes, pessoas que, enquanto a bola rola, percorrerão os recantos da cidade.

Para tanto, a urbe não está preparada, ainda, com os complementos urbanos banais como os transportes de massa que interliguem todos os pontos da cidade e não apenas o aeroporto aos hotéis com o VLP. Ampliar as possibilidades de transportes cruzados como entre as quadras 400 e 900 Sul e Norte; linhas de ônibus da Asa Norte para o Mirante de Niemeyer, em construção no alto do Colorado, ou para o Catetinho. Igualmente esses pontos merecerão complementos para o conforto dos visitantes.

Além disso, guias turísticos capacitados —  bi ou trilíngues —  serão importantes para a comunicação entre as pessoas. Estão se providenciando banheiros públicos, espalhados no centro e nos bairros? As pessoas terão um conjunto de mapas para se orientar na capital? Há bancos nas praças para o descanso dos passantes? Brasília possui um guia turístico com indicação de museus, templos e monumentos?

É hora de correr contra o tempo, avaliar impactos sobre o ambiente e sobre o equipamento urbano. Impõe-se ampliar a arborização e os jardins do Plano Piloto e de todos os bairros. Afinal, a Copa do Mundo será oportunidade de implantar os complementos urbanos e embelezar a capital. Deseja-se que os visitantes entendam a geografia do DF e possamos obter um saldo positivo com retorno dos investimentos realizados.

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Chorando em chinês


MARCELO COELHO
FOLHA DE SP

Seja como for, é difícil acreditar que saia alguma obra-prima de um curso de poesia para a terceira idade

Um dos maiores compositores do século 20, Béla Bartók (1881-1945) dava aulas de piano, mas nunca quis ensinar composição. "Isso não se ensina", dizia ele.
Será verdade? Em certo sentido, imagino que sim: aula nenhuma poderá transformar uma pessoa medíocre em gênio criador. Em outro sentido, Bartók estava errado. Linguagens se aprendem, e toda arte, afinal, é uma linguagem. 
O professor pode ensinar a técnica, a "gramática", os truques da composição (do desenho, da pintura, da poesia) e, sobretudo, pode mostrar a seus alunos onde "erraram": os clichês, as transições malfeitas, as repetições involuntárias, as intenções mal exploradas. Seja como for, é difícil acreditar que saia alguma obra-prima de um curso de poesia para a terceira idade. 
Não digo obra-prima, mas um belo filme nasceu desse ponto de partida. Chama-se precisamente "Poesia" e ganhou o prêmio de melhor roteiro no Festival de Cannes. Dirigido por Chang Dong-Lee, o filme coreano está agora disponível em DVD, para quem (como eu) perdeu a chance de vê-lo no cinema. Aliás, é um daqueles filmes que funcionam bem na tela da TV. 
A paisagem urbana que se vê no filme é das mais desinteressantes, e o diretor não quer mostrar quase nada dela -exceto aqueles ônibus, igrejas, conjuntos habitacionais e terrenos baldios que poderiam ser tanto de Seul quanto de São Paulo ou de Porto Alegre. O que se vê em "Poesia" é a aparência, banalíssima, de seus personagens. E, mesmo assim, o rosto da atriz principal (Jeong-hie Yun) interessa mais pelo que está ocultando do que pelos sinais de emoção que possa revelar.
Talvez seja este o aspecto mais "oriental" (o único, na verdade) de um filme que trata de sentimentos capazes de merecer uma qualificação bastante fora de moda: universais. 
Tem sido tão grande a insistência na incompatibilidade entre as culturas (e em nossa necessidade de respeitar o "exótico", o "diferente", o "outro") que a palavra "universal" se tornou quase proibida. Virou sintoma de pretensão, cegueira e etnocentrismo, quando deveria ser justamente o contrário.
Nenhum filme, nenhum livro, nenhuma lenda, nenhum poema de outra cultura poderia ser visto, lido ou traduzido se não possuísse, além das suas peculiaridades de linguagem e referências específicas, uma verdade humana que vai além de seus limites geográficos e temporais.
Tome-se, por exemplo, o curso de poesia para a terceira idade que a protagonista do filme (uma senhora não muito velha que começa a ter sintomas de Alzheimer) resolve acompanhar. Querendo estimular seus alunos, o professor lhes pede que contem, diante da classe, qual a experiência mais feliz que tiveram em suas vidas.
Um homem magro, encabuladíssimo, rosto muito vincado pelo trabalho, vai à frente e se espreme numa série de sorrisos. "Nunca tive muita felicidade na vida..." Conta que sempre foi muito pobre e que morou a maior parte do tempo num porão, num barraco ou coisa assim; os pais e os vários irmãos compartilhavam o mesmo quarto.
"Muito mais tarde", conta, "consegui dar entrada num apartamento". Entrou na sala vazia, sozinho, e deitou-se no chão. "Aquela sala parecia enorme... e eu me senti o dono do mundo." Está chorando, aos arrancos, quando termina de falar.
"Poesia" não se concentra muito nas cenas desse curso: gira em torno do suicídio de uma menina e das dificuldades da velhota em conversar sobre o assunto com seu neto adolescente. Contar mais estraga o filme. Passo então a outro choro, de outro personagem, também nascido do outro lado do mundo. Em "Um Conto Chinês", filme argentino de Sebastián Borensztein, o excelente ator Ignacio Huang contracena com Ricardo Darín numa engraçada e pungente história de completa incomunicação.
Huang é um chinês que procura a família na Argentina, sem saber uma palavra de espanhol. Darín é um argentino que, mestre como sempre na expressão idiomática, na "tipicidade" portenha, não quer conversa com ninguém. Vem um telefonema, entretanto, uma torrente de palavras em chinês, uma sequência de assentimentos de cabeça, um choro longamente represado, e entendemos tudo. Não é tão difícil assim, mesmo sem saber a linguagem.
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Novo mapa do leite


