Para educadores, resultado do exame federal não deve ser critério único para avaliação da qualidade do ensino oferecido pelas escolas
Nathalia Goulart
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Nesta semana, o Ministério da Educação (MEC) divulgou os resultados do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2010 por escolas, uma espécie de ranking das instituições de ensino do Brasil. Pais e estudantes devem olhar as médias com certa reserva. Educadores são unânimes em afirmar que as notas obtidas pelas instituições carregam uma distorção, o que torna o resultado impreciso. Nenhum especialista, contudo, quer o fim do exame: ao contrário, eles pedem o aperfeiçoamento da aferição da qualidade do ensino naquele ciclo da educação fundamental. E afirmam que os pais devem levar outros indicadores para avaliar a instituição de ensino de seus filhos.
O Enem foi criado em 1998 com o objetivo de avaliar habilidades e competências dos estudantes que terminam o ensino médio – e não suas escolas. Tanto assim que a nota atrelada a cada instituição de ensino é, na verdade, uma média do desempenho obtido pelos estudantes. Ocorre que o exame é voluntário: ou seja, só os interessados o realizam.
O problema, alertam educadores, sociólogos e estatísticos, é que essa realidade distorce a média final atribuída às escolas. "Quanto menor o número de estudantes de uma escola que participam do exame, mais impreciso é o registro que o Enem proporciona", diz Celso Vasconcelos, especialista em educação e avaliação educacional.
Antes de ser um problema de educação, é uma questão matemática. Uma vez que nem todos os estudantes comparecem à prova, obter uma média fiel ao desempenho daquele grupo escolar só seria possível se uma amostragem representativa dos alunos fosse levada à avaliação. Na prática, isso equivale a dizer o seguinte: teriam de ser respeitadas proporções de gênero, idade, desempenho e assim por diante. Se 70% dos alunos de uma instituição com 1.000 estudantes são mulheres e apenas 10 vão ao Enem, 7 deles teriam obrigatoriamente de ser meninas. Isso, é claro, nunca acontece.
"O grupo de alunos escolhidos para a prova deveria representar perfeitamente o conjunto de toda a escola", diz Glaura Franco, professora de estatística da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). "Seriam necessários estudos prévios para determinar quem deveria fazer o exame." No Enem 2010, menos de 3% das instituições registraram participação integral de seus alunos. Apenas elas, portanto, obtiveram uma avaliação livre de distorções.
Baixa frequência – Várias razões explicam as gritantes diferenças de participação entre as instituições. Uma delas é o fato de o Enem ter se transformado em uma porta de entrada para as disputadíssimas universidades públicas, alvo dos estudantes das melhores escolas do país – as privadas, em geral. Em média, 70,4% dos estudantes dessas instituições compareceram ao exame. Entre as unidades públicas, a taxa foi de 38,07%. A primeira supera a segunda em 85%.
Em São Paulo, o fenômeno se repetiu. Em 2010, o estado registrou participação inferior a seus vizinhos Rio de Janeiro e Minas Gerais: 44% ante 49% e 51%, respectivamente. A razão, porém, é outra: as duas maiores universidades locais – USP e Unicamp – ignoraram a nota do Enem em seus processos de seleção. "Isso afastou estudantes paulistas do Enem, o que, certamente, influenciou o desempenho das escolas", diz o sociólogo Simon Schwartzman. "É preciso estar atento a essas imperfeições do sistema de médias."
Educadores apontam ainda outro fator a ser considerado: o Enem se tornou um selo de qualidade para as escolas privadas. Essas instituições exibem suas médias altas como um diferencial de mercado. "Algumas escolas selecionam seus melhores alunos para o exame; outras incentivam os que têm mais dificuldade a não se inscrever", diz Vasconcelos.
A distorção nas médias do Enem existe, mas é difícil precisar seu grau: sabe-se, porém, que ela é diretamente proporcional ao nível de abstenção dos alunos de uma dada instituição na prova. Ou seja: quanto menor a presença deles na avaliação, maior a imprecisão do resultado. O certo é que a situação é mais aguda entre as escolas públicas, justamente as mais carentes de aprimoramento. Em cerca de um terço delas, a participação dos alunos na prova federal foi inferior a 25%. "Diante desse cenário, é difícil afirmar que a média obtida por essas instituições reflete com rigor a qualidade da educação que elas oferecem", afirma Gisele Gama Andrade, especialista em avaliação educacional.
O MEC já revelou que estuda alterações na prova. Logo após a publicação dos resultados do Enem 2010, o ministro Fernando Haddad defendeu que o exame se torne compulsório aos concluintes do ensino médio. Os educadores apoiam. "Se a medida for adotada, teremos um retrato mais fiel da qualidade das escolas de ensino médio", diz Gisela Gama. Ilona Becskeházy, diretora-executiva da Fundação Lemann, vai além: "Mais do que uma avaliação das escolas, o resultado serviria como boletim de certificação para estudantes."
O exame, porém, não deveria ser tomado como avaliação única da qualidade das escolas, seja por pais, seja por educadores. Outra avaliação que ajuda a compreender a situação das instituições é o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), medição consagrada que tem subsidiado políticas de governo. O indicador é calculado com base no desempenho do estudante em avaliações do MEC e em taxas de aprovação reveladas pelo Censo Escolar.
Os especialistas acrescentam que os pais não devem abandonar a antiga prática de investigar por conta própria as escolas de seus filhos. O perfil da instituição, a opção pedagógica e a formação do corpo docente continuam sendo fundamentais. "Veja se há incentivo a leitura, converse com a direção e com outros pais", diz Ilona. Em suma, o Enem é apenas parte da lição de casa.
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