Tais valores estão sendo, forçadamente, esquecidos em nossa sociedade.
O colega de departamento
AFFONSO ROMANO DE SANT'ANNA
Quando Deus criou o universo e deu tudo por completado, um anjo pediu permissão e disse: “Senhor, posso fazer um pequeno adendo ao seu projeto criador? Está tudo certo na área da natureza, mas está faltando uma coisa na área da cultura, ou seja, falta criar a universidade”. Deus achou a ideia interessante e criou a universidade. Mas o diabo, que estava atento, aproveitou e criou “o colega de departamento”.
Ouvi isto numa universidade americana. E penso: quem acha que a universidade é um ninho de querubins e serafins deve mudar seu pensamento atentando para essa história. Nada pior do que o colega de departamento. E isto, é claro, pode ser levado para outros tipos de empresas. Evidentemente que há colegas excepcionais, mas o diabo é aquele “colega de departamento” que inferniza a vida da gente.
Comecei a pensar nisso quando os jornais deram outro dia que 16 reitores estão envolvidos em fraudes as mais variadas. E aí você pensa: antigamente reitor era alguém acima de qualquer suspeita. Era. E, por isto, chamado de “magnífico”.
Mas, além disso, chegaram-me histórias reais sobre a vida universitária que conheci por 30 anos, aqui e no exterior. Um professor narrou que ao almoçar com um colega de departamento lhe expôs um modelo teórico que estava criando. No entusiasmo da descoberta, foi falando, entregando suas ideias. Dias depois “o colega de departamento’’ publicou um artigo com aquelas mesmas ideias.
E a questão da bibliografia? Dirigi uma reunião de cadeira na qual todos os professores davam naturalmente a ementa e a bibliografia que usariam naquele semestre. Era uma forma de entrosar os cursos. No entanto, um professor se negou a dizer a bibliografia que usaria aquele semestre, pois temia que os demais sacassem de onde tirava suas ideias.
Neste sentido, uma das coisas mais terríveis é a tirania da bibliografia imposta aos alunos. Bibliografia como camisa de força. Uma candidata à pós-graduação foi advertida que,se não seguisse a cartilha do pós-modernismo, estaria reprovada. Pior: que, se não citasse o nome de um determinando professor no seu trabalho, estaria automaticamente reprovada. Foi reprovada. Ela procurou apoio em vários professores, mas eles diziam uma coisa para ela e outra em público.
Outro professor teve todos os seus alunos reprovados na seleção para pós-graduação no mesmo departamento em que dava aulas, porque ele não seguia a cartilha da moda. Já um professor me disse que durante a ditadura impediu que os militares demitissem um colega, do qual, aliás, discordava teoricamente. Ficou sabendo depois que o colega o denegria nas aulas e conferências.
Outro colega trouxe um professor do estrangeiro, deu-lhe todas as chances, apresentou-o às editoras, levou-o a congressos, introduziu-o em sua família. Um dia descobriu que o outro trabalhava sub-repticiamente para destruí-lo. E quando o chamou para um cara a cara “o colega de departamento” disse: “É, no princípio tentei te imitar, depois resolvi te destruir”.
Como diria Vinicius: mal procedeu o Senhor em não descansar no sábado; ou então, mal procedeu o Senhor em deixar o diabo criar o colega de departamento.
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