Produção de leite deslancha no Nordeste
Murillo Camarotto | De Imperatriz e Ribamar Fiquene (MA)
Valor Econômico


A produção de leite no Nordeste cresceu 89,5%, muito acima dos 54,8% da média nacional. Depois de aceitar a contragosto 13 vacas leiteiras como pagamento de uma dívida, Renato José Pereira acabou se tornando, dez anos depois, um dos maiores produtores do sudeste do Maranhão


Cansado de um credor que o "enrolava" havia alguns meses, o empresário mineiro Renato José Pereira acabou aceitando, relutante, 13 vacas leiteiras como pagamento da dívida. Na época, 2002, ele ainda era "carne nova" no sudeste do Maranhão, onde começava a criar gado de corte. Quase dez anos depois, Pereira é um dos principais produtores da região que recentemente passou a ser chamada, com um certo exagero, de "nova fronteira do leite no Nordeste". Luminosidade elevada, solo de boa qualidade e período seco curto (entre três e quatro meses no ano) favorecem a pecuária leiteira.

Puxada pelo crescimento do consumo das famílias, a produção de leite nordestina aumentou 89,5% entre 2000 e 2010, bem acima dos 54,8% da média nacional. No período, os Estados da região colocaram 2 bilhões de litros de "leite novo" no mercado brasileiro, quase o mesmo volume acrescentado pelo Sudeste, o maior produtor do país. O cenário positivo tem incentivado investimentos de laticínios regionais.

A principal bacia leiteira do Maranhão está na chamada região tocantina, próxima às divisas com Tocantins e Pará e distante mais de 500 quilômetros da capital, São Luís. A fazenda Medalha Milagrosa fica em Ribamar Fiquene. De lá saem todos os dias, em média, 950 litros de leite, volume que, apesar de não saltar aos olhos, põe Pereira entre os maiores da região. "A produção aqui ainda é muito picada. Tem gente que vende três litros por dia", conta Osmani Ferreira, gerente do laticínio Palate, o mais importante do Maranhão.

Segundo estimativas da Embrapa, o Maranhão produziu quase 362 milhões de litros no ano passado, o quarto maior volume do Nordeste. Nos últimos anos, porém, o Estado vem ampliando sua fatia no bolo da produção regional, assim como Bahia (1,3 bilhão de litros) e Pernambuco (861 milhões de litros), os dois maiores produtores. Já o Ceará, o terceiro, com 445 milhões de litros, perde espaço. Segundo Alexandre Ataíde, presidente do Sindicato das Indústrias de Leite e Derivados do Maranhão (Sindileite), a previsão é de um aumento de 15% no volume beneficiado este ano sobre 2010.

"É importante lembrar que viemos de uma base pequena, o que explica parte desse crescimento elevado. As principais bacias já estavam desenvolvidas nos anos anteriores, enquanto que o Maranhão estava muito aquém", diz. A formalização de muitos produtores, especialmente os menores, também ajuda a engordar os números do Estado.

É o caso de Serafim Araújo, que além de produtor de leite é dono de uma mercearia. Há pouco mais de um ano, ele ainda vendia na porta do estabelecimento os cerca de 250 litros tirados por dia em sua fazenda, em Imperatriz. Com o aperto da fiscalização, passou a entregar o leite à Palate, que chegou à cidade em fevereiro de 2010. "Antes conseguia mais de R$ 1 por litro. Agora não passa de R$ 0,70", queixa-se, carrancudo.

Já para Renato Pereira, a instalação da Palate, controlada pelo grupo paulista CBA, foi o divisor de águas da bacia leiteira local. "A história mudou, passou a ter mais seriedade a produção. Pagamento em dia, preço justo. Antes, o produtor era refém dos laticínios pequenos", recorda o fazendeiro, hoje com um rebanho de 150 animais da raça Girolando. "Até um ano e meio atrás, pagavam R$ 0,30 no litro do leite, o que não compensa nem você dar o que comer à vaca. O produtor não investia", acrescenta ele, que diz ter aplicado R$ 500 mil no negócio de leite.

Com capacidade para beneficiar 130 mil litros por dia, a Palate compra de mais de mil produtores espalhados em 21 cidades da bacia de Imperatriz. A coleta só é feita nas 350 fazendas que têm os tanques de resfriamento fornecidos pela empresa.

Ainda se preparando para sua estreia no setor leiteiro, a Sabe Alimentos, do grupo Albano Franco, de Sergipe, já distribuiu 135 tanques de resfriamento. A empresa investe R$ 80 milhões em uma planta com capacidade para 330 mil litros diários em Muribeca, a 72 quilômetros de Aracaju. Vai produzir leite longa vida, iogurtes, leite condensado, creme de leite e bebidas lácteas.

O diretor-executivo da empresa, Albérgio Lima, acredita que todo o leite para a operação poderá vir de Sergipe, onde a produção cresceu 170% nos últimos 10 anos. "Há um ano e meio estamos desenvolvendo nossos fornecedores com investimentos em infraestrutura, na higiene da ordenha, nos insumos e utensílios e em genética, na qual cada propriedade recebe treinamento para inseminação e botijão com 30 doses iniciais de sêmen", detalhou o executivo, por e-mail.

Segundo maior produtor do Nordeste e oitavo do país, Pernambuco é onde se verificam os maiores índices de crescimento da produção de leite, que triplicou entre 2000 e 2010, especialmente no agreste do Estado. O avanço pode ser explicado em parte pelo elevado consumo de queijo no Estado, o maior do Nordeste. De acordo com o Sebrae, os pernambucanos gastam cerca R$ 25 milhões por mês com queijo. Na Bahia, com população 60% maior, o gasto mensal fica em torno de R$ 16,5 milhões.

