MERVAL PEREIRA
O GLOBO
O que se temia está prestes a acontecer: a disputa pelos royalties do petróleo caminha para ser decidida na Justiça, com ambos os lados se armando de pareceres. A Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan) contratou o jurista Célio Borja, exmembro do Supremo Tribunal Federal, para defender os interesses do Estado do Rio. E o Instituto Brasileiro de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (IBP) considera que a proposta dos estados produtores de aumentar o pagamento das participações especiais por parte das petroleiras fere os contratos já existentes e ameaça também entrar na Justiça, como anunciara o presidente da Petrobras.
O jurista Célio Borja deve entregar seu parecer na próxima semana, mas sua conclusão já está feita: o governo não só tem que manter a divisão dos royalties que está em vigor nos campos já licitados pelo sistema de concessão como tem que manter o mesmo critério nos campos do pré-sal, a serem licitados pelo novo sistema de partilha. Para Célio Borja, a Constituição distinguiu, em relação à exploração do petróleo e do gás natural, estados produtores e não produtores, e fez isso de maneira tal que a participação e a compensação financeira asseguradas aos estados produtores são “uma cláusula pétrea, porque partilha bens entre os entes federados, o que é da essência do regime federativo que nós adotamos”.
Segundo o jurista, quando a Constituição adota, entre muitos regimes federativos, um em especial, que permite que os bens públicos possam ser repartidos entre os entes federados, “essa partilha, como a da competência, por exemplo, é inalterável por norma constitucional posterior”. Indo mais adiante, Célio Borja levanta a tese que a violação dessa partilha “é na verdade uma guerra entre estados membros da União”.
E, adverte, “é um postulado da própria Federação, qualquer que seja o regime, de qualquer país do mundo, que a Constituição estabelece uma paz perpétua entre os estados, mediante à proibição a todos de fazerem guerra”. O exemplo claro disso, lembra, é a matéria tributária, “quando a Constituição proíbe os Estados de concederem isenções. O Supremo já decidiu, sempre fundado na premissa de que isso constituiria guerra tributária”. A mesma coisa aconteceria, diz Borja, se a maioria dos Estados, no Congresso, mediante lei, atentasse contra a partilha que a Constituição fez. “As decisões do Supremo sempre insistem nisso, que a desobediência a essas limitações importa em guerra fiscal”.
Célio Borja diz ainda que no caso do pré-sal, estão fazendo uma distinção entre o petróleo e o gás colhidos nessa nova área de exploração que a Constituição não faz. A Constituição estabelece que o direito dos estados é aferido pelo produto da exploração, e não diz que é do pré-sal ou fora do pré-sal, ressalta Célio Borja. “Se porventura a lei vier a fazer uma distinção entre o que se produz no pré-sal e o que se produz em outras áreas, para reduzir a participação de estados e municípios produtores, ela está violando a Constituição”, garante o jurista. Já o presidente do Instituto Brasileiro do Petróleo, Gás e Bicombustíveis (IBP), José Carlos de Luca, entende como “um grave equívoco” a proposta dos estados produtores de alterar a participação especial.
Na interpretação dos representantes das petroleiras, embora a lei que regulamentou as participações especiais diga que um decreto definirá as regras, a Agência Nacional do Petróleo (ANP), quando fez a divulgação do edital das áreas que estava licitando, disse explicitamente que as participações governamentais seriam pagas conforme o montante definido no decreto 2.705 de 1998. “Isso é parte integrante do contrato, quando as empresas participaram do leilão e assumiram esse compromisso de custos, se comprometeram com base nesse decreto”.
Alterá-lo muda as regras do jogo, e quebra os contratos. “Seria lamentável se o governo optasse por ir por esse caminho”, diz ele. Jorge Camargo, consultor da norueguesa Statoil e conselheiro do IBP, diz que na Noruega há um regime diferente do daqui, e acontecem frequentemente mudanças, que são legais.
“Mudanças de legislação acontecem em diversos países, mas o Brasil optou por um modelo que lhe dá uma estabilidade maior, justamente por definir como vai ser a regra do jogo no momento em que você assina o contrato”, alega. A maneira de calcular essa participação, diz ele, é justamente o que permite, quando aumenta muito o preço do petróleo, quando há condições econômicas especiais, que o país também receba esses benefícios.
A fórmula foi criada “para capturar para o país hospedeiro os benefícios de uma mudança das condições”, comenta Jorge Camargo, dizendo que o Brasil tem um modelo “que permite isso sem mudar a legislação, o que é uma grande vantagem para o investidor de longo prazo”. Para ele, qualquer mudança terá que ser feita para contratos futuros, “porque os existentes já têm as condições muito bem amarradas nos contratos, o que dá uma segurança grande ao investidor”.
Em sua opinião, o Brasil tem as vantagens do modelo contratual estável e uma sucessão de governos que, até agora, honraram esses contratos, e “isso é uma conquista do país, que seria lamentável se mudasse agora”. Segundo o presidente do IBP, José Carlos de Luca, a fórmula da participação especial captura o preço médio atual do barril de petróleo e faz com que o país ganhe mais se o preço do barril aumenta.
Ele mostra dados dos anos 2002 e 2010 para exemplificar: no ano de 2002, se pagou de participação especial R$ 2,51 bilhões e, em 2010, o montante passou para R$ 11,7 bilhões. O diferencial dá 450% de aumento, enquanto o preço médio do barril aumentou 190% e a produção diária cresceu 40%, comenta de Luca, alegando que “a fórmula da distribuição das participações especiais faz com que as petroleiras paguem mais quando o preço do barril sobe”.
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