Vale a pena ler e conhecer um pouco mais de nossa famosa idiossincrasia morena na gestão da coisa pública, ou seja, mesmo precisando melhorar a cultura no país, notadamente em regiões de menor poder aquisitivo, o vício de "vender mais caro coisas para o governo" acaba prevalecendo.
Não admira estarmos tão sofríveis neste aspecto educacional.
CULTURA DEPENDENTE
FOLHA DE S. PAULO
Embora contribuam para florescimento cultural, leis de incentivo desestimulam investimento e promovem capitalismo sem risco.
A ideia de que a indústria cultural no Brasil seria "inviável" sem a captação de recursos por intermédio de leis de incentivo deve ser vista com cautela. É certo que iniciativas com menos capacidade de obter retorno no mercado demandam para subsistir algum tipo de apoio do Estado, seja diretamente, seja por intermédio de estímulos fiscais concedidos a empresas.
Ocorre que a legislação em vigor dissuade o setor privado de investir capital próprio na cultura -e, indiretamente, estimula a transferência de dinheiro público para projetos propensos ao êxito comercial. A explicação para esse desvio é mais simples do que sua correção. Ao facultar, por meio de leis como a Rouanet, o direito de repassar para a cultura recursos que seriam gastos em impostos, o Estado concede às empresas o poder de decidir que propostas serão beneficiadas.
O Ministério da Cultura não concede as verbas, apenas verifica se os projetos atendem às exigências e permite a captação. Uma vez autorizados, tanto um instituto ligado a um banco quanto um cantor de sucesso ou um pesquisador do folclore brasileiro do século 18 podem pleitear o apoio financeiro de companhias privadas ou estatais.
Como estas obedecem à lógica do retorno publicitário, tendem a contemplar as iniciativas com maior probabilidade de atrair as atenções do público e da mídia -em geral concentradas na região Sudeste, em mãos de produtores preparados para praticar o necessário lobby nos departamentos de marketing.
Não há dúvida de que as leis de incentivo propiciaram um bem-vindo florescimento cultural no país. Mas, com o passar do tempo, alguns vícios se tornaram patentes. O atual modelo infla valores de produção, desestimula a concorrência e premia a ineficiência.
Em reportagem publicada ontem pela Folha, profissionais da área afirmam que os custos disparam quando se sabe que o projeto é beneficiado pela legislação de incentivo. Afinal, quem paga a conta é o "patrocínio" -na realidade o Estado ou, em última instância, o contribuinte, que ainda se vê submetido, como consumidor de cultura, aos preços muitas vezes salgados pedidos nas bilheterias.
O meio cultural tornou-se dependente dessa espécie de capitalismo sem risco, paraestatal, praticado por agentes privados com acesso a dinheiro público. Nada disso, aliás, é estranho a uma certa cultura empresarial brasileira, habituada a proteções e benesses oficiais.
Como se sabe, está em curso uma proposta para alterar a Lei Rouanet, que poderá corrigir algumas dessas distorções. É importante reconhecer que a cultura merece apoio do Estado, em especial nas atividades de formação, no reconhecimento da pluralidade e nas manifestações com menos oportunidades mercadológicas. Nos demais casos, o poder público deveria atuar, sobretudo, como indutor do genuíno investimento privado -deixando de ser seu mal disfarçado substituto.
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