EDITORIAL
FOLHA DE S. PAULO
Israel aparece cada vez mais isolado no Oriente Médio, e voto na ONU sobre a criação, legítima, do Estado palestino pode agravar a situação
O cenário geopolítico do Oriente Médio alterou-se de forma notável nos últimos meses. O isolamento de Israel atingiu novo patamar, com a recente deterioração das relações com os outrora aliados Turquia e Egito.
O movimento só pode ser compreendido dentro do contexto da Primavera Árabe, mas não se explica somente pela onda de revoltas que chacoalha a região.
O afastamento da Turquia remonta a 2009, quando uma ofensiva de Israel para barrar ataques terroristas deixou 1.300 mortos na faixa de Gaza. A interceptação de uma flotilha que visava a furar o bloqueio ao território palestino no ano seguinte, que acabou com oito ativistas turcos mortos, acentuou as divergências.
As revoltas no norte da África e no Oriente Médio, por seu turno, removeram ditadores que mantinham sob controle, à custa de repressão, o caldeirão de insatisfação popular. Em meio a demandas por emprego, liberdade de expressão e outros valores "ocidentais", emergem também rancores contra o vizinho impopular -adversário em guerras até os anos 1970.
A morte de soldados egípcios no mês passado, em meio à resposta de Israel a um ataque terrorista de extremistas palestinos, ajudou a inflamar o ambiente. A invasão da embaixada israelense no Cairo na semana passada revela quão tensa está a situação.
O primeiro-ministro da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, tem se aproveitado da conjuntura para reposicionar seu país como potência regional. Seu giro pelas nações sublevadas -Egito, Tunísia e Líbia- explicita esse objetivo.
A situação tende a se tornar ainda mais delicada nesta semana, com a votação sobre a criação de um Estado palestino na reunião anual das Nações Unidas.
O governo brasileiro é favorável à iniciativa, uma posição correta. A paz no Oriente Médio passa pela criação de um Estado para os palestinos, nas fronteiras anteriores à Guerra dos Seis Dias (1967), com eventuais ajustes territoriais. Jerusalém não pode, como defende Israel, ser a "capital indivisível" de seu Estado. Deve-se buscar acordo sobre seu status partilhado.
O reconhecimento do Estado palestino é provável na Assembleia Geral, composta por todos os países, mas não passará no Conselho de Segurança. Os EUA deverão usar seu poder de veto em apoio ao aliado histórico, Israel.
A votação da ONU terá um efeito acima de tudo simbólico, uma vez que a concretização do novo Estado está muito distante -em boa medita também devido à fratura na liderança palestina entre o extremismo do Hamas e o desgaste do hoje moderado Fatah. Ainda assim, a proclamação nas Nações Unidas deverá reacender protestos no mundo árabe.
Numa região instável como o Oriente Médio, a distância entre manifestações legítimas e violência em larga escala pode encurtar-se rapidamente, como prova o episódio do ataque à embaixada israelense no Cairo.
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