Atento ao cenário promissor, o laticínio Faco, instalado em Ribeirão, a 90 quilômetros do Recife, investe no aumento da produção de queijos, entre os quais mussarela, fresco, coalho e minas. O proprietário, Horácio Franca Corrêa, espera dobrar até o início de 2012 a capacidade de beneficiamento, hoje de 15 mil litros/ dia.

Na Bahia, principal produtora de leite do Nordeste, os laticínios mais importantes também investem em expansão, segundo Francisco Benjamin Filho, gerente de programas do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar). O problema no Estado, contudo, é a produtividade do rebanho, a segunda pior do Nordeste. Segundo o IBGE, cada vaca baiana produziu 555 litros de leite em 2009, contra uma média nacional de 1.297 litros.

"Dois terços da área do Estado da Bahia estão no semi-árido, uma região sem recursos e sem clima para a produção de leite. Lá é que a gente encontra a famosa vaca "pé duro", como é conhecido o animal adaptado a esse meio", explica Benjamin.

O período sem chuvas é crítico para a cadeia do leite, pois a pastagem seca não oferece ao animal os nutrientes necessários à produção. Por esse motivo é fundamental que os produtores invistam na estocagem de alimentos, o que ainda é raro no Nordeste. "O produtor tem que fazer sua parte, com genética e alimentação. Sem suplemento alimentar, a produção cai estupidamente no tempo seco", concorda o secretário de Desenvolvimento Econômico de Imperatriz, Sabino Costa.

Sem se preocupar com "essas coisas de nutriente", Serafim Araújo viu cair pela metade o volume de leite produzido por suas vacas no último ano. "Eu tirava bem mais antes. Agora elas tão fraquinhas demais, meu filho", lamenta.
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Prioridades


MERVAL PEREIRA
O GLOBO

Enquanto o debate sobre a necessidade ou não da criação de um novo imposto para financiar o sistema de Saúde do país vai se desenrolando, vai ficando cada vez mais evidente que se está discutindo uma questão de escolha, de prioridades. Os dados mostram que o governo, de uns anos para cá, reduziu o que gastava com a Saúde e aumentou a verba para os programas assistencialistas.
Ora, o governo define suas prioridades no Orçamento da União que envia para o Congresso todos os anos, e se for aprovada a decisão de gastar 10% na Saúde, como define o texto original da Emenda 29, terá que redistribuir as verbas.
A presidente Dilma não gostou da declaração da ministra Ideli Salvatti, das Relações Institucionais - que é quem, em última análise, terá que negociar com os partidos a eventual criação do novo imposto -, dando como certa a sua criação.
Embora a declaração reflita o que o governo pensa, os articuladores palacianos acham que a ministra não deveria ter sido tão explícita com tanta antecedência, pois provocará reações.
O próprio presidente da Câmara, deputado petista Marco Maia, já declarou que não vê nenhuma chance de ser aprovado um novo imposto este ano e muito menos no ano que vem, quando serão realizadas as eleições municipais.
A tese dos governistas a favor de mais um imposto é que a Saúde surgirá como a prioridade dos eleitores, o que facilitaria a aprovação no Congresso.
Mas nada indica que quando o povo diz que a Saúde merece mais atenção do governo, esteja dando um aval ao aumento de impostos. Está apenas dizendo que o governo tem que rever suas prioridades.
Ao contrário, o que deve acontecer é um estranhamento da sociedade sobre as prioridades do governo.
Se a Saúde é o problema número um do país, por que se gasta mais em outros setores?
O interessante é que a proposta de fixar um percentual mínimo para a União, que agora a oposição e setores governistas independentes querem ressuscitar no Senado, é de autoria do ex-senador Tião Viana (PT), atual governador do Acre.
Nos últimos 10 anos, de acordo com reportagem do jornal "Folha de S. Paulo", o governo alterou suas prioridades, aumentando as verbas para os programas assistencialistas de distribuição de rendas, turbinadas por reajustes do salário mínimo e programas como o Bolsa Família, e reduzindo as verbas destinadas à Saúde.
Seguindo a mesma linha já anunciada pelo empresário Jorge Gerdau, responsável pelo programa de melhoria da gestão pública do governo Dilma, que acha que antes de pensar em novos impostos deve-se pensar em melhorar a eficiência da máquina pública, o projeto Brasil Eficiente, do Instituto Atlântico, tendo à frente o economista Paulo Rabello de Castro, está fazendo uma campanha pela regulamentação de partes da Lei de Responsabilidade Fiscal que ainda não estão em vigor.
A principal medida que não está em vigor por falta de regulamentação é a criação de um Conselho de Gestão Fiscal, que seria um instrumento que facilitaria muito o trabalho de Gerdau de reduzir o desperdício nos órgãos públicos.
A Lei de Responsabilidade Fiscal, um instrumento fundamental para o equilíbrio das contas públicas, determina, por exemplo, que a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) tenha metas de receita, despesa, resultado primário e resultado nominal.
O próprio Ministério da Fazenda tem um manual que orienta estados e municípios a cumprirem a LRF, e nele manda que coloquem em seus orçamentos metas de resultado nominal.
Apesar disso, nunca um governo obedeceu a essa regra, embora não ter meta nominal seja contra a lei. Nunca nenhum governo fixou essa meta desde a aprovação da LRF, aí incluídos os governos tucanos, e tanto o Congresso quanto o TCU nunca questionaram essa falha.
No passado, a LDO já teve metas de travar o gasto corrente, impedindo que ele subisse, uma medida semelhante à proposta que Antonio Palocci fez, quando era ministro da Fazenda de Lula, de não subir os gastos acima do crescimento do PIB. Ou de não subir os gastos além dos investimentos governamentais, como chegou a ser proposto e vetado pelo governo.
Na prática, essa meta não foi cumprida e, como não havia punição, não aconteceu nada.
Outra previsão da LRF, por exemplo, é o limite para a dívida federal, mas o Congresso e o Senado sequer iniciaram a votação.
O que falta é completar a implantação da lei, aprofundar a cultura, e não aumentar impostos sempre que um setor da vida do país entre em colapso.
O novo imposto da Saúde, de acordo com os cálculos governamentais, recolheria pouco mais de R$45 bilhões ao ano, mas na última vez em que cobraram o CPMF, foram recolhidos 36 bilhões. O que quer dizer que o governo está querendo não apenas criar um novo imposto, mas aumentar a mordida no bolso do contribuinte.
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A classe média tupiniquim


