Adriano Pires e Abel Holtz
O Estado de S. Paulo
A estigmatização das nossas hidrelétricas, que leva ao estabelecimento de legislações e regulamentos, tem imposto condições que inviabilizam o aproveitamento do potencial ainda remanescente de uma energia renovável e de baixo custo. Para ilustrar, a energia possível de ser gerada em Belo Monte é, nos meses úmidos, de cerca de 11 mil megawatts (MW) médios, enquanto nos meses secos é de cerca de 1 mil MW médios, ou seja, 10% da capacidade instalada. Sabemos que, caso a usina tivesse um lago adequado - respeitando critérios ambientais condizentes com o benefício que traria à nossa sociedade -, poderia gerar ao menos 7.600 MW médios durante todo o ano.
Também vem sendo dito que a remanescente centralização das decisões que impactam o setor tem de ser abolida. Se no passado essa centralização foi feita e demarcou grandes projetos como o de Itaipu - ainda na época do telex -, hoje, na era do Twitter, ela já não é mais efetiva. A federalização, no entanto, pode ser exercida no setor elétrico, considerando que a geração eólica, a de biomassa, a solar e mesmo a geração hidrelétrica estão localizadas em Estados e regiões distintos e têm de congregar-se entre si para o bem de toda a nossa sociedade.
Nada impede que os órgãos centralizados, em perfeita comunhão com os Estados, sejam responsáveis por políticas e controles que assegurem a equanimidade das vantagens e desvantagens de forma isonômica entre os distintos Estados e regiões. Essas políticas darão resultado no longo prazo, sobretudo quando o planejamento é feito sem ufanismo e voltado para um plano diretor de desenvolvimento. Tem sido assim no setor elétrico, e com sucesso.
Neste particular, temos lido constantemente na imprensa que até 2015 teremos folga acentuada de oferta de energia, considerando um crescimento do PIB de 5% ao ano. Segundo o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), o Brasil terá uma capacidade de produção de energia maior que o consumo da ordem de 2,5 mil MW médios em 2011. Para 2015, o ONS prevê uma sobra de 5 mil MW médios. Tudo bem, isso é verdade, mas somente considerando a energia que hoje o Paraguai põe à disposição do Brasil. Sem esse montante de energia disponível pelo acordo com o país vizinho, estaríamos em "default" com nossos consumidores - a oferta seria menor que a demanda.
Essa poderá ser uma próxima questão submersa que nossas autoridades fingem não considerar. A pergunta que cabe seria: como o Paraguai destinará a energia disponível da sua cota, em Itaipu, em futuro próximo? Para o seu próprio desenvolvimento e arbítrio?
Em qualquer das negociações que venham a ser materializadas, significaria que a totalidade dessa cota não mais iria compor a oferta aos consumidores brasileiros, e, sem essa energia, as sobras alardeadas são perigosamente fictícias.
A solução dessa questão passa pela materialização das hidrelétricas amazônicas, extensas linhas de transmissão e, logicamente, pela sociedade decidir se queremos continuar reféns das incertezas definidas por razões ambientalistas ou dar ao tema "suprimento de energia" uma dimensão mais adequada ao atendimento da nossa soberania, para podermos continuar a construir nossas hidrelétricas com reservatórios adequados e compensando de forma correta os atingidos pela sua construção e os aspectos ambientalistas realmente adequados.
É fato que os nossos vizinhos paraguaios concordam de forma excepcional em destinar ao seu desenvolvimento lotes de 600 MW/ano a partir da negociação de um acordo. Essa posição nos daria um horizonte de dez anos, em média, se obedecida essa cadência, para produzir no Brasil a quantidade de energia equivalente àquela que será retirada do nosso portfólio.
Registre-se que essa pauta de reivindicação existe e foi secundada por aumentar o valor recebido pela energia direcionada ao Brasil. Assim, muito em breve, as negociações sobre esse aspecto terão de ser retomadas. Lembrando que as hidrelétricas necessárias para gerar a energia substituta demorariam de 4 anos a 5 anos para ser construídas, depois de estudadas, projetadas, licenciadas e licitadas. O que nos levaria a um lapso de tempo não superior a seis anos para rediscutir o tratado e ter acordada uma solução convergente aos interesses comuns.
Uma solução seria estruturar de forma pragmática e competitiva a oferta de gás natural, evitando monopsônios para seu uso nas termoelétricas, e estabelecer leilões de energia por fontes e por regiões, além das hidrelétricas com reservatórios.
Ademais, deveríamos criar estímulos concretos para que os slots em usinas existentes sejam motorizados e que nas cascatas existentes e já aproveitadas sejam construídas pequenas hidrelétricas, onde for possível. Poderíamos, também, acelerar a criação de estímulos para a geração de energia com resíduos domiciliares, uma biomassa que pode ser encontrada em todas as regiões, durante todo o ano e sem sazonalidades, abrindo uma fresta maior para nossa independência energética.
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