Marcelo Côrtes Neri
Valor Econômico


No pico histórico da desigualdade brasileira de 1989, os 50% mais pobres tinham 10,56% da renda, os 10% mais ricos 50,97%. Números invertidos e fáceis de guardar. Os 40% do meio auferiam quase a mesma parcela na renda. Esse foi o ponto de partida para análise da classe média em termos relativos na minha tese de mestrado sobre o 

boom de consumo do Cruzado. Os limites da classe média seriam as fronteiras para o lado indiano e para o lado belga da Belíndia brasileira, auferindo a renda média da sociedade, ou seja, seria a classe média no sentido estatístico.

Na década passada, os lados indiano e belga brasileiro parecem ter se espelhado no crescimento dos respectivos homônimos. A renda dos nossos 50% mais pobres cresceu 67,93% contra 10,03% dos 10% mais ricos. Hoje a metade mais pobre tem 15,4% da renda agregada e os 10% mais ricos 42,8%. Segundo David Lam, o que diferencia a 

concentração de renda no Brasil da dos Estados Unidos, que não é um país particularmente igualitário, são justamente os 10% mais ricos. Estudo do qual participei com Sam Morley confirma o peso dos 10% mais ricos para explicar a desigualdade de renda brasileira e latino-americana.

Utilizamos aqui o conceito de polarização para debater e precisar o que é ser (ou estar) classe média. A fim de diferenciar o significado de polarização e desigualdade, lançamos mão de um exemplo simples. Seja uma sociedade de seis pessoas chamadas de A, B, C, D, E e F com rendas de R$ 5, R$ 4, R$ 3, R$ 2, R$ 1 e 0, 

respectivamente. Suponha que se transfira um real de D para F e de A para C. As medidas de desigualdade que respeitam o princípio das transferências vão cair. Reparem, entretanto que, depois das mudanças, teremos toda a distribuição polarizada em dois pontos, a saber: renda R$ 1 para as pessoas D, E e F e renda R$ 4 para as 

pessoas A, B e C. A sociedade agora está dividida em dois grupos polarizados que são internamente homogêneos. Apesar de menos desigual a sociedade se tornou mais polarizada em extremos que tendem a antagonizar uns aos outros. Podendo levar a piora de conflitos, violência e instabilidade política entre outros males.

O exemplo artificial foi propositalmente formulado para diferenciar os conceitos de desigualdade e polarização. Em geral os dois caminham na mesma direção. Se calculamos a polarização de Esteban e Ray (1994) e o Gini, a primeira tem queda mais expressiva que a desigualdade até 2001, mas posteriormente acontece o reverso, de forma 

que no período 1992 a 2009 o deslocamento observado é similar.

A nossa definição é consistente com outra medida de polarização proposta por Esteban, Gradin e Ray (2007), apelidada de EGR. A estratégia EGR nos interessa, por gerar de maneira endógena os cortes de renda da distribuição de renda observada na prática. A combinação de nossas classes econômicas D e E resulta quase perfeitamente no 

estrato inferior do EGR. A combinação de nossa classe econômica central está 4 pontos de porcentagem menor que o estrato intermediário gerado pela metodologia EGR.

Os cortes escolhidos são os que melhor distinguem os grupos no sentido de tornar menores possíveis as diferenças internas desses grupos de renda e em contrapartida maximizar as diferenças entre estes grupos. Calculamos os grupos de renda para o caso de três segmentos que, segundo os autores, é aquele que, para os países 

analisados por eles, maximiza o critério de polarização estendida proposto. Nossa estratégia aqui é gerar medidas relativas e depois mantemos constantes os valores inicialmente arbitrados em 2002 antes da mesma retomar a sua trajetória iniciada no pós Plano Real. O objetivo é medir mudanças absolutas no tamanho das classes no 

tempo.

A distribuição de renda no Brasil é próxima daquela observada no mundo. Temos uma renda ajustada por paridade de poder de compra (PPC) similar à mundial, e o Gini interno é similar àqueles observados entre o Produto Interno Bruto (PIB) per capita entre países. Logo, conceitos extraídos diretamente delas são necessariamente 

similares.

A nossa classe média é mais representativa da classe média mundial do que a americana. A renda média americana, mesmo depois da crise, caiu para US$ 400 dia PPC por família de quatro pessoas. Logo, quase todos os países que se compararem aos padrões americanos serão considerados pobres, sejam africanos ou latino-americanos. O 

"american way of life" é para poucos. O americano mediano, isto é, aquele que está no meio da distribuição de renda americana tem 94% da população mundial mais pobre que ele. Já o brasileiro mediano tem 62% da aldeia global abaixo dele, na China esse número cai para 43% e na Índia 18%.

A classe média tupiniquim é uma boa fotografia da classe média mundial. Não é a toa que Obama aqui falou dela. Obviamente, conceitos são arbitrários. Aí justamente reside a vantagem da estratégia EGR de fixação de classes econômicas, derivados da distribuição de renda de maneira a maximizar o poder explicativo entre classes. Por 

exemplo, as classes econômicas da FGV conseguem explicar a desigualdade entre grupos num dado ponto do tempo quase 20 pontos percentuais acima da distribuição em três grupos de tamanhos iguais.

Marcelo Côrtes Neri, economista-chefe do Centro de Políticas Sociais e professor da EPGE, Fundação Getulio Vargas. Autor dos livros "Ensaios Sociais", "Cobertura Previdenciária: Diagnóstico e Propostas" e "Microcrédito, o Mistério Nordestino e o Grammen brasileiro".
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A guerra do óleo

Plataforma continental é patrimônio da sociedade, como um todo, por ser da União.

Imaginem a divisão nos moldes dos que querem exclusividade. Os Estados ficarão com mais recursos, a inflação ficará difícil de ser controlada,  não haverá infra-estrutura para se escoar e viabilizar o uso dessa riqueza auferida enquanto os demais estados da federação ficarão à mingua, notadamente aqueles com baixo potencial de produção industrial (reg. norte e nordeste).

O que haverá? Emigração, em grandes volumes, daquelas regiões em direção às mais ricas: Aumento da desigualdade social, desemprego e violência urbana.

Se puser o "politicamente correto" na equação, aí fica muito mais difícil de se resolver.
Ah!! Esse é um dos temas por detrás da cortina de fumaça...



A guerra do óleo 
MERVAL PEREIRA
 O Globo


A guerra da distribuição dos royalties do petróleo está chegando a um ponto de ruptura entre o governo federal e os estados produtores, principalmente o Rio de Janeiro, o que tem mais a perder. Ontem, o governo federal, em aliança com alguns senadores nordestinos, tentou votar o projeto, mas o PSDB atrasou entrega de relatório de uma medida provisória, e a pauta seguiu obstruída.

Mas a sensação é que da semana que vem não passa. Os estados produtores estão fazendo de tudo para mostrar aos demais que na verdade todos perderão com a proposta de divisão que está em votação, pois o novo regime de partilha fecha mais uma vez o ciclo histórico de centralização da tributação do petróleo nas mãos da União.

Os economistas José Roberto Afonso e Vivian Almeida fizeram um estudo com uma visão mais abrangente e histórica de como a tributação do petróleo e a divisão da correspondente receita entre níveis e entes federados contribuíram para moldar uma tendência marcante e secular da Federação brasileira: a oscilação no longo prazo entre maior concentração dos poderes e dos recursos e maior descentralização dos mesmos, como um pêndulo, que agora tende para a União.

Segundo o estudo, a história da tributação sobre combustíveis confunde-se com o histórico do processo de divisão federativa do país. Eles demonstram que, no debate recente, a justificativa para a partilha do pré-sal confunde-se com o processo de recentralização desencadeado após a Constituinte. Esse histórico de oscilar centralização com descentralização é característica do caso brasileiro, dizem vários autores que estudam o federalismo.

No pós-guerra criou-se um imposto sobre o petróleo, quando ele não tinha ainda peso na economia. Era imposto único, federal, mas com 60% da receita repartidos com estados e municípios. Os militares mantiveram o imposto, mas aumentaram a proporção do que ficaria na União. A descentralização, iniciada com governadores no regime militar, consolida-se na Constituinte de 1988, marco principal da inversão da lógica centralizadora dos militares.

Antes o imposto único era federal, e, pela Constituição nova, combustíveis e energia elétrica passam a ser base exclusiva de estados e municípios, sem que incida sobre eles imposto federal. O ICMS passou a incidir sobre combustíveis com a famosa regra de ser cobrado no destino, e os constituintes criam a figura dos royalties para compensar estados produtores.

Em 1993, no governo Itamar Franco, cria-se uma taxa federal sobre combustíveis com uma mudança sutil na legislação, permitindo que contribuições incidissem sobre petróleo e gasolina, e não impostos. Isso abriu a porta para que o governo federal voltasse a taxar o setor, criando a Cide sobre combustíveis, teoricamente para financiar obras em estradas federais. A Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico) é cobrada da mesma forma que a Cofins e o PIS: um valor fixo por litro de combustível vendido. A destinação da receita, porém, é distinta: 1/4 da Cide é entregue aos estados e municípios (é a única contribuição que é compartilhada), enquanto 100% das contribuições sociais pertencem à União.

Na hora de reduzir tributo, a escolha é sempre em cima do compartilhado, como aconteceu com a redução da Cide de combustíveis para não aumentar o preço da gasolina. A virada total de mesa foi a mudança de regime da concessão para a partilha no pré-sal, em que o óleo passa a ser da União. O que no regime de concessão é lucro empresarial, na partilha vira receita de comercialização da União, uma receita pública.

O agravante, que completa a briga federativa, é que o óleo não gera lucro, e o governo não só não vai pagar participações especiais como também não pagará Imposto de Renda nem Contribuição Sobre o Lucro Líquido. E há dúvidas sobre se a venda desse óleo pela União vai pagar ICMS, Pis, Cofins, enfim, os impostos que incidem sobre a venda.

O novo sistema de partilha fecha o ciclo de reconcentração dos recursos nas mãos da União. O ganho não vai gerar receita para os Fundos de Participação dos Estados e Municípios, não gerando vinculação para a Educação e a Saúde, representando menos dinheiro carimbado para a seguridade social.

A União pode até decidir pôr um montante nessa área, mas não estará obrigada. A ironia é que os estados não produtores, que vivem dos Fundos dos Estados e Municípios, não prestam atenção para o fato de que, na mudança de regime, essa riqueza, pelo sistema tributário, vai deixar de ser repartida com estados e municípios, pois não gerará arrecadação de impostos.

Em vez de brigarem por isso, adotam o caminho mais fácil e rápido, que é tirar o que estados produtores já têm. Os governos ficam brigando entre si enquanto a União paira soberana. O Ministério da Fazenda fez uma opção preferencial pela Petrobras. Diante disso, estados produtores apresentaram a proposta de alterar as participações dos campos já licitados no regime de concessão, mudando o decreto que regulamenta a medida. Governo e petroleiras argumentam que isso seria quebra de contrato. A alternativa nova é criar um imposto sobre exportação, mas o governo alega que ele aumentaria o preço da gasolina, o que parece falácia, pois o imposto seria pela parte exportada, que não interfere no mercado interno. A Petrobras, é certo, teria uma despesa a mais, mas, com a alta do dólar, receberia mais em reais pela exportação.

O caminho da briga federativa é o pior possível, vai parar no Supremo. Mas o governo parece mais preocupado em preservar a Petrobras do que em não alimentar a guerra federativa.
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quarta-feira, 28 de setembro de 2011

A Mídia e a sua percepção de realidade social.

Caros amigos boa noite.

Esforço-me em lhes proporcionar uma seleção de notícias e comentários mais relvantes no blog uma vez que há uma ação diversionária sobre a atenção do que seja essencial.

Estamos mergulhados em uma avalanche de "percepções" de corrupção enquanto temas importantes não estão sendo esclarecidos adequadamente e são fundamentais para nosso futuro, tais como:

Código Florestal, Lei dos Resíduos Sólidos, Belo Monte (Ambientais); 
Saúde, CPMF e Planos Privados de Saúde (Saúde); 
Fiasco do ENEM e aprovação de investimentos no Ensino Público (Educação); 
Parcerias Público Privadas para nossa infra-estrutura, estradas e portos, privatização de Aeroportos (Infra-estrutura);
Royalties da exploração do pré-sal;
Concessões e investimentos em telecomunicações;
Restrições no Comércio Exterior para nossos produtos agrícolas na OMC e no Mercosul, 
dentre uma miríade de assuntos mais prioritários que deixamos de lado e acabam sendo resolvidos ou deliberados.

Todos os assuntos acima interferem muito mais em nosso dia-a-dia do que a percepção da corrupção e sua improvável mobilização nacional.

A própria mídia, alimentada por interessados e justificando seu perfil de "atiçadora" ao invés de esclarecedora dos fatos, está tornando o cidadão mais alheio do que ele pode estar em momentos cruciais.

Chama-se ação diversionária (acredito, até, que esteja de alguma forma sendo estimulada pelo próprio governo que não consegue dar bom termo aos desafios listados) e é bem conduzida.

Sugiro aos amigos eventualmente se interessarem não perderem de vista os temas acima listados.

Da minha parte, faço o que posso para lhes ajudar a se manterem atualizados.

Sds
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PS: São passíveis de avaliações em concursos públicos. Então...

DESPEDIDA DE NANCY IRIARTE


Mesmo que seja um "hoax", ainda assim o que segue no texto é digno de reflexão.

Impressionante, muito profunda a despedida precoce de Nancy Iriarte Díaz (sua ex-esposa) a Hugo Chávez.
Este texto foi publicado em 9 de agosto de 2011 num dos jornais venezuelanos de maior circulação: o “El Universal”.

DESPEDIDA DE NANCY IRIARTE (EX-ESPOSA DE HUGO CHAVEZ) DE SEU EX-MARIDO


  
       Hugo, algumas considerações sobre a tua morte que se aproxima:
          Não quero que partas desta vida sem antes nos despedirmos, porque tens feito um mal imenso a muita gente, tens arruinado famílias inteiras, tens obrigado legiões de compatriotas a emigrar para outras terras, tens enlutado um número incontável de lares, aos que achavas que eram teus inimigos os perseguistes sem quartel, os aprisionastes em cubículos indignos até para animais, os insultastes, os humilhastes, os enganastes, não só porque te achavas poderoso, mas também imortal... Porque o fim dos tempos não te alcançaria.

Mas a tua hora chegou, os prazos se esgotaram, o teu contrato chega ao seu fim, teu "ciclo vital" se apaga pouco a pouco e não da melhor maneira; provavelmente morrerás numa cama, rodeado de tua família, assustada, porque vais ter que prestar contas uma vez que das teu último alento, te vás desta vida cheio de angustia e de medo, lá vão estar os padres a quem perseguistes e insultastes, os representantes dessa Igreja que ultrajastes por prazer, claro que te vão dar a extrema unção e os santos óleos, não uma, mas muitas vezes, mas tu e eles sabem que não servirão para nada, mas só para acalmar o pânico a que está presa a tu alma ante o momento que tudo define.

Morres enfermo, padecendo do despejo, das complicações imunológicas, dos terríveis efeitos secundários das curas que prometeram alongar a tua vida, teus órgãos vão se deteriorando, uma a um, tuas faculdades mentais vão perdendo o brilho que as caracterizava, teus líquidos e fluidos são coletados em bolsas plásticas com esse fedor de morte que tanto te repugna.

Diga-me, neste momento, antes que te apliquem uma nova injeção para acalmar as dores insuportáveis de que padeces, vale a pena que me digas que não te possam tirar a dança – ah! – as viagens pelo mundo, os maravilhosos palácios que te receberam, as paradas militares em tua honra, as limusines, os títulos honoríficos, os pisos dos hotéis cinco estrelas, as faustosas cenas de estado... Diga-me agora que vomitas o mingau de abóbora que as enfermeiras te dão na boca, se era sobre isso que se tratava a vida, pois os brilhos e as lantejoulas já não aprecem nos monitores e máquinas de ressuscitação que te rodeiam, as marchas e os aplausos agora são meros bipes e alarmes dos sensores que regulam teus sinais vitais que se tornam mais débeis.

Podes escutar o povo do teu país lá fora do teu quarto?... Deve ser tua imaginação ou os efeitos da morfina, não estás na tua pátria, estás em outro lado, muito distante, entre gente que não conheces... Sim, estás morrendo em teu próprio exílio, entre um bando de moleques a quem confiou entregar teu próprio país, teus últimos momentos serão passados entre cafetões e vigaristas, entre a tua coorte de aduladores que só te mostram afeto porque lhes davas dinheiro e poder; todos te olham preocupados e com raiva, nunca deixastes que nenhum deles pudesse ter a oportunidade de te suceder; agora os deixas ao desabrigo e teu país à beira de uma guerra civil... Era isso o que querias? Foi essa a tua missão nesta vida? Esquece-te da quantidade de pobres, agora há mais pobres do que quando chegastes ao poder; esquece-te da justiça e da igualdade quando praticamente lhe entregastes o país a uma força estrangeira que agora teremos de desalojar à força e ao custo de mais vidas.

Tenho a leve impressão que agora sabes que te equivocastes; acreditastes num conto de passagem e te julgastes revolucionário, e por ser revolucionário... imortal; convocastes para o teu lado os mortos, teus heróis, esses fantasmas que também julgavas ter vida, Bolívar, Che Guevara, Fidel, e Marx que nunca conhecestes e que recomendavas a sua leitura... Andar com mortos te levou à magia e aos babalaôs, te metestes a violar sepulturas, e a fazer oferendas a uma coorte de demônios e espíritos maus que agora te acompanham... Sentes a presença deles no quarto? Estão vindo te cobrar, recolher a única coisa que deverias valorizar em tua vida e que tão sinistramente atirastes na obscuridade e no mal, a tua alma.

Bem, me despeço; só queria que soubesses que passarás para a história do teu país como um traidor e um covarde, por não teres retificado tua conduta quando pudestes e te deixastes levar por tua soberba, por teus ideais equivocados, por tua ideologia sinistra renunciando aos valores mais apreciados, a tua liberdade e à liberdade dos outros, e a liberdade nos torna mais humanos.

"O socialismo só funciona em dois lugares: no céu, onde não precisam dele, e no inferno onde é a regra dos que sofrem".
Nancy Iriarte Díaz
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O Brasil de hoje é o Maranhão de 1966


JOSÉ NÊUMANNE
O ESTADÃO

Nesta semana, este Estadão ainda não se livrou da censura imposta pelo Judiciário às notícias a respeito da Operação Boi Barrica, na qual a Polícia Federal(PF) investigou negócios suspeitos da família Sarney. Esta também foi aliviada com a notícia de que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) invalidou as provas que a referida autoridade policial levantou na dita investigação. O YouTube revelou a cinéfilos e interessados em política um curta metragem de propaganda feito pelo baiano Glauber Rocha, ícone do Cinema Novo e da sétima arte no Brasil, por encomenda do então jovem governador do Maranhão, registrando o início de uma carreira política que, contrariando as previsões mais otimistas, o levou à Presidência da República. E a um poder, na presidência do Senado, que ora lhe permite substituir no Ministério do Turismo um indicado, Pedro Novais, afastado por suspeita de corrupção e evidências de má gestão, por outro, Gastão Vieira, cuja única virtude notória é a de ser mais um ilustre desconhecido e leigo nos assuntos da pasta a assumi-la.

O filme de Glauber Rocha,Maranhão 66, suscitou um debate inócuo em torno das intenções e dos verdadeiros interesses do cineasta e da notória sagacidade do político profissional que patrocinou um comercial da própria posse e terminou por financiar um documentário vivo e cru da dura realidade do País e de seu Estado miserável. Questionou- se se o cineasta foi leal a seu patrocinador ou se se aproveitou do patrocínio dele para, com imagens chocantes,denunciar o abismo existente entre o discurso barroco do empossado e a revoltante miséria de seu eleitorado.

Também foram levantadas dúvidas sobre o papel do protagonista do filme no relativo ostracismo em que a obra mergulhou, não merecendo a fortuna crítica que obras como Deus e o Diabo na Terra do Sol e Terra em Transe viriam a ter. Glauber foi um militante de esquerda, mas aderiu à ditadura em seus estertores quando voltou ao Brasil, chegando a chamar o ideólogo da intervenção militar contra a pretensa República sindicalista, general Golbery do Couto e Silva, de "gênio da raça". O Sarney por ele filmado era da "Bossa Nova" da UDN, com tinturas pink, mas aderiu ao regime autoritário e, depois,se afastou dele para entrar na chapa que lhe pôs fim no colégio eleitoral.

Personagem e autor podem, assim, alinhar-se na galeria das "metamorfoses ambulantes" em que Luiz Inácio Lula da Silva se introduziu, inspirando-se em Raul Seixas, para justificar na prática sua adesão ao lema de Assis Chateaubriand,segundo o qual "a coerência é a virtude dos imbecis". Mas, com todo o respeito às boas intenções de quem entrou no debate, não é a incoerência do material do curta-metragem que interessa, e sim exatamente o contrário: a permanência das práticas denunciadas com a imagética bruta da fita sob a gestão do orador inflamado e empolado, que as usava para de tratar seus antecessores, dos quais assumiu os mesmos vícios ao tomar-lhes o lugar nos braços do povo que, "bestializado", na definição de José Murilo de Carvalho,o ouvia e aclamava.

O autor deste texto é glauber ia no de carteirinha: presidio Cine Clube Glauber Rocha em Campina Grande um ano depois de o curta ter sido produzido, mas nunca me interessei por ele. Graças ao mesmo YouTube que trouxe de volta obras-primas perdidas da música para cinema no Brasil, como as trilhas de Sérgio Ricardo para Deus e o Diabo na Terra do Sol e de Geraldo Vandré para A Hora e a Vez de Augusto Matraga, Maranhão 66 emergiu. E despertou o debate errado: não importa se Glauber exaltou ou execrou Sarney nem se este foi elogiado ou ludibriado pelo cineasta contratado. Interessa é perceber a genialidade da peça cinematográfica no que ela tem de mais poderoso: a constatação de que a cena de um homem fazendo um penico de prato antecede outra em que urubus sobrevoam um lixão, ao som da retórica barroca e vazia de um demagogo, retratando o Maranhão daquela época e, sem tirar nem pôr, o Brasil de agora.

Sarney, que preside o Senado e o Congresso e põe no Ministério do Turismo de Dilma Rousseff quem lhe apraz, é o símbolo vivo do Brasil em que, no poder, o PT da presidente, associado ao saco de gatos do PMDB do senador pelo Amapá, mantém incólume "tudo isso que está aí" e que Lula prometeu a seus devotos exterminar. O problema do filme feito para exaltar a esperança no jovem político que assumiu o poder prometendo mudar tudo não é ter seu diretor traído, ou não, o acordo feito com o financiador ao expor as mazelas que ele garantiu que acabaria e não acabou. A tragédia é que nada mudou.

E não é o caso só de Sarney. A vassoura com que Jânio Quadros varreria o Brasil terminou sendo posta atrás da porta do Palácio do Planalto para expulsá-lo do poder.O caçador de marajás Fernando Collor foi defenestrado sob a acusação de ter executado com desenvoltura as práticas daninhas que usou como chamarizes para atrair eleitores incautos e,depois do período sabático fora do poder, voltou ao Congresso para bajular os novos guardiães dos cofres da viúva.

E estes também desempenharam com idêntico cinismo o papel de restauradores da moralidade que engrossaram o caldo sujo da malversação do erário, primeiro, sob Luiz Inácio Lula da Silva e, depois, sob Dilma Rousseff,cuja meia faxina em nada fica devendo aos arroubos de falso moralismo de antanho.

Desde sempre, vem sendo cumprida a verdadeira missão dos políticos no poder no Brasil sob qualquer regime e com qualquer bandeira partidária:"O Estado brasileiro usa as leis para manter os maus costumes",definiu, magistralmente,o antropólogo Roberto Da Matta na entrevista das páginas amarelas da Veja desta semana. Foi por isso que aqui se inverteu o aforismo de Heráclito de Éfeso: o rio em que nos banhamos tem sido emporcalhado a jusante por quem promete limpar a água - Sarney, Jânio, Collor, Lula, Dilma, etc.
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Sem explicação


MARTHA MEDEIROS
ZERO HORA

Estive no cais do porto, onde estão algumas exposições da Bienal, e deparei com uma série de instalações artísticas que, sem a ajuda dos mediadores, parecem sem sentido. Algumas funcionam pelo impacto visual, mas o que querem dizer? Se a gente não pergunta para os profissionais que ali estão, instruídos para explicar cada obra, fica-se boiando. O vídeo de um homem andando de bicicleta sob uma esteira rolante, por exemplo. Ele pedala sem sair do lugar. Monótono. 

Aí consultamos os monitores e descobrimos a questão filosófica que está por trás, assim como, em outra obra, a razão de tantas formigas circularem entre bandeiras feitas de areia, alterando seu desenho original. Inusitado, apenas. 

Mas aí vem a explicação: é uma forma de alertar para a precariedade dos territórios em meio à crise econômica mundial. Incentiva a nos perguntarmos o que é uma nação e como ela se comporta diante das migrações. Hum. Entendi. 

Muitas coisas não têm explicação. Aliás, nem precisariam, mas nos sentimos mais seguros quando sabemos o porquê, a razão, o motivo. A coisa gratuita desperta nossa fragilidade, nos coloca em estado de ignorância. Tudo o que não entendemos zomba de nós. 

Assim é nas relações amorosas, que pouco se valem da racionalidade, e assim é também o mistério da existência humana, que provoca teorias diversas e nenhuma certeza absoluta. Há muitas coisas que a gente não compreende, mas que continuam existindo à revelia do nosso desconhecimento. 

Toda ausência de justificativa provoca uma certa vertigem, e foi essa vertigem que senti ao ler sobre o menino de 10 anos que, depois de balear uma professora, correu para um canto da escola e atirou contra a própria cabeça. 

O tiro na professora deve ter sido acidental, um erro no manejo de uma arma que jamais deveria estar em suas mãos, mas atirar contra si próprio tem um propósito – ou deveria ter. Qual? Segundo a família, os amigos, os colegas e a própria professora atingida, o garoto era tranquilo, saudável, sem distúrbios de comportamento. Por que se suicidou? 

Provavelmente entrou em pânico com o próprio gesto, temeu ser castigado, ficou com vergonha e atendeu ao impulso de sumir dali, daquele lugar, daquela situação absurda e violenta demais para seus míseros 10 anos. No ápice da tensão, fez o impensado. 

Outra explicação? Poderão descobrir um histórico de agressões na família, excesso de jogos de computador inadequados para sua idade, algum transtorno psicológico que nem deu tempo de ser averiguado. Haverão de furungar, de querer saber. 

Mas o mais provável é que o pequeno garoto não tivesse como explicar o tiro que havia disparado contra a professora. E, mesmo tão inocente, intuiu: sem explicação, nada se sustenta. 

Faltou o mediador.
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